Artigo

Imperativo moral

Atualizada em 11/10/2022 às 12h17

A Operação Faroeste, que investiga a venda de sentenças judiciais no TJ da Bahia, revelou para o Brasil aquilo que avulta nos subterrâneos dos Pretórios: “Uma teia de relações perniciosas e nada republicanas entre setores do Judiciário e interesses privados” (editorial, Folha de S. Paulo, de 22/022021).

É preciso consignar, sem titubeio, que sempre foi assim - mas não deveria -, e que assim sempre será- o que é lamentável -, o que me leva à conclusão de que a mencionada Operação é apenas a ponta do iceberg, na medida em que o Poder Judiciário não tem nos seus quadros querubins, mas homens, mortais e pecadores, alguns dos quais com ambições materiais desmedidas.

Em vista dessa constatação, devo dizer, sem nenhuma originalidade, que nada é mais nefasto para uma sociedade civilizada, que chamou para si (contrato social) o poder/dever de solucionar os conflitos, que a incerteza de uma decisão judicial, em face da desconfiança que se deposite no agente julgador, que deveria, por um imperativo moral, estar acima de qualquer suspeita.

O julgador, mais do que qualquer outro agente público, tem que ter dignidade e ser reto; tem que ser confiável, probo e honrado, ainda que não seja perfeito, porque, afinal, a perfeição é um estágio civilizatório que nunca alcançaremos.

O jurisdicionado tem que acreditar, sim, confiar, sim, que a sua pretensão será decidida à luz dos fatos e das provas produzidas, e nunca em face desta ou daquela força exterior que possa atuar sobre o “convencimento” do julgador, transformando o processo em uma loteria ou num instrumento a serviço de quem pode mais.

O Poder Judiciário vive - e só sobreviverá, tenho certeza - da garantia que o jurisdicionado possa ter de que as decisões dos seus agentes não são suscetíveis de negociação, ainda que se tenha em conta que as decisões dos julgadores recebam uma carga, menor ou maior, de subjetividade, pois, afinal, nenhum ser humano guarda isenção absoluta. Todavia, do juiz se espera, no mínimo, que ele seja imparcial, que não se submeta, sob qualquer condição, à pressão de forças exógenas.

O juiz que trata os fatos com menoscabo, que despreza as provas produzidas, que decide à luz dos seus interesses ou a soldo de quem o financia, atua de costas para a sociedade, não só afrontando os interesses das partes litigantes, mas em detrimento, no mesmo passo, do Estado de Direito, criando uma desnecessária instabilidade, que estimula a prática da autodefesa, fora das hipóteses contempladas no ordenamento jurídico.

Segundo a Folha de S. Paulo, na mesma matéria que mencionei no preâmbulo dessas reflexões, o caso da Bahia não é isolado. Há outras apurações sobre vendas de sentenças em estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo, o que revela que algo de muito podre habita o submundo do Poder Judiciário que precisa ser revelado sem mais demora, para o bem de todos e para que não se perca a fé numa instituição indispensável à vida em sociedade.

O Poder Judiciário, por seus membros, tem que gozar, repito, da confiança dos cidadãos/jurisdicionados, sem a qual o homem comum, desesperançado, pode concluir que o mais prático mesmo é o exercício arbitrário das próprias razões, levando-nos de volta à barbárie.

É isso.

José Luiz Oliveira de Almeida

Desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão

E-mail: jose.luiz.almeida@globo.com

blog: joseluiz.almeida

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