Artigo

O contraditório universo pandêmico

Natalino Salgado Filho

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16

Uma obra recém-lançada está causando uma repercussão enorme por pregar uma ideia que vai na contramão daquela que popularmente é evocada de quando em vez: a de que o homem, por natureza, é ruim. A obra pretende desmistificar essa tese e o faz, de maneira detalhada, em suas 464 páginas (há versões digitais também).

Trata-se de Humanidade: uma história otimista do homem, do escritor holandês Rutger Bregman, na qual o autor elenca uma série de razões para sustentar seus argumentos, algumas com as quais até podemos concordar. Argumentos filosóficos, psicológicos e históricos, aliados às mais diversas pesquisas científicas, são apresentados pelo autor da obra para demonstrar que a raça humana é capaz de externar, ao longo de diversos episódios, gestos extraordinários de bondade, compaixão e solidariedade. Principalmente em momentos de crise.

Bregman vem colecionando aplausos e elogios de uma sociedade mergulhada no desespero do enfrentamento de uma pandemia que atinge todo o planeta, ainda que em velocidades e consequências diferentes. É comum imaginar que, nessas circunstâncias, há a carência de lenitivos, sejam eles físicos ou imateriais. Ainda mais quando sopros de esperança são extraídos de gente que pensa e faz ciência.

Mas, afinal de contas, temos motivos conhecidos para concordar com o escritor? Acredito que sim, a despeito de diversas vozes contrárias. Por exemplo, a do pensador Thomas Hobbes, autor da célebre frase: o homem é o lobo do homem, o qual sustentava que o ser humano é, por natureza, essencialmente egoísta. De alguns grotões marcados por genocídios absurdos, o holocausto judeu, apenas para exemplificar, é uma chaga da qual nunca nos recuperaremos. Além disso, há um sistema que alija direitos e pune mulheres e crianças e guerras inexplicáveis por sistemas jurídico-políticos que não possuem o condão de expurgar a corrupção e proporcionar uma sociedade mais justa e igualitária.

Vou fazer coro com o Drummond, para quem seus companheiros “estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças”, em seu famoso poema “Mãos dadas”. Felizmente, há situações próximas de nós que corroboram o pensamento do escritor holandês, por serem quase oásis de gentileza e fraternidade. Em meio à dor de tantas famílias enlutadas pela perda de seus entes queridos, há aqueles que honesta e sinceramente assumem o mandamento bíblico de chorar com os que choram, ofertando tempo útil de conforto e apoio. Num país onde milhares de pessoas ficaram sem renda e sem emprego em menos de dois anos, há os que socorrem com mantimentos e itens de primeira necessidade, em especial as igrejas de diversos credos que não apenas ofertam a palavra, mas também o pão.

Não posso deixar de mencionar os anjos que, no lugar de asas, envergam jalecos e luvas e diariamente empunham as armas necessárias para o combate do mal insidioso e invisível, mesmo sabendo que a remuneração mensal não alcança o justo e digno reconhecimento de heróis que são. São os que se colocam como aliviadores, confortadores de corações amedrontados, estimuladores daqueles que, desesperados, pensam em desistir de tudo, inclusive da caminhada da vida.

Não nego a existência de almas malignas que se aproveitam do cenário caótico para trazer à lume a maldade que abrigam. Que se esquecem da mesma condição frágil que caracteriza nossa existência e perpetram ainda mais sofrimento e terror. A estes, a história lhes reserva triste lugar e a eternidade – para aqueles que assim creem – idem.

Acredito que a pandemia é também um imenso laboratório sociológico, onde os bons, caso não se tornem oportunistas, se reafirmarão e muitos dos maus, caso não se transformem, poderão se revelar ainda piores. Sigamos com o aprendizado neste contraditório universo pandêmico. E a humanidade poderá, assim, sair da crise e do caos mais forte, após a experiência com a imprevisível tempestade. Sob a ação da provação e da purgação espera-se que os seres humanos aprendam o humanismo com seus próprios erros.

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