Editorial

Se a dúvida acaba, a vida continua

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22

No último domingo, 1º de dezembro, foi celebrado o Dia Mundial da Luta Contra a Aids, criado em 1987 pela Assembleia Mundial da Saúde com o objetivo de alertar a população e conscientizá-la sobre as formas de combate ao HIV. Hoje, o Ministério da Saúde estima que 900 mil brasileiros carreguem o HIV, dos quais 135 mil não sabem disso. “Silêncio = Morte”. Um dos cartazes mais emblemáticos da luta contra o HIV/Aids criado e disseminado pela organização internacional pioneira ACT UP nos anos 80, está de volta.
A atual campanha foca na questão da testagem, com o slogan “Se a dúvida acaba, a vida continua”. Infelizmente muita gente não quer saber seu status, o que é mais um motivo para educar para não ter medo. A doença já vem com um estigma e um preconceito muito grandes. É bom lembrar que testagem, prevenção e tratamento estão interconectados, já que hoje está comprovado que uma pessoa com carga viral indetectável por seis meses não transmite o vírus.
O Brasil já foi visto como modelo internacional por marcos como a Lei nº 9.313 de 1996, que garantiu a distribuição gratuita de medicamentos antirretrovirais, e a garantia em 2013 do tratamento para todos com a terapia unificada conhecida como coquetel. O país foi uma referência por ter adotado muito antes de outros países de renda média ou baixa medidas, como terapia para todo mundo, que na época pareciam uma loucura.
No início dos anos 90, Brasil e África do Sul tinham taxas similares de infecção por HIV. Hoje, 18% da população da África do Sul tem o vírus, contra 0,4% da população brasileira. E há motivos para otimismo. Nos últimos cinco anos, o número de mortes pela doença no país caiu 22,8%, de 12,5 mil em 2014 para 10,9 mil em 2018.
Em novembro de 2018, o governo Michel Temer lançou uma Agenda Estratégica de 84 páginas para a área após um ano de debates internos, com a sociedade civil e com órgãos de ensino e pesquisa.
O último ano, no entanto, trouxe preocupação entre especialistas se as políticas públicas na área continuariam sendo baseadas nas melhores evidências disponíveis e referências internacionais.
A Agenda Estratégia, que tinha toda uma programação feita de forma técnica, foi totalmente enterrada. A saída ocorreu após a retirada de uma cartilha para homens transsexuais, incluída seis meses antes, que tinha informações sobre uma seringa usada por parte desta população.
Para o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a pasta não poderia recomendar a prática que é de risco, enquanto técnicos disseram que a ideia era alertar para que as seringas não fossem compartilhadas. A cartilha foi reincluída no final de janeiro, mas sem o trecho. Em maio, o DIAHV foi transformado no Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, que também agrupou tuberculose e hanseníase, que não são de transmissão sexual. Com isso, a área de HIV/Aids foi rebaixada a uma coordenação.
Em junho, o presidente Bolsonaro vetou um projeto que dispensava a pessoa com HIV/Aids aposentada por invalidez de realizar reavaliação pericial, já que a doença não tem cura. Apesar do governo alegar que a presunção de incapacidade desconsiderava o avanço da medicina, o veto foi derrubado pelo Congresso.
Para o ativista e poeta Ramon Mello, que teve o diagnóstico há sete anos, quem se infectou no início da epidemia viveu um estigma muito grande e se aposentou muito cedo, e não vai conseguir uma recolocação no mercado de trabalho agora. Ele entende que tirar a aposentadoria por invalidez de uma pessoa nessa situação é uma crueldade’. Em julho, o governo federal informou que as páginas específicas sobre o tema em redes sociais não seriam mais atualizadas.
Uma das críticas mais comuns entre pessoas da área, e que vem de antes deste governo, é que as campanhas de prevenção ao HIV são centradas apenas em datas como carnaval e no Dia Mundial da Aids. Além disso, trazem mensagens genéricas e sem foco definido, indo contra um princípio da comunicação: querer falar com todo mundo ao mesmo tempo é não falar, de verdade, com ninguém. No entendimento da médica infectologista Camila Rodrigues, as pessoas não fazem sexo só no carnaval. A campanha tem que pegar nas pessoas que são mais vulneráveis, e não está pegando.

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