Reconhecimento do mundo a um patrimônio do Maranhão: o bumba meu boi
Possível indicação como bem cultural da humanidade dependerá da interpretação dos membros da Unesco/ONU, que analisará, entre 10 e 12 de dezembro, dossiê contendo a história da manifestação
Dos tempos antigos aos atuais, o boi como símbolo de adoração recebeu diversas interpretações, transformando-se numa peça que emoldurava-se no imaginário, dependendo das características da população ao qual estava atrelado. A ligação estreita entre o ser humano e o animal está presente, de acordo com pesquisadores, na mitologia de vários povos. Pesquisadores apontam que sua ligação com ritos religiosos (em especial, como peça de sacrifício) dão-lhe um caráter sacro.
Este peso dado ao boi é uma das razões para a criação de uma das manifestações mais tradicionais e populares do estado do Maranhão. O bumba boi com seus sotaques e diversos ritmos aproxima-se, como manifestação, de um período possivelmente histórico. A tradição está prestes a ser consagrada, neste mês de dezembro, como Patrimônio Cultural da Humanidade.
O título dependerá da interpretação dos membros da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e Cultura (Unesco/ONU) que analisará, de 10 a 12 de dezembro deste ano, durante a 14ª reunião do Comitê Intergovernamental para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial em Bogotá (COL), a candidatura do bumba meu boi como peça cultural e comum de todas as populações.
Para analisar esta performance social que, em várias ocasiões, une o simples ao luxuoso, é preciso se debruçar pelas diferentes citações e representações da brincadeira nas mais diferentes populações. De acordo com o pesquisador Raimundo Nonato Assunção, autor de “O bumba meu boi como fenômeno estético”, a ligação do boi com ritos religiosos é perceptível, por exemplo, no Egito. Além dos egípcios, os fenícios, caldeus e cartaginenses também consideravam o boi ligado a símbolos sobrenaturais.
Ainda de acordo com o pesquisador, os babilônios escolheram-no para “representar um dos dez signos do zodíaco”. Segundo a sua tese, na China antiga, “um boi de barro” era condicionado à sensação do frio. Outros pesquisadores constataram a imagem do boi em rituais cristãos, como o “boi de São Marcos” - levado a tempos e assistindo a missas perto do chamado altar-mor, onde há a centralização das celebrações.
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O uso do boi como item de culto cristão era considerado uma espécie de estratégia para atrair a população considerada laica. Era a Igreja Católica, em especial, usando o animal para desempenhar, no imaginário popular, formas ritualísticas mais próximas das camadas mais simples.
O boi inserido na tradição popular: o bumba-boi
De acordo com o dossiê do registro “Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão”, produzido pelo Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no estado, sob a coordenação de Izaurina Maria de Azevedo Nunes, do século XIX datam os primeiros registros sobre o folguedo (ou festa popular) no Brasil.
O exemplar divide as aparições em quatro fases: o tempo dos conflitos (1900 a 1950); a valorização do bumba meu boi (1950 a 1970); a institucionalização dos bumbas (1970 a 1990); e a inserção do bumba no mercado de bens culturais, de 1990 a 2010.
Início do século XX: a restrição aos bois
Ainda segundo o dossiê “Complexo Cultural do Bumba-meu-boi do Maranhão”, produzido pelo Iphan, os primeiros anos do século XX, com a consolidação do bumba boi como brincadeira e manifestação popular, foram de repressão e controle do poder público. De acordo com o documento, com a proibição – a partir de 1918 – de grupos do gênero de dançarem no Centro, foi determinada pelo poder público uma espécie de “fronteira” até onde os grupos poderiam ir. E o limite foi o tradicional bairro do Apeadouro que, até meados das décadas de 1970 e 1980, ainda recebiam brincadeiras de bumba-boi em suas antigas ruas.
Na década de 1930, vários dos grupos se apresentavam na Avenida Getúlio Vargas (nas cercanias do atual bairro Monte Castelo). Anos antes, os jornais noticiavam as limitações ao bumba-boi. A edição de “O Jornal”, de 7 de junho de 1916 (uma quinta-feira) trazia a nota intitulada “O Bumba”. Nela, o periódico apontava que no dia 23 do mesmo mês, véspera de São João, às 10h, os “donos de bois” deveriam se apresentar ao delegado-geral da época, no posto correcional, com o objetivo de “receberem instruções sobre esse divertimento”.
Era a tentativa da polícia de limitar a atuação dos grupos. Muitos deles apresentavam rivalidades histórias e, em pontos da cidade, brigas foram registradas. A polícia, em geral, desejava evitar estas e outras ocorrências de violência. Ainda assim, apresentações isoladas eram permitidas. Conforme cita a edição de “O Combate”, de 2 de julho de 1935 (terça-feira), às 19h daquele dia, grupos de “tambor de crioula e bumba-boi” se exibiriam na Praça João Lisboa, no Centro.
Já nos anos 1940, o bumba-boi ainda era visto “sob desconfiança”, porém, em pontos da capital maranhense, ora era permitida a dança e apresentações, ora o bumba boi era restrita às regiões periféricas da cidade, mantendo-se praticamente de “forma clandestina”.
A consolidação do bumba-boi
De acordo com o Iphan, o período entre as décadas de 1950 e 1970 revela um intervalo histórico em que o bumba-boi ganha projeção no “meio sociocultural” maranhense. Mesmo com o reconhecimento, forças policiais ainda tentavam controlar a atuação das organizações do gênero, como demonstra a publicação de “O Combate”, de 22 de maio de 1957.
Na edição, foi divulgada uma Portaria da Polícia Civil em que, em seu item III, era “proibido o bumba boi” percorrendo as ruas da cidade em demonstrações de suas danças características a partir da esquina da Avenida Getúlio Vargas (cujo acesso havia sido liberado para estas brincadeiras anos antes) até a Rua Senador João Pedro. Era uma tendência das tropas para restringir, ainda, a venda e a soltura de balões, no período junino e a comercialização das chamadas “bombinhas”.
As medidas se davam, principalmente, pelas ocorrências relatadas de “confusões” envolvendo grupos de bumba boi considerados “rivais”. Uma destas situações é citada por pesquisadores e teria sido registrada no atual bairro do Monte Castelo (antigo Areal). Em especial, dirigentes dos Bois de Lauro e Misico, além de integrantes do Boi de Leonardo, iam “para as vias de fato”, ou enfrentamento físico, quando se encontravam em espaços de aglomeração popular durante programações.
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Mesmo com as tentativas das forças policiais, estes anos foram marcados ainda pela promoção de concursos, uma das marcas do período. Foram realizados eventos do gênero nos bairros do João Paulo, Lira e Centro. O município de Cururupu também registrou concursos.
A partir dos anos 1970 e 1980, o bumba boi é inserido como peça fundamental de atratividade de visitantes para a capital maranhense. A medida era o último impulso que faltava para a representação se tornar integralmente um elemento da cultura popular maranhense. Mesmo antes deste processo, personagens até então anônimos foram fundamentais para a fomentação da prática do bumba-boi. E conhecê-los é quase uma obrigação para os amantes da cultura.
SAIBA MAIS
Curiosidade sobre bumba meu boi
Usualmente, costumam-se dividir os grupos de bumba meu boi em cinco estilos, conhecidos como sotaques: da Ilha ou de matraca, de Guimarães ou de zabumba, de Cururupu ou de costa de mão, da Baixada e de orquestra.
Fonte: Iphan
Patrimônio
Manifestações já incluídas na Lista Representativa do Patrimônio da Humanidade da Unesco
- Arte Kusiwa - (sistema de representação gráfica própria dos povos indígenas Wajãpi, do Amapá)
- Samba de roda no Recôncavo Baiano (2005)
- Frevo: expressão artística do Carnaval de Recife (2012)
- Círio: Nossa Senhora de Nazaré (2013)
- Roda de Capoeira (2014)
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