A mais triste notícia que O Estado do Maranhão poderia publicar, como o faz hoje, pesaroso, é a do encerramento de suas atividades como jornal impresso, aos 62 anos de sua fundação.
Essa notícia é um choque para os leitores, colaboradores, anunciantes, que, em mais de seis décadas, o têm como leitura diária indispensável. Podemos apenas supor o que essa decisão custou emocionalmente aos seus dirigentes e, mais, aos seus empregados, repórteres, redatores, fotógrafos, diagramadores, gráficos, que trabalharam nesta última edição impressa. E como distribuidores, jornaleiros e donos de bancas, que o têm como instrumento de trabalho e sobrevivência, receberão o fato consumado, embora já anunciado.
A morte de um jornal tradicional, como O Estado do Maranhão, vida e alma da nossa terra, é um acontecimento doloroso. E não importa que ele migre para as plataformas digitais, acompanhando o inevitável destino dos diários impressos em todo o mundo. O prazer de compulsar as páginas do jornal, assim como as dos livros, é inigualável para a maioria dos leitores. Sem o impresso, morre o jornal que conhecemos e de que fizemos parte por tanto tempo.
Minha relação com O Estado do Maranhão estabeleceu-se há mais de 40 anos, quando, estudante de Jornalismo na UFMA, fui admitido como foca numa redação chefiada pelo poeta e economista Bandeira Tribuzi. Tribuzi era uma espécie de divindade no meio intelectual ludovicense, principalmente no ambiente estudantil, por sua oposição ao regime militar e seus poemas libertários.
Após aquele primeiro contato, tive outras experiências no jornalismo, mas, diversas vezes, retornei ao O Estado do Maranhão. Em períodos alternados, fui aqui repórter, editor, chefe de reportagem e, finalmente, diretor de Redação, cargo que assumi em 1983, a convite do amigo Fernando Sarney, que confiara a direção geral ao arquiteto e escritor Pedro Costa, filho do poeta Odylo Costa, filho. Pedro era casado com Paloma Amado, filha do escritor Jorge Amado, e mudara-se havia pouco para São Luís.
De 1983 a 1990, deu-se, naquela redação, a minha mais rica experiência profissional e humana. Um tempo inesquecível em que minha equipe e eu tivemos que ser ousados para superar dificuldades. Fico hoje imaginando como era fazer um jornal diário sem o auxílio de computadores e sem a Internet.
Os símbolos do avanço tecnológico, dos quais nos orgulhávamos, eram dois aparelhos de telex que vomitavam o dia inteiro centenas de metros de papel impressos com notícias do Brasil e do mundo distribuídas pelas agências Estado, Globo e Associated Press (AP), e dois equipamentos de radiofoto e telefoto, da UPI (United Press International) e da AP, que demoravam uma eternidade para imprimir as imagens.
A televisão e o rádio sempre surpreendiam os jornais na guerra pela notícia. As páginas do jornal eram montadas artesanalmente. Os textos saíam das barulhentas máquinas de escrever para as mãos dos revisores, iam para a diagramação e, em seguida, para os aparelhos de composição fotográfica. Só depois de montada numa “boneca”, a página seguia para o processo químico que a transformava em fotolito e chapa metálica. Dali, em duplas, ia para a impressão, já em off-set.
Compensávamos nossas limitações tecnológicas com a formação de nossas equipes. Recrutávamos na universidade e nos meios acadêmicos e intelectuais os melhores quadros, e formamos uma excepcional equipe de repórteres, redatores, fotógrafos e colaboradores.
Nosso principal revisor, durante muito tempo, foi o escritor e crítico literário Viégas Netto. O chefe de reportagem e também revisor, o talentoso Othelino Filho. O editor de política, Ribamar Corrêa, que depois dirigiu a redação. A bibliotecária Rosa Ferreira Lima, que se tornou diretora da Biblioteca Pública, era a chefe do nosso arquivo. Pergentino Holanda, com uma página sobre política e sociedade, já era então o maior colunista do Estado. Eram repórteres, redatores, editores ou revisores José Salim, Jota França, Couto Corrêa, Edivan Fonseca, Alfredo Menezes, Mário Reis, Jorge Abreu, Henrique Bóis, Ademar Danilo, Montezuma Cruz, Eli Geronasso, Zilda Assunção, Ademir dos Santos, Francília Cutrim, Manoel dos Santos Neto, Cécero da Hora, Nedilson Machado, Marilda Mascarenhas, J. Nepomuceno, Sérgio Castellani, entre tantos outros. Entre os colaboradores, Bento Moreira Lima, Ronald de Almeida Silva e Phelippe Andrés. A secretária era Flora. Os fotógrafos, Cavalcante, Juracy Meireles, Raimundo Filho, Dabi dos Santos e Baeta. Os diagramadores, Edu Corrêa, Demerval, Silvio e Milanez.
Quando criamos o Caderno Alternativo, convidei um time de primeira ordem para revezar-se na crônica diária: Nonnato Masson, Ubiratan Teixeira, José Chagas, Jomar Moraes, Benedito Buzar, Ivan Sarney, Bernardo Coelho de Almeida, Joaquim Itapary. A agenda cultural era o foco principal do caderno.
Antes que eu completasse o segundo ano no cargo, o dono do jornal, o então senador José Sarney, rompe com o governo militar e forma, com Tancredo Neves, a Aliança Democrática. Tancredo foi eleito presidente, e Sarney, vice. Tancredo morreu, Sarney assumiu a Presidência da República.
Responsável pela redemocratização do País, Sarney instalou a Constituinte, legalizou os partidos que estavam na clandestinidade, liberou as greves dos trabalhadores. Aos tempos severos do regime militar sucedia-se um período de amplas liberdades, de participação política e popular, de vitalidade democrática.
O jornal viveu o espírito desse tempo, aberto ao registro e à discussão dos temas de maior interesse da população. Sarney exigia que o jornal, por ele chamado carinhosamente de “New York Times do Maranhão”, estivesse diariamente à sua disposição no Palácio da Alvorada. Eventualmente, enviava artigos e bilhetes ao diretor de redação. Sempre para elogiar, sugerir ou incentivar: “Ouse!”, aconselhava, quando mandava exemplares de jornais que trazia de suas viagens ao exterior.
Como diretor de redação do jornal, testemunhei momentos marcantes da Nova República. Presenciei o lançamento do Cruzado, assisti à 40ª. assembleia da Organização das Nacões Unidas, durante a qual o presidente brasileiro citou um poema de Bandeira Tribuzi, meu primeiro chefe no jornal. Participei da cerimônia de instalação da Assembleia Nacional Constituinte. Enviado pelo jornal, cobri o 30º aniversário da tomada do Quartel Moncada pelos revolucionários de Fidel Castro, em Cuba. Meu relato sobre a viagem, aqui publicado, recebeu o Prêmio Fenaj de Jornalismo.
Desde que deixei minhas funções no jornal, em 1990, passando e nele escrever apenas como colaborador, O Estado do Maranhão acompanhou todas as grandes transformações que moldam hoje o universo da comunicação impressa no mundo. Tornou-se um jornal mais completo, mais ligado à comunidade. Revigorado pelas novas tecnologias, acessível ao leitor em todo o mundo, produzido por uma equipe jovem, ágil e competente, parecia ter tudo para uma vida mais longa e produtiva.
Parecia. Mas não resistiu à nova realidade do mundo da comunicação instantânea, das exigências quanto a critérios ambientais, sociais e de governança corporativa e da pressão constante sobre o preço dos insumos do impresso. Para maior complexidade da situação, sobreveio a pandemia do coronavírus, e com ela, o agravamento da crise econômica que se traduz em desemprego, inflação, redução das atividades produtivas.
Na primeira edição em que adotou o título de O Estado do Maranhão, em 1973, seu fundador, o ex-presidente José Sarney, definiu no editorial “Um jornal, uma universidade” os seus objetivos: “Modernizar a imprensa maranhense, inovar em termos de artes gráficas e renovar em termos de elevá-la, dar-lhe dimensão cultural, semear ideias, discutir problemas”. Para ele, “a informação é, hoje, como a saúde, a vida, um direito. Numa sociedade democrática, é a base sem a qual é impossível construir a liberdade; é o oxigênio sem o qual ninguém respira”.
Aos 62 anos, O Estado do Maranhão cumpriu fielmente a sua missão. Para mim, ele foi mais do que um jornal. Foi, como desejava seu fundador, uma universidade. Universidade que me fez melhor compreender o mundo e as pessoas, cultivando inabalável sentimento de humanismo e solidariedade ao próximo, principalmente aos mais frágeis e humildes.
Esta última edição do jornal, estejam certos os leitores, é produzida com as tintas da melancolia e as lágrimas da saudade. Saudade do que fomos e vivemos intensamente.
* Antonio Carlos Lima foi diretor do jornal O ESTADO DO MARANHÃO entre 1983 e 1990. É jornalista e membro da Academia Maranhense de Letras. Email: antonioacglima@gmail.com
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