Opinião

Amor e ódio no tempo da Balaiada

Antonio Carlos Lima*

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15

Dois jovens maranhenses de Caxias abandonam o curso de Direito que frequentam na Universidade de Coimbra para filiar-se, no Porto, às tropas voluntárias de apoio à rainha Maria I de Portugal, filha de dom Pedro, ex-imperador do Brasil. Miguel, irmão de Pedro, usurpara o trono da sobrinha, e o país mergulhara em guerra civil.

Assegurada a permanência da rainha, Ivo, um dos maranhenses que por ela lutara, volta ao Brasil, fixa-se no Rio de Janeiro e, em seguida, retorna a Caxias, onde, para sua surpresa, reencontra Nunes, o antigo colega de Coimbra e das lutas no Porto. Para seu desgosto, o amigo, que trouxera do Porto a amante oriental Maia, está envolvido com sua irmã Angélica. O reencontro dos dois amigos, agora inimigos por causa desse triângulo amoroso, se dá no momento em que, em 1838, explode na vila de Caxias a Balaiada, a maior e mais violenta insurreição popular das primeiras décadas do Brasil independente.

A relação conflituosa que se estabelece entre amigos em função de suas escolhas políticas no ambiente conflagrado da terra natal é o fio condutor da trama do mais recente romance do escritor Ronaldo Costa Fernandes, o excelente Balaiada (Entrecapas Edições/Academia Maranhense de Letras, 242 págs).

Em capítulos curtos, como takes cinematográficos que se alternam entre a fazenda Macaúbas, Caxias, Coimbra, Porto, Rio de Janeiro e São Luís, a história converge para o cenário de desordens que se sucederam em Caxias e outras cidades dos vales do Itapecuru e do Parnaíba durante a Regência. Amores e intrigas brotam em meio a confrontos entre conservadores cabanos e bem-te-vis liberais, à fúria do Balaio, à rebelião de escravos fugidos liderados pelo negro Cosme e à intervenção das tropas imperiais sob o comando do coronel Luís Alves de Lima, futuro Duque de Caxias.

A ficção se entrelaça com a realidade de modo que a personagem central integra no Porto o mesmo destacamento do escritor Alexandre Herculano e do poeta Almeida Garrett e se encontra com o Imperador que proclamara a Independência do Brasil. No Rio, relaciona-se com Joaquim Manoel de Macedo, iniciador do romantismo no Brasil. Em São Luís, com o publicista João Lisboa. Em Caxias, com Domingos José de Magalhães, que, na condição de secretário de Luís Alves de Lima, escreverá a memória fundamental da Balaiada.

Este é o segundo romance histórico de Ronaldo Fernandes, ambos sobre o Maranhão. No primeiro, Vieira na Ilha do Maranhão (Editora 7 Letras, 2019), ele recria a realidade dos primórdios do Maranhão colonial para nela destacar a ação evangelizadora e polêmica do pregador jesuíta. Agora, recompõe, com base em rigorosa pesquisa e farta imaginação, as décadas iniciais do Brasil independente para evocar um dos episódios mais turbulentos – e violentos - da história maranhense.

Balaiada é um romance bem construído, que prende a atenção do leitor do início ao fim, em linguagem simples, sem pedantismo, e nos permite viver, além das vicissitudes de amores impossíveis e contrariados – Maia, a amante oriental de Nunes, é na verdade um homem confundido o tempo todo com mulher, como Diadorim, a personagem de Grande sertão: veredas - , um momento em que as desigualdades e as injustiças eram tamanhas no Maranhão que a maioria da população não teve outra alternativa senão apelar para as armas, em defesa de justiça e liberdade.

Uma ótima leitura para estes tempos de apreensões, sobressaltos e ameaças à democracia.

Jornalista, membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: antonioacglima@gmail.com

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