Violência saudita

Jornalista foi torturado, sedado e esquartejado, indica áudio

Gravação obtida pela polícia turca revela detalhes do que seriam os últimos minutos de Kashoggi no consulado da Arábia Saudita

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28
Jamal Khashoggi  teria sido torturado e sedado no consultado da Arábia Saudita, na Turquia
Jamal Khashoggi teria sido torturado e sedado no consultado da Arábia Saudita, na Turquia (Reuters)

TURQUIA - O jornalista saudita Jamal Khashoggi morreu minutos depois de entrar no consulado do seu país em Istambul, onde foi buscar papéis para se casar com a sua noiva turca em 2 de outubro, segundo diferentes fontes que tiveram acesso a uma suposta gravação do homicídio obtida pela polícia da Turquia. Relatos da imprensa turca informam que há registros em áudio que provam que o jornalista dissidente foi torturado e sedado no consulado, antes de ser morto e esquartejado.

O “Wall Street Journal”, a partir de informações transmitidas por um funcionário turco que ouviu a gravação, disse que Khashoggi supostamente foi morto e teve o corpo seccionado no escritório do cônsul geral saudita em Istambul, Mohammad al-Otaibi.

Há relatos conflitantes sobre se o diplomata presenciou ou não o homicídio. Segundo o "Wall Street Journal", a gravação registrou uma voz que pergunta se al-Otaibi quer deixar o cômodo, mas, mesmo assim, ele, que é o representante de mais alto nível de Riad em Istambul, presenciou a execução.

Segundo uma fonte ouvida pelo site “Middle East Eye”, especializado na cobertura do Oriente Médio, Khashoggi apenas foi capturado na presença do diplomata, que teria saído da sala no momento do assassinato. "O próprio cônsul deixou a sala. Não houve tentativa de interrogatório. Eles estavam lá para matá-lo", disse o site.

Desespero

O homicídio teria durado sete minutos. Ao perceber que seria morto, Khashoggi teria gritado em desespero, alto a ponto de ser ouvido por testemunhas no andar inferior. Durante o breve interrogatório, seus dedos foram arrancados, disse um funcionário turco ouvido pelo "NYT". Os urros só teriam parado após uma substância desconhecida ser injetada no jornalista.

O portal "Middle East Eye" informa que o corpo do jornalista teria começado a ser cortado enquanto ele ainda estava vivo. Um dos assassinos do grupo de 15 sauditas enviados a Istambul presumidamente com a missão de eliminar Khashoggi seria o doutor Salah al-Tubaigy, um especialista em autópsias.

A fonte turca afirmou que, enquanto conduzia o desmembramento, al-Tubaigy teria posto fones de ouvido e escutado música. O médico teria recomendado a seus cúmplices fazer o mesmo. "Quando eu faço este trabalho, eu escuto música. Vocês também deveriam ", al-Tubaigy teria sido gravado dizendo.

Supostos executores

O médico forense Al-Tubaigy é um dos nove suspeitos já reconhecidos, dentre os 15 do grupo, por uma investigação independente realizada pelo jornal “New York Times”. Em uma reportagem produzida por 12 repórteres, em Istambul, Beirute, Nova York, Paris e Washington, o jornal americano mostrou que os suspeitos de serem executores de Khashoggi relacionam-se diretamente ao príncipe Mohammed bin Salman (conhecido pelas iniciais MBS), o que afasta a possibilidade de ser um grupo descontrolado, agindo por conta própria, como foi cogitado pelo presidente americano Donald Trump.

Um dos suspeitos identificados pela Turquia é uma companhia frequente de MBS e já foi visto em desembarques ao lado dele em Paris e Madri, além de ter sido fotografado fazendo sua segurança em visitas neste ano a Houston, Boston e às Nações Unidas. De acordo com testemunhas e outros documentos, outros três homens do grupo que foi a Istambul também fazem parte da equipe de segurança do príncipe.

Todos os identificados pelo "New York Times" trabalham para os serviços de segurança, as forças armadas ou outros organismos governamentais sauditas. Um deles, Maher Abdulaziz Mutreb, fazia parte do corpo diplomático saudita em Londres em 2007, de acordo com uma fonte diplomática britânica. Ele viajou diversas vezes com o príncipe, possivelmente como segurança.

Explicação

Essas evidências enfraquecem qualquer sugestão de que Khashoggi morreu em uma operação não autorizada pelo príncipe herdeiro saudita. Elas também podem tornar mais difícil para a Casa Branca e o Congresso americano aceitar tal explicação. A Arábia Saudita é, ao lado de Israel, o principal aliado americano no Oriente Médio.

Inicialmente, o príncipe herdeiro e seu pai, o rei Salman, negaram qualquer conhecimento do paradeiro de Khashoggi, afirmando que ele deixou o consulado por conta própria. Em seguida, o próprio "New York Times" e a “CNN” disseram que o reino preparava-se para alegar que a morte ocorrera de modo acidental, como resultado de um interrogatório que deu um errado.

O jornal americano reuniu informações sobre os suspeitos usando softwares de reconhecimento facial, bancos de dados públicos, perfis de mídia social, listas telefônicas sauditas, notícias do país árabe, documentos do governo saudita vazados e, em alguns casos, relatos de testemunhas na Arábia Saudita e em países que o príncipe visitou.

Mutreb, o ex-diplomata em Londres, foi fotografado saindo de aviões com o príncipe em viagens recentes a Madri e Paris, e também em Houston, Boston e nas Nações Unidas durante visitas do príncipe a essas cidades, em geral de cara fechada.

Um profissional francês que trabalhou com a família real saudita identificou um segundo suspeito, Abdulaziz Mohammed al-Hawsawi, como membro da equipe de segurança que viaja com o príncipe.

Bravura

Uma agência de notícias saudita informou que alguém com o mesmo nome de um terceiro suspeito, Thaar Ghaleb al-Harbi, foi promovido no ano passado ao posto de tenente da guarda real saudita, por bravura na defesa do palácio do príncipe herdeiro em Jedá.

Um quarto suspeito viajou com um passaporte com o nome de outro membro da guarda real, Muhammed Saad Alzahrani. Uma busca do nome em Menom3ay, um aplicativo popular na Arábia Saudita que permite ver nomes associados a números de telefone, identificou-o como um membro da guarda real. Um guarda usando um crachá com esse nome aparece em um vídeo de 2017 ao lado de Mohammed bin Salman.

Os membros da guarda real ou auxiliares que viajaram com o príncipe não podem se reportar diretamente a ele e, às vezes, podem assumir outras tarefas. É possível que alguns tenham sido recrutados para uma missão para capturar ou interrogar Khashoggi, talvez liderada por um alto funcionário da inteligência.

Mas a presença entre os suspeitos de al-Tubaigy, o especialista em autópsias, reforça a hipótese de que o assassinato tenha feito parte do plano original.

Cargos influentes

Al-Tubaigy, que mantinha conta em várias redes sociais, identificava-se no Twitter como chefe do Conselho Científico Forense Saudita e ocupou cargos influentes na principal faculdade de medicina da Arábia Saudita, assim como em seu Ministério do Interior. Ele estudou na Universidade de Glasgow e, em 2015, passou três meses na Austrália como patologista forense do Instituto Victorian de Medicina Forense. Ele têm artigos publicados sobre dissecação e autópsia em unidades móveis.

Embora não exista registro público de um relacionamento entre ele e a corte real saudita, é improvável que uma figura tão relevante no primeiro escalão médico saudita fosse participar de uma expedição desautorizada organizada por um subalterno, disse o "New York Times".

Al-Tubaigy, cujo nome apareceu pela primeira vez entre os relatórios dos suspeitos há vários dias, não comentou publicamente as acusações. Nenhum dos suspeitos respondeu aos pedidos de entrevista do jornal americano.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.