Artigo

Abuso de autoridade

Atualizada em 11/10/2022 às 12h17

Com certa frequência, a mídia relata situações em que juízes e desembargadores se excedem no cumprimento de suas atribuições. Esquecem que fazem parte de uma classe social e cultural privilegiada e, vez por outra, cometem deslizes imperdoáveis.

Recebi por esses dias um amigo que vinha acompanhado de um prefeito, recém eleito, de uma pequena cidade da Baixada maranhense. Estava cheio de expectativas e discorria sobre suas vivências por ocasião da campanha eleitoral.

Relembrei meu tempo de deputado, quando percorria os pequenos povoados do litoral Norte do estado em busca de votos, de um fato verídico que me chamou a atenção pela sabedoria do meritíssimo em avaliar a situação e deixar a sua autoridade para exercê-la em momento mais propício.

Era setembro. Mês da regata de Oiteiro, em plena campanha eleitoral, e eu decidi marcar presença em uma festa de Reggae em Pericáua, um paradisíaco povoado no município de Cedral. Acompanhado daquele séquito de lideranças locais (afinal, político que se preza só anda em bando...), chegamos ao barracão construído para abrigar a festa. Do lado de fora, muitas barraquinhas oferecendo de um tudo: cigarro a retalho, cerveja quente, jogos de roleta, banca de jogo caipira e inúmeros tabuleiros de venda doces alumiados com lamparinas a querosene. Passamos pela bilheteria onde compramos os ingressos e nos dirigimos à entrada do barracão, onde rolavam as “pedras de responsa” mais altas que alguém possa imaginar. No entanto, uma enorme aglomeração se formava em torno da porta. Por curiosidade, fui abrindo espaço para entender o porquê daquele congestionamento e, quando consegui me desvencilhar daquela imensidão de gente, fui surpreendido com uma carimbada na testa pelo porteiro. Era o passaporte que garantia o ingresso e saída quando assim o desejasse.

Do lado de dentro, o espaço estava apinhado de gente, pouco iluminado, quente, empoeirado e o som insuportável da Radiola, que emanava dos dois paredões de caixas, remexia as entranhas do meu abdome. Mas, o deputado precisava participar das festas populares e lá estava eu cumprindo o meu dever...

Aquele bafo morno estava insuportável e resolvemos sair um pouco para comprar uma cerveja. Estranhei quando recebi a minha garrafa e junto com ela duas balinhas de hortelã (conhecidas como bombom Pipper). O rapaz me explicou:

- Não tem gelo não, doutor! A cerveja tá quente! O senhor chupa o bombom e dá um gole que a cerveja fica geladinha!...

Já havia marcado a presença no evento e aprendido uma nova forma de gelar cerveja, quando me deparei com um juiz de direito que acabara de ser aprovado no concurso e ser designado para o Termo de Cedral. Recém chegado ao município, ele ainda não era muito conhecido.

Contou-me que também havia entrado no recinto, mas que o calor estava sufocante. E que, por prudência, não quis fazer valer ali, naquela festa, sua autoridade de magistrado. Teria abordado um regueiro nativo que rodopiava pelo salão levantando poeira no chão batido, espremendo em seus braços uma morena carnuda, carregando nas costas, escondida sob a camisa, uma enorme “peixeira”.

Ao ser ignorado por completo, fez questão de se identificar:

- Eu sou o juiz de direito e vou mandar prendê-lo. O senhor não pode dançar armado! (pelo menos com essa arma, não!) Ao que o moreno respondeu olhando-o de cima a baixo.

- Hum... Se fosse pelo menos um cabo ou um soldado!... Vá apitar jogo na praia do Oiteiro, Siô! E continuou marcando o ritmo cadenciado do Reggae.


José Jorge Leite Soares

Ex-deputado estadual, membro da Academia Pinheirense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão

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