Da agonia à alegria

Mesmo com decisão judicial, família não recebeu indenização

Menina Clara, que poderia ter uma vida mais confortável, caso os R$ 30 mil tivessem sido recebidos, ainda aguarda por um desfecho no caso

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h32

[e-s001]Apesar de todo o sofrimento e danos à família, os pais de Clara Fernanda Jurema Garcês ainda não receberam os R$ 30 mil a que teriam direito em indenização. A decisão, proferida pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) no dia 8 de abril de 2013, manteve sentença do juiz da 8ª Vara Cível de São Luís, Luiz Gonzaga Almeida Filho. Apesar da decisão, a própria família de Clara admitiu a O Estado que se trata de uma causa praticamente perdida.

Mesmo com a aparente injustiça, o pai de Clara – José Ribamar – não manifesta nenhum sentimento de revolta pelo não recebimento do valor. “O que eu sinto, na verdade, é somente frustração, por não ter recebido algo que era nosso, por direito”, afirmou. Após a menina ser localizada, os pais de Clara Fernanda foram orientados a ingressar judicialmente com pedido de recebimento de indenização. A família alegou que a administração da Santa Casa não prestou a assistência psicológica necessária. “Também não havia nenhuma informação. A gente ficou várias horas no hospital sem saber o que estava acontecendo”, lembrou Luzieth Garcês.

Após o pedido da família e da decisão do TJMA, a Santa Casa recorreu da condenação, alegando na ocasião “que prestou toda a assistência ao casal e que empreendeu todos os esforços na recuperação da recém-nascida”. Ainda na defesa, a Santa Casa chegou a apelar para a finalidade da unidade, considerando “exacerbado o valor da indenização, por se tratar de uma entidade de caráter beneficente”, que atende a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

Apesar das alegações da defesa, a relatora do recurso, a desembargadora Maria das Graças Duarte, negou as justificativas e manteve a indenização. Para a magistrada, “o hospital cometeu ato ilícito gravíssimo ao ser omisso na prestação do serviço e permitir que a criança desaparecesse do berçário, submetendo os pais a 15 dias angustiantes, sem informações sobre o paradeiro da criança”.

Sem qualquer perspectiva, a família está conformada com a situação. “Sabemos que é difícil qualquer recebimento de valor, e para ser sincero, se viesse, seria positivo, mas se não vier, fazer o quê?”, disse José Ribamar.

Educação de Clara
Caso os R$ 30 mil fossem revertidos para a família, a jovem Clara Fernanda poderia ter uma educação melhor, já que estuda em unidade de ensino pública.

“Às vezes, a Clara [Fernanda] me pergunta quando poderá estudar em uma escola melhor. Eu digo para ela que, quando melhorarem as coisas aqui em casa posso fazer isso. Com um dinheiro desses, poderia procurar algo melhor para a Clara”, disse o pai da jovem.

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Sem condições
Procurada por O Estado, a atual direção da Santa Casa de Misericórdia informou que a entidade recorreu da decisão favorável ao pagamento de indenização à família de Clara Fernanda por entender que todas as condições para a resolução do caso foram dadas. Em contato telefônico na sexta-feira, 6, o provedor da Santa Casa, Abdon Murad, disse que, mesmo que haja uma nova sentença favorável ao pagamento indenizatório, a unidade não dispõe de condições financeiras para o cumprimento do parecer. “Não temos condições de pagar”, disse.

O provedor lembrou ainda que as duas auxiliares pagas por Danielly para raptar a criança eram, de fato, lotadas na Santa Casa. “Efetuamos imediatamente após a confirmação de suas participações no caso o afastamento das servidoras”, disse.

Sobre o processo
De acordo com pesquisa feita por O Estado, o inquérito que apurou o rapto foi remetido à Justiça ainda em 2009 e tramita na 9ª Vara Criminal de São Luís.

Atualmente, o processo corre em segredo de Justiça. Procurada, a 9ª Vara não informou o paradeiro da autora do rapto e das auxiliares no crime.

“Foi como achar uma agulha no palheiro”, lembra delegado

Em uma sala situada em local sigiloso por causa de sua atual função, O Estado encontrou o delegado Milton Pereira, que cuidou do caso e ainda está na ativa. Ele lembrou de vários detalhes das investigações do caso, desde as primeiras vertentes, passando pelo dia em que finalmente a criança foi encontrada.

Segundo o delegado, a primeira linha de investigação dava conta de que o rapto teria sido causado por uma mãe que estaria internada também na Santa Casa. De acordo com ele, inicialmente foram visitados 80 endereços de mães internadas na unidade de saúde. “Tivemos que ouvir as familiares de cada mãe. Foi um trabalho que demandou muito esforço de todos”, disse.

Em seguida, um programa lançado à época como teste pelo Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) foi fundamental para a elucidação do caso. Segundo o delegado, o sistema possibilitaria – a partir do cruzamento de dados de declarações de nascidos vivos – detectar em qual cartório a criança desaparecida seria registrada. Um aler­ta foi emitido no dia 20 de março, vindo da Maternidade Benedito Leite. “Fui com um outro colega policial e, assim que chegamos, a autora do rapto estava quase registrando a criança”, disse.

Ele contou ainda que a polícia teve sorte no caso, pois o sistema do TJ servia apenas para cartórios registrados na capital maranhense, à época. “Ou seja, se a criança tivesse sido registrada em uma cidade do interior, provavelmente não seria mais localizada”, afirmou.

Para Milton Pereira, o rapto de Clara foi um dos casos mais marcantes de sua carreira. “Foi como achar uma agulha no palheiro. Eu sou cristão e posso dizer que foi obra mesmo de Deus termos acha­do esta criança”, afirmou.

RELEMBRE O CASO POLICIAL
No dia 15 de março de 2009, nove dias após o rapto, a polícia divulgava o retrato falado de uma mulher de porte físico médio-magro, de aproximadamente 1,65 metro de altura, de cor parda clara, olhos negros e pesando cerca de 55 quilos. Seria a descrição de Danielly Alves Diniz.
Segundo a polícia, a mulher - que possuía registro como enfermeira no conselho da categoria – montou toda a operação e, além de contar com a ajuda de técnicas lotadas na Santa Casa, também monitorou o espaço onde seria feito o rapto desde o dia 13 de fevereiro do mesmo ano, quando justificou seu acesso às partes internas da unidade de saúde devido a um estágio. Após ser presa, Danielly foi lotada no 13º Distrito Policial no Cohatrac, onde permaneceu até a conclusão do inquérito, que ocorreu dias após a entrega de Clara Fernanda à família. Já as técnicas de enfermagem Maria do Carmo e Hormígida Oliveira Muniz permaneceram detidas no quartel do Comando Geral do Corpo de Bombeiros, no Bacanga. A defesa da Danielly solicitou que a mesma não fosse transferida para a cidade de Bacabeira, alegando que seria morta na unidade prisional da cidade.

[e-s001]CASOS DE RAPTO COM REPERCUSSÃO

Além do caso de Clara Fernanda, outros, anteriores e posteriores, também repercutiram na sociedade maranhense. Um dos mais famosos foi o caso envolvendo Aline Cutrim, levada por uma mulher da porta da escola. Ela se reconheceu em um cartaz de “Procura-se” um ano depois do fato, em 1994.

A história de Aline Cutrim foi recontada pelo repórter Adriano Martins Costa, na edição de O Estado do dia 18 de fevereiro de 2017, mostrando como ela estava. Seis anos após o rapto de Clara Fernanda e 23 após o sumiço de Aline Cutrim, no dia 2 de junho de 2016, um bebê foi raptado da Maternidade Marly Sarney, no bairro da Cohab, em São Luís. De acordo com informações à época divulgadas pela Polícia Militar do Maranhão (PM), minutos após a confirmação do rapto a suspeita foi detida e o bebê recuperado.

No mesmo dia do fato, uma mulher, identificada como Marluze dos Santos Pinheiro, foi presa por policiais do 8º Batalhão da Polícia Militar (BPM). A suspeita foi encaminhada para o 6º Distrito Policial, na Cohab. De acordo com uma funcionária da maternidade, a mulher apontada como raptora se identificou apenas como acompanhante de uma das pacientes. Ela fugiu levando a criança pela porta dos fundos da unidade de saúde. A mãe da criança, Nercília Boás, agradeceu a todos que ajudaram nas buscas.

No dia 13 de janeiro de 2016, uma menina de aproximadamente 9 anos desapareceu no bairro Cohatrac, em São Luís. De acordo com as primeiras informações, ela teria sido localizada no bairro Cohabiano, próximo ao Cohatrac. A menina, moradora do bairro Jardim Araçagi, saiu de casa para comprar um galeto, em um comércio próximo à sua casa.

Ela foi localizada por volta das 18h30, do mesmo dia e reconhecida por uma mulher, que a conhecia. A criança estava muito abalada e com sinais de violência pelo corpo. Em seguida, foram divulgadas imagens do suspeito de tê-la raptado. Outro caso muito conhecido em São Luís foi o do bebê Ícaro Ferreira Rodrigues, de apenas 45 dias, que foi levado de sua casa, situada na Vila Goreth, na Camboa, no dia 4 de setembro de 2008.

Na ocasião, a mãe da criança, Itanílce Ferreira (foto), disse que dava banho em seu outro filho, Ítalo, de um ano e meio. O principal suspeito do crime era um homem que, minutos antes do desaparecimento de Ícaro, tinha ido até a casa da mãe da criança raptada, interessado em comprar um saco de carvão.

O fato também mobilizou a sociedade ludovicense e campanhas foram feitas para a localização da criança. Apesar das tentativas, até hoje a criança não foi localizada. Ela deve ter hoje 10 anos.

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