Carnaval

Dos cordões e batucadas aos desfiles: a cultura das escolas de samba

Popularização de ato até então enraizado nos costumes cariocas é trazido para São Luís na segunda metade do século XX e vira tradição na festa

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h26

[e-s001]O século XIX é marcado, em São Luís, conforme explicitam Ananias Mar­tins em “Carnavais de São Luís” e outros pesquisadores do tema, pela formação e consolidação do chamado “Carnaval dos cordões”. Com o passar dos anos, em especial após a segunda metade do mesmo século, essa característica da festa perdeu espaço para uma espécie de padronização de costumes e por uma abertura, uma necessidade de “espetacularização” da folia. É nesse momento que surgem as chamadas turmas de samba, que, anos mais tarde, passam a ser conhecidas como “escolas de sam­ba”. A inspiração dos costumes cariocas, criticada por tradicionais foliões à época, ganhou corpo e, nos tempos atuais, é elemento fundamental para o Carnaval ludovicense.

Para entender o começo da tradição dos desfiles na capital maranhense, é preciso antes compreender o surgimento e a decadência dos cordões. Pesquisadores em geral entendem que, do início do século XIX até meados da década de 1970, São Luís viveu a época mais áurea de sua história. Para Ananias Martins, a cidade registrava o terceiro “melhor Carnaval” do país.

O apogeu dessa festa gloriosa era representada pelos cordões - caracterizados pela união de foliões de toda a parte do território (assim descritos por Carlos de Lima em sua obra intitulada “Antigos Carnavais”). De acordo com Lima, os cordões vinham “pela Vila Passos, do Canto da Fabril, do Alto da Carneira e da Madre Deus”.

Além dos cordões, uma das figuras mais conhecidas do período era o chamado “urso”. Era simplesmente um brincante, descrito em “Carnavais de São Luís” semelhante a uma pessoa vestida de roupa de estopa, para lembrar o pelo do animal. De acordo com relatos de jornais, o “urso fazia danças na porta das residências” enquanto um companheiro do tal urso fazia as vezes de recolhedor das moedas que eram ofertadas aos brincantes.

Sem “samba” até a década de 1920
Até o início da década de 1920, o auge dos cordões contrastava com a nulidade do samba. Até então, somente se falava em batucada, entendida como um “outro estilo”. Em 1929, já no fim desse período, é fundada a primeira escola (ou turma, como era conhecida) de samba de São Luís. Debaixo de uma planta fixada na praça em frente à atual sede do 24º Batalhão de Infantaria Selva (BIS), foi fundada a primeira turma de samba da cidade: a Turma de Mangueira. Surgiram outras, como a

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Turma do Quinto.
Novas turmas, geralmente constituídas por um grupo de amigos ou conhecidos, nasceram com o passar dos anos e, a partir desta iniciativa, surgiu a chamada “escola de samba”, que, no come­ço, não apresentava distinção com blocos carnavalescos, característicos do período e ainda visíveis na constituição atual da festa.

Alguns blocos que surgiram à época foram denominados mais tarde de “turmas de samba”, como Vira-Lata, Cadete de Lua e, principalmente, a Flor do Samba, que, posteriormente, virou agremiação das mais tradicionais da cidade. De acordo com Ananias Martins, especialista no assunto, “São Luís havia até este período” (ou seja, até a primeira metade do século XX), “demonstrado um Carnaval que em tudo possibilitava o surgimento de escolas de samba”.

A passagem do período de transição entre as “batucadas” e o Carnaval mais autônomo, pautado pelas agremiações, se dá a partir de 1970. Neste período, a capital maranhense incorpora a sua festa “até então novidades" vistas somente na exuberância do Carnaval carioca”, que, no referido ano, já era um dos principais do país.

Os elementos visuais, como carros alegóricos, por exemplo, foram incorporados pelas agremiações maranhenses. Em contrapartida, a “cadência mais lenta” da batucada das escolas locais, em comparação ao ritmo forte dos tocadores dos instrumentos de percussão do Rio de Janeiro, criam uma diferença entre as partes.

A constituição dos desfiles de escolas
De acordo com pesquisadores sobre o tema, a constituição de um grupo de trabalho para integrar a equipe de organização do Carnaval se dá em meados da década de 1950. Exemplares do antigo “Diário de São Luiz”, um dos principais jornais da época, destacaram o fato. Segundo o exemplar, antes do mês de fevereiro (quando tradicionalmente ocorre a festa), a gestão pública iniciou o trabalho de decoração das praças Deodoro e João Lisboa.

Além de disponibilizar a estrutura (arquibancadas, estruturas de palco e outras), a administração municipal determinou a “confecção de cartazes” para a decora­ção dos logradouros. Para via­bilizar a festa, também foi criada uma espécie de “comissão de Carnaval”, responsável pela organização da folia (não somente pelos desfiles das agremiações no Centro, como pela distribuição de blocos em ruas e avenidas da referida região central). Da missão mais macro, com o passar dos anos, a tal “comissão” passou a ser responsável única e exclusivamen­te pela estruturação das escolas de samba.

Com a passagem do Carnaval de cordões para o de blocos e, principalmente, para o das escolas de samba, houve quem falasse em “decadência” da festa no período. Jornais defendiam a tese "com unhas e dentes". Em reportagem de 1975, O Estado trouxe texto opinativo e crítico a essa transformação. Em um dos trechos, o parecer apontava que "es­se negócio de escola de samba definitivamente não fazia parte de nosso gênero".

Ainda de acordo com o texto, “o Carnaval maranhense tentava, em vão, incorporar as escolas de samba dos morros cariocas, sem nenhuma ligação” com as turmas daqui. O fato causou o que autores chamaram de “perda da espontaneidade” do Carnaval. Um dos acontecimentos que demons­tra a tese, data de 1976, quando departamentos de cultura incentivavam as pessoas “a se vestir de fofões e dominós no Carnaval”. Quem obedecesse ao pedido estaria sujeito a incentivos financeiros pelo poder público.

[e-s001]A guinada! Os 40 anos do primeiro LP de sambas-enredo das escolas de samba
A partir da década de 1970, os desfiles de escolas de samba literalmente ganham corpo e passam a constituir agenda oficial do período carnavalesco da cidade. Os desfiles começavam na Rua do Passeio e, a partir de determinado trecho, a apresentação começava a ser criteriosamente analisada pelos jurados. Foi neste período que as agremiações incluíram itens como comissão de frente, carro abre-alas, entre outros.

Foi a partir também deste período e com a consolidação de diversas escolas que surgiu a ideia de se produzir um LP com os sambas-enredo. A primeira iniciativa do gênero começou a ser planejada em 1978, patrocinada pela tradicional família Bacelar. À épo­ca, o nome do grupo estava relacionado à TV Difusora, afiliada na ocasião à TV Globo.

Sem estúdios de produção de áu­dio na cidade, coube ao maestro Nonato, do inesquecível grupo Nonato e Seu Conjunto, e a Oberdan Oliveira (que fazia parte do grupo e auxiliado por ícones da comunicação local, como Fernan­do Souza) fazer a seleção dos sambas e a produção. “Nós tivemos que ir para a cidade de São Paulo fazer a gravação. Consegui fitas cassete com as agremiações, que gravaram seus sambas, que, em seguida, foram produzidos e viraram LP a partir da nossa intervenção e acompanhamento”, dis­se Oberdan.

Na primeira produção, lançada em 1979 (há 40 anos), 12 escolas de samba foram contempladas (Duque do Samba, Favela do Sam­ba, Unidos da Camboa, Turma do Quinto, Turma da Mangueira, Baralho do Samba, Marambaia, Unidos de Fátima, Moçada do Samba, Império Serrano, Ideal do Samba e Flor do Samba). A venda dos produtos não atendeu às expectativas dos financiadores. “Não foi pra vender, na verdade. Apenas serviu para registrar este importante momento da história do Carnaval de passarela”, disse.

Cada escola de samba recebeu sua cota de LPs com festa. De acordo com o jornalista José Ribamar Gomes, o Gojoba, “a seleção dos sambas foi feita com a participação do maestro Nonato Silva (de Nonato e Seu Conjunto), de Giovane (cantor de muito sucesso à época e que produzia shows em São Luís) e outros”.

Segundo Oberdan Oliveira, na primeira produção, representantes da tradicional escola de samba Camisa Verde e Branco, de São Paulo, auxiliaram nos trabalhos. Ainda de acordo com ele, nos anos seguintes, outros discos foram gravados. “Manteve-se a tradição de ouvir os sambas-enredo antes dos desfiles. Assim, os foliões iam para as apresentações cientes das letras e melodias”, disse Oberdan.

O Carnaval “debaixo do viaduto do Monte Castelo”
Ao lançar o LP com os principais sambas-enredo das agremiações ludovicenses, houve a ideia da organização do Carnaval de passarela de levar, por um ano, a estrutura para outro local. E o escolhido, em 1979, foi a Avenida Senador Vitorino Freire, abaixo do viaduto do Monte Castelo, existente até hoje. “Foi uma única tentativa que não deu certo, pois as pessoas já estavam acostumadas com os desfiles no Centro”, disse Joel Jacinto, jornalista, radialista e pesquisador do Carnaval antigo do Maranhão.

Não há registros fotográficos do período. Foi nesse ano que desfilou na passarela “da Camboa” um dos sambas mais lembrados de todos os tempos. Composto por Chico da Ladeira e Augusto Tampinha, o samba-enredo conhecido popularmente por “Haja Deus”, do início lembrado pelos foliões antigos: “Haja Deus quanta beleza, a Flor do Samba vem mostrar...”).

Apesar da quase ausência de arquivos do período, não há um fã da Flor ou mesmo de outras agremiações que não se recordem do samba. “Foi um Carnaval que marcou época, não somente pela singularidade do lugar, como ain­da por este samba, que se tornou um ícone”, disse Joel Jacinto, que era criança e morava próximo, no Retiro Natal.

Até a João Lisboa teve desfile de escola
Um ano após a tentativa de se fazer o Carnaval de passarela na capital maranhense na Camboa, a festa migrou para a Praça João Lisboa, retornando para o seu reduto, ou seja, o Centro. Devido à suntuosidade de algumas alegorias e adereços de escolas, os desfiles no lo­cal foram considerados inviáveis. Ou seja, o Carnaval de 1980 na histórica praça não passou de uma cena única no capítulo da cidade.

Escolas campeãs do Carnaval de SL nos anos de 1979 e 1980

1979 – Campeã: Flor do Samba
Enredo: Maranhão, Festas, Lendas e Mistérios (Haja Deus)
(O desfile aconteceu fora da Deodoro, no Anel Viário, próximo ao Monte Castelo)

1980 – Campeã: Flor do Samba
Enredo: De Daomé à Casa das Minas: A Origem de um Povo
(O desfile aconteceu na Praça João Lisboa)

Fonte: Pesquisa Joel Jacinto

Escolas contempladas com o primeiro LP de sambas-enredo
Duque do Samba
Favela do Samba
Unidos da Camboa
Turma do Quinto
Turma da Mangueira
Baralho do Samba
Marambaia
Unidos de Fátima
Moçada do Samba
Império Serrano
Ideal do Samba
Flor do Samba

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