Artigo

Gestantes e lactantes e a reforma trabalhista

Atualizada em 11/10/2022 às 12h34

Antes da Lei da Reforma Trabalhista, a CLT determinava que a gestante e a lactante (mãe que está amamentando) fossem afastadas de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, enquanto durasse a gestação e a lactação, devendo exercer as suas atividades em local salubre (artigo 394 - A, incluído pela Lei nº 13.287, de 2016). Ou seja, grávidas e lactantes eram terminantemente proibidas de trabalhar em locais, operações e atividades insalubres, fosse a insalubridade de grau mínimo, médio ou máximo.

Veio, então, a Reforma Trabalhista alterando, consideravelmente, essa regra protetiva. A Lei nº 13.467, de 11/11/2017, conhecida como Lei da Reforma Trabalhista, previa que, embora vedado o trabalho em atividade de insalubridade máxima, o empregador poderia determinar às gestantes e às lactantes que executassem atividades insalubres de graus médio ou mínimo. Somente escapariam de laborar nessas condições se apresentassem atestado “de seu médico de confiança” recomendando o afastamento desse tipo de trabalho.

Como seria de esperar, a novidade gerou muita insatisfação. E, carecendo de aprovação popular, o presidente Michel Temer cuidou logo em editar a Medida Provisória nº 808/2017, a qual, todavia, mostrou-se tímida tentativa de amenizar as maldades trazidas pela lei que reformou a CLT.

No tocante à lactante, a MP nº 808/2017 veio prevendo que a empregada será afastada de atividades e operações consideradas insalubres “quando apresentar atestado de saúde emitido por médico de sua confiança, do sistema privado ou público de saúde, que recomende o afastamento durante a lactação”. Ou seja, se ela não apresentar esse atestado, poderá ser posta a trabalhar em atividades insalubres de graus mínimo, médio e até máximo. Em resumo, para a trabalhadora lactante, a emenda ficou pior do que o soneto.

Já a gestante, recebeu da MP nº 808/2017 um tratamento menos desumano do que o que lhe fora dado pela Lei da Reforma Trabalhista. Nesta, a regra era a gestante trabalhar em atividade insalubre de graus médio e mínimo. Para escapar dessa atividade nociva, haveria de apresentar atestado de saúde recomendando o seu afastamento. Agora, por força da MP nº 808/2017, acontece o contrário. A regra passou a ser a gestante não trabalhar em atividade insalubre. Mas, excepcionalmente, poderá, sim, executar atividades de insalubridade mínima ou média, bastando que, voluntariamente, apresente atestado médico que autorize a sua permanência nessas atividades.

Ora, há grande probabilidade de a exceção se tornar regra e o “voluntariamente” não ser tão voluntário assim. Num cenário de desemprego crescente, como o verificado no Brasil, parece-me inquestionável que muitas grávidas se verão forçadas a enfrentar filas na rede pública de saúde para obter o tal atestado médico. O temor de perder o emprego após o prazo da chamada “estabilidade gestante” as fará seguir esse ritual, malgrado nocivo a si e ao filho que cresce no seu ventre.

Portanto, melhor teria sido o legislador reformista não ter tocado na antiga regra proibitiva da CLT. Alterar a legislação protetiva antes vigente, potencializando a permissão de trabalho de grávidas e lactantes em ambientes e atividades insalubres, configura um retrocesso e clara violação ao disposto nos artigos 6º e 7º da Constituição Federal, haja vista que desprotege a maternidade e a infância e aumenta os riscos inerentes ao trabalho, à saúde e à segurança da trabalhadora, além de não melhorar em nada a sua condição social.

Aliás, não podemos esquecer que a mesma Constituição Federal, no seu artigo 170, também prevê que a ordem econômica se assenta na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (esta, porém, posicionada depois daquela) e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando, entre outros, o princípio enaltecedor da função social da propriedade. E empresa, nunca esqueçamos, é propriedade. Há que ter função social, não sendo mera fonte de lucro, como alguns pensam.

PAULO MONT´ALVERNE FROTA

Juiz do Trabalho do TRT da 16ª Região e especialista em Direito e Processo do Trabalho

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