Artigo

Aconteceu no Maranhão

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22

Esta foi do tempo em que alguém do povo podia enganar os poderosos, ao contrário de hoje, quando estes não permitem ao popular a menor chance.

Nossa história começou em 1792 quando Nicolau, preto e escravo do tenente-coronel João Paulo Carneiro, fugiu para o mato de onde retornou trazendo uma ideia. (Dizia Pablo Neruda que para escrever um romance bastava por na frente uma letra maiúscula e termina-la com um ponto final… desde que no meio se colocasse uma ideia). Nicolau, que não sabia escrever nem ler e, tampouco, romancear, sabia, no entanto, colocar uma ideia no meio para sobreviver. Com seu talento resolveu levar sua ideia em forma de romance (ou mentira, tanto faz) para o os ouvidos do governador da província, Fernando de Noronha. Se o governador achou sua narrativa parecida com a de um romance, não se sabe, o certo é que aceitou que era pura realidade.

Corria por esses tempos a notícia de que pros lados da Lagarteira havia um quilombo, que já formaria uma cidade denominada Axuí. Pois Nicolau disse ao governador que, em suas andanças pelos matos, a descobrira, e que esta era habitada por negros tão ricos que tinham uma grande imagem de ouro de Nossa Senhora da Conceição; e que bebiam em cuias também de ouro. Apesar da fama de embusteiro, de Nicolau, sua história mirabolante alimentou os sonhos de cobiça do governador que, nesse mesmo dia, dia fez questão de rezar para Nossa Senhora da Conceição para que ela permitisse a Nicolau trazer-lhe a sua Nossa Senhora da Conceição particular. De ouro, claro.

Deu a Nicolau a patente de capitão de milícias e carta branca para agir como fosse preciso. Empoderado até a alma Nicolau se soltou, dando asas, agora, não somente à imaginação. Passou a frequentar banquetes e a comer do bom e do melhor. Quando alguém duvidava de sua prosopopeia Nicolau arranjava, ‘na marra’, falsos testemunhos. Foi o que aconteceu com Antonio Tatu. Tendo este lhe desmentido Nicolau mandou prendê-lo, descobrindo logo o que era preciso fazer para um tatu andar depressa. Faltava agora somente arregimentar equipamentos, material bélico e batalhões de desvairados de toda ordem.

Aprontou-se então um ‘exército de Brancaleone’ versão maranhense com 2.000 pessoas, tendo Nicolau como guia e mais soldados de linha, índios, e simplesmente pedestres, dispostos em hierarquia de comando de guerra.

Em 3 de agosto de 1794, saiu a tropa por mar dividida em dois grupos, o principal rumo ao Munim, desembarcando em Santa Helena, sob a guia de Nicolau, o outro sob a guia de Tatu, desembarcando em Alegre e marchando para Lençóis Grandes e daí para o mato. Depois de muita fome e sacrifício, gatinhando morros e atravessando riachos e muritizais, depois de 18 dias chegaram ao ‘Eldorado’ anunciado. Só que agora faltava o ouro, a prata, e, evidentemente, Nicolau, que havia sumido.

Resumo da missa. Tiveram de retornar na calada de noite a São Luís, ocultos para não passarem vergonha. Nicolau foi preso e, sem ter a recorrer (jamais houve ou haverá STF para pobre neste país), foi condenado à prisão perpétua.

Enquanto isso o governador não foi sequer admoestado. Tampouco havia Ministério Público essa época, para dar a Nicolau, pelo menos, um prêmio de consolação pela sua rica imaginação que, até hoje, nos faz sorrir.

José Ewerton Neto

Autor de O ABC bem humorado de São Luís

E-mail: ewerton.neto@hotmail.com


Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.