Carnaval

Carnavais da Deodoro, consolidação dos desfiles e migração ao Anel Viário

Apresentações inesquecíveis e históricas, presenciadas na Praça Deodoro e outros pontos da região, até a chegada do espaço atual, no Anel Viário, estão até hoje no imaginário de quem gosta da festa momesca

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

[e-s001]Do começo do Carnaval de rua ludovicense à consolidação das apresentações da festa na passarela há um hiato considerável, em que o folião precisou se acostumar com a incorporação de elementos, como carros alegóricos, por exemplo. Apesar de ter uma leve inspiração em elementos da nossa cultura (corso e casinha da roça), não eram de sua familiaridade. Atualmente, o Carnaval de passarela é considerado por muitos como um dos pontos áureos da festa e, até chegar aqui, vários cidadãos foram responsáveis pela construção e consolidação de uma festa que é esperada por muita gente.

De 1974 a 1988, período dos desfiles no Centro e em palcos alternativos (Camboa e João Lisboa), o Carnaval de passarela era dominado pela rivalidade entre Desterro (Flor do Samba) e Madre Deus (Turma do Quinto). Enquanto a Flor, no período, conquistou seis carnavais, a Turma do Quinto arrebatou oito campeonatos. Neste período, a Favela foi intrusa no palco mais alto da disputa, apenas uma vez, em 1977, com um desfile que falou dos orixás.

Tanto a Flor quanto a Turma do Quinto representavam a força dos poderes dominantes da época. Eram as agremiações, inclusive, de maior poder aquisitivo e com comunidades fortes e que persistem até os dias atuais. Em 1979, com o enredo “Maranhão, Festas, Lendas e Mistérios”, conhecido popularmente pela estrofe famosa de “Haja Deus”, a Flor do Samba marcou época e trouxe para a passarela um desfile até hoje lembrado. “Era criança e me lembro deste desfile até hoje”, disse Joel Jacinto, pesquisador.

Vários desfiles na Deodoro aconteceram à noite e debaixo de forte chuva, pela época do ano. O Estado, à época, acompanhou diversas apresentações. “Chamavam a atenção a alegria dos foliões, mesmo na chuva, e a liberdade das mulheres em se apresentar sem roupa. Se isso acontecesse hoje, seria um choque”, disse o repórter fotográfico José de Jesus Penha, que participou de várias coberturas históricas na Deodoro.
Para as apresentações, eram montadas estruturas de arquibancadas e camarotes. “Esta estrutura ficava na mesma direção da atual Biblioteca Pública Benedito Leite”, frisou Joel Jacinto.

Com o tempo, de acordo com o também investigador do tema, Euclides Moreira Neto, autor de “Quando a Púrpura não Reluz” (obra que retrata a época moderna do Carnaval de passarela), as alas e, principalmente, as alegorias, ganham pompa. Por questões físicas, os desfiles no Centro se tornaram inviáveis. “Como as apresentações ganharam importância, o Carnaval nesta parte da cidade se tornou impraticável. Eram carros enormes e o poder público pensou em outro local para os desfiles”, apontou o investigador.

Por determinação do então prefeito de São Luís, Jackson Lago, os desfiles passaram a acontecer, a partir de 1989, no Anel Viário. Com estrutura móvel e bancada pelo poder público, as apresentações puderam, em uma área maior, demonstrar novo engrandecimento. “Os investimentos nas agremiações aumentaram e passou-se a ver de verdade o quanto o Carnaval de passarela era importante para a cultura da cidade”, disse Euclides.

Um Carnaval que não venceu: sobre Maria Aragão!
Com o enredo “A Peleja contra os Dragões da Maldade - O Sonho de Maria”, em 1989, a Favela do Sam­ba passou a ser vista como uma das principais agremiações da cidade. A mudança de palco para o Anel Viário representou uma guinada na escola, que homenageou Maria Aragão, uma das personagens mais emblemáticas de todos os tempos do cotidiano maranhense. Euclides Moreira Neto participou do desfile. “Foi algo emocionante. Eu me lembro até hoje”, disse.

Maria Aragão, conforme relatado por Euclides Moreira Neto em “Maria por Maria ou A Saga da Besta-Fera nos Porões do Cárcere e da Ditadura”, desfilou em cima de um carro que lembrava uma margarida, na cor vermelha, “com detalhes em prata e vários símbolos comunistas”. O fato histórico também foi registrado pelas lentes de O Estado à época. “Fui eu quem a pegou e colocou em cima do carro, cuja base era relativamente baixa. A passagem de Maria [Aragão] na avenida foi contagiante e monumental, com a plateia aplaudindo carinhosamente e ela agradecendo e gesticulando com a mão em sinal de respeito ao apoio que estava recebendo”, lembrou Euclides Moreira.

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O desfile não venceu o Carnaval, pois perdeu um ponto no quesito comissão de frente. “E foi merecido”, citou Euclides Moreira. O Carnaval de passarela daquele ano foi vencido pela tradicional Flor do Samba.

A queda do domínio Turma/Flor
Ao contrário do que ocorria na Praça Deodoro até 1988, assim que passa para o Anel Viário começam a surgir outras agremiações com condições de vencer. A Unidos de Fátima, do tradicional Bairro de Fátima, em São Luís, vence dois carnavais, sendo um em 1991, com o enredo que valorizava as belezas do continente americano (“Soy Louco por Ti América”). O outro Carnaval arrebatado pela escola foi em 1994, com o enredo “Tropas, Tropeços do País Tropical, Tudo acaba em Carnaval”.

Nesse período, o poder público contribuía com a preparação dos desfiles. Em 1994, aliás, o poder público rompe com o patrocínio, e as escolas buscam apoio na iniciativa privada. “Foi uma divergência entre a gestão municipal da época e as agremiações. Por isso e por esse rompimento, as escolas decidiram desfilar com o apoio de uma empresa”, revelou Joel Jacinto.

Logo, a ruptura foi cancelada, e as escolas novamente passaram a organizar os desfiles deste período em diante com a parceria municipal. “Quase sempre o poder público teve participação nas apresentações”, frisou Euclides Moreira.
As mudanças ao longo dos anos Além da suntuosidade, o Carnaval do Anel Viário também possibilitou a entrega de prêmios que propiciaram a valorização dos desfiles no ano seguinte. A cada ano, a estrutura de passarela ganhou novos elementos, viabilizando mais conforto para o espectador. Somada às escolas, os blocos tradicionais e alternativos também passaram a se apresentar no local.

O Carnaval que não aconteceu: 2013!
Por divergência entre as agremiações e o poder público, que, na ocasião, alegou falta de recursos, o Carnaval de passarela em 2013 foi cancelado. “Foi um momento triste da história desta tradição do nosso Carnaval”, opinou Joel Jacinto. À época, o Município alegou que não poderia realocar recursos da saúde para a cultura. No ano seguinte, com novo acordo, os desfiles voltaram a acontecer no Anel Viário.

[e-s001]Carnaval atual
Este ano, de acordo com a Prefeitura de São Luís, o Carnaval de passarela terá estrutura ampliada. Segundo informações repassadas a O Estado pelo Município, a estrutura da passarela contará com uma extensão de 200 metros de pista e seis arquibancadas montadas, com capacidade para receber até 10 mil pessoas.

Ainda de acordo com informações da Prefeitura, o número de camarotes será o mesmo do ano passado: 26 (cada um com capacidade para receber até 20 pessoas). A abertura oficial do espaço acontece na sexta (1º de março), e a programação se estende até a Quarta-Feira de Cinzas (6 de março).

No domingo (3), desfilarão as escolas de samba Terrestre do Samba, Mocidade Independente da Ilha, Império Serrano, Turma de Mangueira e Flor do Samba. Na segunda-feira (4), será a vez de Unidos de Fátima, Túnel do Sacavém, Turma do Quin­to, Favela do Samba e Marambaia.

Opinião

Pergunta: O que representa o Carnaval de passarela para a nossa cultura?

[e-s001]“Sem dúvida é uma das principais manifestações da nossa gente. Não sou adepto da ideia de que o carnaval de passarela é uma cópia do Rio de Janeiro. Apesar do ingresso de vários elementos, há muito dos nossos elementos e musicalidade nos desfiles das agremiações”,

Joel Jacinto, pesquisador cultural

[e-s001]“O Carnaval de passarela remete às tradições da festa. Desde os cordões, até a influência dos blues até a migração da folia para os clubes e inserção dos desfiles. É, sem dúvida, uma programação que deve ser valorizada”

Euclides Moreira Neto, investigador cultural

[e-s001]“É tudo, sem dúvida, uma parte importante. Basta observar que a pegada dos ritmos das escolas daqui não tinha relação no começo com o que se via no Rio e em São Paulo. Com o tempo, essa distância foi diminuindo”,

Oberdan Oliveira, músico

RESULTADO DO CARNAVAL DE ESCOLAS DE SAMBA

DESFILE NA DEODORO, JOÃO LISBOA E CAMBOA

Escolas de Samba campeãs

1974 - Flor do Samba
Enredo: “Primaveras”

1975 - Turma do Quinto
Enredo: “Obrigado Salgueiro”

1976- Flor do Samba
Enredo: “Aquarela do Brasil”

1977 - Favela do Samba
Enredo: “No Reino dos Orixás”

1978 - Turma do Quinto
Enredo: “Juca Pirama”

1979 - Flor do Samba
Enredo: “Maranhão, Festas, Lendas e Mistérios” (Haja Deus)
(O desfile aconteceu fora da Deodoro, no Anel Viário, próximo ao Monte Castelo)

1980 - Flor do Samba
Enredo: “De Daomé à Casa das Minas a Origem de um Povo”
(O desfile aconteceu na Praça João Lisboa)

1981- Tuma do Quinto
Enredo: “Praia Grande”

1982 - Turma do Quinto
Enredo: “Upaon-Açu Ilha dos Mistérios”

1983 - Turma do Quinto
Enredo: “Tanto Queima como Atrasa” (tributo a João do Vale)

1984 - Flor do Samba
Enredo: “A Arte que vem do Povo”

1985 Flor do Samba
Enredo: “O Domingo é Nosso” (tributo ao falecido radialista Lima Júnior)

1986 Turma do Quinto
Enredo: “Ali Babão e o Sete Ladrão”

Obs.: A Flor do Samba não desfilou

1987- Turma do Quinto
Enredo: “Alcantaratlântida”

1988 Turma do Quinto
Enredo: “Máscaras da Quinto Instituinte”

PASSARELA DO SAMBA NO ANEL VIÁRIO

1989 - Flor do Samba
Enredo: “Nem Tudo que Reluz é Ouro” (50 anos da Flor)

1990 - Flor do Samba
Enredo: “O Arquiteto da Ilusão Joãosinho Trinta”

1991 - Unidos de Fátima
Enredo: “Soy Louco Por Ti América”

1992 - Favela do Samba
Enredo: “Me Engana que eu Gosto”

1993 - Favela do Samba
Enredo: “De Ourique á Praça Deodoro que é do Povo”

1994- Unidos de Fátima
Enredo: “Tropa, Tropeços do País Tropical, Tudo Acaba em carnaval”

1995 - Flor do Samba
Enredo: “A Divina Dama Apolônia Pinto”

1996 - não houve concurso

1997 - Favela e Flor do Samba

Flor do Samba
Enredo: “No Rabo de uma Estrela”

Favela do Samba
Enredo: “Cores e Sons, Deste Mundo Tropical”

1998 - Favela do Samba
Enredo: “A Esperança que Balança, mas não cai”

1999 - Favela do Samba
Enredo: “Carnaval de A Z” (tributo ao radialista José Raimundo Rodrigues)

Obs.: A Flor do Samba não desfilou

2000 - Turma do Quinto e Favela
Turma do Quinto
Enredo: “O Quinto Centenário São Outros Quinhentos”

Favela do Samba
Enredo: “Do Guajá a Internet: Uma Odisséia na Passarela”

2001 - Turma do Quinto
Enredo: “Maranhão: Caixinha de Segredos”

2002 - Turma do Quinto
Enredo: “Nauritânea A Poesia de Barbas Brancas (Nauro Machado)”

2003 - Favela do Samba
Enredo: “Sousândrade Guesa Errante”

2004 - Turma do Quinto
Enredo: “Quinto é Minha Lei Meu Nome é José Sarney”

2005 - Turma do Quinto
Enredo: “O Quinto Opina, e a Difusora está no Ar”

2006- Favela do Samba
Enredo: “Axé da Favela no Reino de Mãe África”

2007 - Favela do Samba
Enredo: “Baladas de Alegria nas Imboladas de Zeca Baleiro”

2008 - Favela do Samba
Enredo: “O Homem e o Mar.. Navegar é Preciso”

2009 - Favela do Samba
Enredo: “Sob o efeito da Lua”

2010 - Favela do Samba
Enredo: “A favela se fez bandeira no planeta de César Teixeira”

2011 – Favela do Samba
Enredo: “O Boi é Festa”

2012 – Favela do Samba
Enredo: “São Luís – menina dos olhos do mundo”

2013 – Não teve Carnaval de Passarela

2014 – Turma do Quinto – “No terreiro do Maranhão o mestre é Bita do Barão”.

2015 – Favela do Samba
Enredo: “Os quatro elementos formadores do Universo: Terra, Água, Fogo e Ar – Favela é pura energia”

2016 – Favela e Turma do Quinto
Enredo Favela: “Se não Chover?... Se a fonte do rio não Brotar? ... E se o mar secar?... O que de nós Será?”
Enredo Quinto: “O Anjo Gabriel”

2017 – Favela do Samba
Enredo: “União... São Luís... Artur Azevedo... um templo do povo... O templo do carnaval”.


2018 – Marambaia
Enredo: “Nordeste Brasileiro”

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