Artigo

Conjugar o verbo orientar

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

O ano de 2020 mal começou, e já se apontam escorregões da maior autoridade brasileira na área da Educação. A mídia espalha que o ministro da Educação teria postado, em sua conta no twitter, alguma mensagem em que teria escrito a palavra “INTEREÇANTE”. Assim mesmo, com “C” cedilhado. Não sei que mensagem foi postada, nem a quem foi endereçada (poderia escrever com dois esses, ou não?) O que importa é a escorregadela feia de quem não se esperava. Mas errar é humano - diria o seu eventual defensor. Afinal, os romanos já diziam, em Latim: errare humanum est.

É evidente que esse tipo de erro sempre soa mal, ainda mais quando se trata de uma autoridade tão importante, justamente na pasta, cuja performance não vem agradando, a não ser a uma parcela marcadamente fanática da população, que tudo vê e aplaude no atual governo federal. Respeito, pois cada cidadão tem o direito de agir, pensar e expressar-se como quiser. Vivemos numa democracia. Tenho certeza de que já cometi erros de ortografia, de regências e concordâncias verbais, de gramática em geral, em meus livros e escritos. Devo ter sido gostosamente criticado, embora não me tenham dito nada. Fazer o quê? Mas, não por isso, perdi o direito de criticar quem também erra. Dou-me esse direito, como cidadão. Responsabilizo-me pelos meus erros e críticas. Afinal - repito - vivemos numa democracia, o que significa dizer que estamos no “estado democrático de direito”. Fernando Pessoa nos ensina: “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. A minha crítica tem a virtude de ensinar, apontando erros. Sempre agi assim, nos meus 33 anos de magistério. E aprendi também com os erros apontados por meus alunos. O processo ensino-aprendizagem é assim. O professor ensina e aprende também. Quem não admitir essa verdade não é professor. Certa feita, um aluno escreveu em uma prova por mim aplicada: “feixou” (certamente queria escrever “fechou”), mas a resposta à questão estava correta. Atribuí-lhe os pontos a que tinha direito, mas não sem fazer uma observação, com caneta de tinta vermelha, ao final da folha, chamando-lhe a atenção para o erro. Penso que nunca mais ele errou a conjugação do verbo FECHAR.

O episódio de que me ocupo nesta narrativa, porém, me levou de volta aos tempos acadêmicos, anos 60 do século passado. Contava-se, à boca pequena, na Faculdade de Direito de São Luís, no Maranhão - quando não havia, ainda, Universidade -, que um acadêmico muito querido dos seus colegas, conhecido por “Gonzaga”, não conseguia passar nas provas da disciplina Economia Política. Tentara as duas vezes que eram permitidas ao reprovado. Um grupo de colegas de turma, então, resolveu ir ao professor daquela disciplina, a quem lhe fizera um apelo para dar mais uma chance ao Gonzaga. O mestre, conhecido por sua dureza, sensibilizou-se com o apelo e decidiu marcar uma prova oral com o Gonzaga.

- Senhor Gonzaga, os seus colegas me pediram para lhe conceder mais uma oportunidade, para que você passe na minha disciplina. Vou lhe fazer apenas uma pergunta. Se acertar, passará, e você seguirá seu curso. Senhor Gonzaga, o que é empresário?

- Professor, empresário e aquele que.... (fazia movimentos com as mãos, como se estivesse moldando uma bola enorme.). Repetia os gestos, e o resto da resposta não saía.

- Vamos, senhor Gonzaga, eu sei que você sabe.

- Sei, professor. Empresário é aquele que... (continuava os mesmos gestos, inutilmente). E os colegas, aflitos, esfregavam as mãos em torcida frenética, quase soprando.

- Vamos, “seu” Gonzaga; está quase acertando...

- Professor, empresário é aquele que....

- Vamos, Gonzaga, conclua.

- É aquele que ORIENTEIA a atividade empresarial.

- Senhor Gonzaga, eu lhe dei uma chance a pedido dos seus colegas; você a desperdiçou. Volte para fazer novo vestibular, para aprender a conjugar o verbo ORIENTAR.

Benedito Ferreira Marques

Escritor

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