Conflito

EUA planejam retirar metade das suas tropas do Afeganistão

Fontes do Pentágono dizem que redução de força militar e renúncia de Jim Mattis, que discorda de Trump sobre a política militar para o Oriente Médio, pintam quadro sombrio para sequência da guerra americana mais longa, em meio à ressurgência do Talibã

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27
Soldados americanos supervisionam treinamento na província de Helmand, no Afeganistão
Soldados americanos supervisionam treinamento na província de Helmand, no Afeganistão (Reuters)

WASHINGTON — O governo de Donald Trump ordenou que as Forças Armadas começassem a retirar cerca de sete mil soldados do Afeganistão nos próximos meses, informaram dois funcionários da Defesa. A decisão marca uma mudança brusca na guerra de 17 anos no país e surpreende funcionários do governo afegão, que dizem não ter sido informados sobre os novos planos americanos.

Trump tomou a decisão de repatriar as tropas cerca de metade do número de soldados americanos hoje em território afegão — ao mesmo tempo em que decidiu retirar militares da Síria, relatou um dos funcionários. No momento, os EUA têm no país cerca 14 mil militares, que se somam a oito mil soldados de diversos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e outros aliados. Eles se dedicam sobretudo a treinar as forças afegãs, assegurar o controle territorial e promover ataques aéreos contra grupos insurgentes, como o Talibã.

A informação sobre a retirada do Afeganistão chegou horas depois de Jim Mattis, secretário de Defesa, anunciar que deixará o cargo no fim de fevereiro por discordar do presidente sobre a política militar para o Oriente Médio. O Wall Street Journal foi o primeiro a reportar a decisão de saída do solo afegão.

O turbilhão de retiradas de tropas e a renúncia de Mattis pintam um quadro sombrio para a sequência da guerra mais longa dos Estados Unidos. O Afeganistão tem sido alvo de espasmos de violência, que afligem a capital, Cabul, e outras áreas importantes do país. Os EUA têm conduzido conversas com representantes do Talibã, no que os funcionários descreveram como discussões com potencial para levar a negociações formais do fim da guerra de quase duas décadas.

Funcionários sêniores do Afeganistão e diplomatas do Ocidente em Cabul ficaram em choque com as notícias da manhã de sexta-feira (21). Muitos deles se preparam para um caos mais adiante. Vários funcionários afegãos ligados ao planejamento de segurança e à tomada de decisões no tema disseram não ter sido informados sobre o corte nas tropas americanas. O medo de que Trump tome medidas impulsivas, no entanto, surgia com frequência no fundo das discussões de Cabul e Washington. Para eles, a renúncia de Mattis significa a perda de uma das últimas vozes influentes que ponderavam a realidade do conflito no país para as deliberações da Casa Branca.

Alarme entre aliados

A decisão de Trump para a Síria e para o Afeganistão também aumentou o temor na região da Ásia-Pacífico diante do abandono americano da liderança de alianças militares firmadas há décadas. Mattis era visto como uma ponte confiável com o governo dos EUA, capaz de equilibrar o temperamento imprevisível do presidente. Houve particular alarme na Austrália, que teve vários soldados mortos em batalhas movidas por americanos no Vietnã, na Coreia, no Iraque e no Afeganistão. Cresceu a dúvida se o país poderia depender dos EUA como aliado. A saída de Mattis também preocupa diante de uma possível ascensão na região da China, o que o chefe do Pentágono se engajava em deter. Um novo secretário de Defesa, mais alinhado a Trump, pode favorecer o avanço chinês.

A redução das tropas americanas no Afeganistão, destacou um funcionário do governo americano, é um esforço para tornar as forças afegãs menos dependentes do apoio ocidental. Mas alguns temem que a decisão apenas exponha ao perigo os soldados do país, que sofreram no campo de batalha contra o Talibã, com altas taxas de mortalidade, mesmo mediante a ajuda dos EUA.

A porta-voz do Pentágono Rebecca Rebarich não quis comentar o plano de remoção de tropas do Afeganistão. O presidente defende há tempos repatriar os soldados. Em 2017, porém, a pedido de Mattis e a seu contragosto, Trump prometeu quatro mil soldados adicionais à campanha, no esforço de tentar apressar o fim do conflito.

Embora os funcionários do Pentágono aleguem que o influxo de forças — somado a uma campanha de bombardeios aéreos mais agressiva — tem ajudado no esforço de guerra, as forças afegãs continuam submetidas a altas taxas de mortes em batalhas e à perda de território para o Talibã.

A investida renovada dos EUA em 2017 foi o primeiro passo para as forças afegãs poderem se tornar mais independentes, sem um cronograma definido para a retirada das tropas aliadas. No entanto, com os planos de rapidamente reduzir o número de soldados americanos no país, é incerto se os militares locais poderão se defender de um cada vez mais agressivo Talibã, derrubado do poder em 2001 pelo Exército americano, em represália ao abrigo do terrorista Osama bin Laden — responsável pelos ataques do 11 de Setembro.

Atualmente, os ataques aéreos americanos estão em níveis não vistos desde o auge da guerra, quando dezenas de milhares de soldados dos EUA se espalharam por todo o país. O apoio aéreo, segundo os funcionários, consiste principalmente em ajudar as tropas afegãs a tentarem manter o território do ressurgente Talibã.

Apoio americano

O tenente-general Kenneth F. McKenzie Jr. do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, próximo líder do Comando Central americano, ressaltou a parlamentares durante sua audiência de confirmação, este mês, que as Forças Armadas do Afeganistão se dissolveriam sem o apoio americano.

"Se sairmos precipitadamente agora, eu não acredito que eles seriam capazes de defender com sucesso seu país", destacou McKenzie Jr.

Um lado positivo que alguns enxergaram na decisão de Trump é a possível oordenação da retirada de tropas com as negociações de paz, como uma medida de construção de confiança. Muitos funcionários sugeriram que isso era improvável, dada a natureza impulsiva do anúncio e seu momento.

Reuniões com os talibãs

Na quinta-feira ( 20), antes da retirada das tropas ser anunciada, Zalmay Khalilzad, representante especial do governo Trump para a reconciliação no Afeganistão, destacou ter deixado claro ao Talibã que o país estava comprometido com seu aliado.

"Se eles quiserem lutar ou continuar a lutar, nós asseguramos a eles que os Estados Unidos vão ficar ao lado do governo e do povo do Afeganistão", ressaltou Khalilzad.

O enviado se reuniu quatro vezes com os insurgentes, no esforço de Washington por uma trégua no conflito que lhe permita retirar parte das tropas do território. Ao último encontro, em Abu Dhabi, também compareceram representantes do Paquistão, da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, o que pareceu ter impulsionado as negociações. O Talibã, no entanto, ainda não foi convencido a conversar diretamente com Cabul.

"Tive reuniões nos Emirados com interlocutores afegãos e internacionais para promover o diálogo intra-afegão, com vistas a por fim ao conflito no Afeganistão", destacou o representante americano no Twitter, nesta semana.

Segundo fontes da guerrilha, que não quiseram se identificar, Washington propôs retirar soldados em troca de uma trégua na guerra de seis meses. O porta-voz dos talibãs, Zabibullah Mujahid, no entanto, deixou claro que não houve debate de trégua e assegurou, em comunicado, que a pauta da reunião se centrou "na retirada de tropas estrangeiras (demanda central do Talibã), as vítimas civis dos bombardeios aéreos e o trato dos presos talibãs". Khalilzad afirma que os EUA buscam garantias do grupo insurgente de que o país não se tornará um refúgio para terroristas.

Quando anunciou uma nova estratégia para o Afeganistão, no ano passado, Trump criticou o governo do antecessor, o democrata Barack Obama, por falar abertamente sobre os planos de baixa na força militar e, assim, alertar o Talibã. É incerto como o novo planejamento militar pode afetar as negociações com os insurgentes.

Mais

Mais de 2.400 americanos morreram no Afeganistão desde 2001. Este ano, 13 perderam a vida em combate. Desde o fim de 2014, quando o Pentágono declarou o fim de operação de enfrentamento no país, mais de 25 mil soldados e policiais afegãos foram mortos no conflito.

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