Artigo

Digressões no Dia Mundial da Saúde Mental

Atualizada em 11/10/2022 às 12h18

O dia 10 de outubro marca o Dia Mundial da Saúde Mental, instituído desde 1992, pela Federação Mundial de Saúde Mental. Leio na mídia, “O advento do coronavírus, aumentou em 33% a quantidade de pessoas afetadas na sua sanidade mental”. Realmente, sei de pessoas amigas que contraíram Covid e, após a longa internação num isolamento desumano, da violência do vírus e da certeza de que a morte os rondava, adquiriram sequelas emocionais que não foram poucas.

Se, antes, tínhamos um bilhão de doentes mentais no mundo, número estimado pela Organização Mundial da Saúde - OMS, hoje, segundo a mesma organização, devemos ter muitos mais. Acho muito difícil contabilizar doentes mentais dentre pessoas sãs. Não é como conferir que tem vírus x ou y, algo comprovável, numericamente, em laboratório. E cito Michel Foucault: “O que é ser louco? Quem o decide? A partir de quando? Em nome de quê?”. Um parêntesis, não mais é correto usar o termo louco. Foucault usava, peço vênia para usar.

Cultivo enorme fascinação pela loucura. Há sempre um louco, sem descontar os da família, debruçado nas minhas memórias. Escreveria sobre eles um livro inteiro, tantos são e tanto me marcaram. Hoje, sabe-se quão tênue é o limiar entre a sanidade e a insanidade mental. Basta algum desequilíbrio eletrolítico, alguma infecção banal, e já o individuo começa a ver macacos entrando pela janela ou a ter acessos de fúria. Nada que alguns remédios modernos não possam curar. Penso sempre, quantos daqueles loucos que conheci, e arrastaram a vida inteira a sua loucura, não seriam curados com a simples ingestão de alguns comprimidos nos dias de hoje. Ressalvem-se os conceitos errôneos, são palavras de uma leiga que gosta de observar.

Aumentou ou diminuiu o número de doentes mentais? A depressão, doença social, grassa em todas as idades. Por outro lado, nossos doentes mentais populares, nossos loucos de estimação das nossas praças, avenidas, recebidos até em visitas às nossas casas, onde estão? Alguém com menos de cinquenta anos conhece algum tipo Rei dos Homens ou Bota-pra-Moer? Será que houve mesmo um sumiço dessas personagens? Eles continuam por aí ou nós é que não os vemos mais? Uma das consequências do nosso medo das ruas é não participar mais da vida da polis. Hoje, saímos de lugares fechados para outros lugares fechados. Moramos em lugares fechados, trabalhamos em lugares fechados, nos divertimos em lugares fechados. Quem consentiria, hoje, na entrada de um desses tipos, que não nos metiam medo, na sua própria casa? Eles também talvez vivam prisioneiros em suas casas, que as ruas são o reinado das gangues.

Eram doidos, não bobos, gostavam de perambular por lugares calmos e com bela paisagem, e assim foram sendo “empurrados” para longe pelo burburinho urbano. Lugar preferido de loucos de um passado recente, a Beira Mar dos ônibus furiosos não mais lhes permite acompanhar, de suas muralhas, pernas para o mar, vento no rosto, o movimento das ondas e marés ou a mutação das cores do poente. A concentração de loucos meditando frente ao mar é cena de repetição impossível.

Para terminar, gosto de lembrar a frase afixada no portão de um hospício. Não sei de quem é, mas nunca a esqueci: “São todos os que estão? Estão todos os que são?” É isso aí.

Ceres Costa Fernandes

Mestra em Literatura e membro da Academia Maranhense de Letras

E-mail: cerescfernandes@gmail.com

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