Artigo

Adeus a um repórter-escritor

Atualizada em 11/10/2022 às 12h33

“Aprenda a se satisfazer com o que suas mãos podem carregar. Nada de amealhar.” Esse foi o conselho que o menino José Louzeiro recebeu de seu avô Severo, um pescador bissexto e construtor de lousas. Aliás, foi a profissão do avô que determinou a mudança do sobrenome Loureiro, da família, como o próprio escritor revelou em longa e instigante entrevista, concedida ao blog Estranho Encontro.

Filho de um pastor presbiteriano e de uma devota católica, ele se apaixonou pela leitura e pela escrita aos 12 anos e construiu uma carreira profícua de amor e dedicação aos livros, até que, no apagar das luzes de 2017, a trajetória foi interrompida.

O Brasil ficou de luto e a Academia Maranhense de Letras idem. Aos 85 anos, José de Jesus Louzeiro, ocupante da cadeira 25, faleceu no Rio de Janeiro, cidade que adotou desde 1954 sem, contudo, acredito, perder a maranhensidade. Refiro-me ao enorme talento literário, marca deixada por nosso ilustre confrade em pouco mais de cinquenta livros.

Louzeiro começou muito cedo. Aos 16 anos já era aprendiz nas oficinas de O Imparcial, caminho trilhado por outros tantos escritores maranhenses, que se destacaram no jornalismo e na literatura brasileira. Atribui-se a Louzeiro a criação de um gênero literário denominado de romance-reportagem. Nessa categoria destacou-se o livro “Araceli, meu amor”, relato do caso que impactou o Brasil: o desaparecimento da menina Araceli, na cidade de Vitória, ES. O caso jamais foi solucionado. Assim, o livro explora, além do drama familiar, os desvãos do sistema de segurança e o Judiciário brasileiros.

Roteirista de filmes, destacou-se no gênero novela policial, cujos textos nasceram de suas reportagens, como jornalista, e resultaram em obras que marcaram o cinema brasileiro. Destarte, deixou seu autógrafo na sétima arte com “O Pixote”, filme de Hector Babenco; e “Lúcio Flávio, passageiro da agonia”; “O caso Cláudia”, que relata o sinistro de uma jovem que foi encontrada morta numa das praias do Rio; e “O Homem da Capa Preta” (1986), filme protagonizado pelo saudoso ator José Wilker, e que relata a história de um nordestino, Tenório Cavalcanti, espécie de gangster, que dominou uma região da Baixada Fluminense nas décadas de 1950 e 1960, inclusive foi político (deputado estadual e federal) e carregava uma metralhadora à qual apelidou de “Lurdinha”. Este filme ganhou todos os prêmios no famoso festival de Gramado.

Durante vinte anos, Louzeiro foi repórter policial. Esta experiência, juntamente com sua incrível capacidade para contar histórias, frutificou em suas mãos em livros que retratavam a tragédia da violência pela ótica do escritor. O repórter conta os fatos tais como aconteceram, o escritor mostra a paisagem inteira, apresenta o fio condutor, revela ao leitor uma possível explicação daquilo que está para além das imagens do jornal ou da TV.

Diz-se que a biografia é um gênero delicado e difícil de escrever, pois não se trata apenas de reunir fatos e datas de um aparente amontoado caótico para dar-lhe um mínimo sentido, mas, outra vez, contar uma história cuja verdade seja a um só tempo atraente ao leitor e completamente fiel aos fatos. Entre as biografias de Luzeiro destacam-se “Elza Soares - cantando para não enlouquecer” e sobre o notório guarda-costas de Getúlio Vargas, Gregório Fortunato, envolvido no incidente da Rua Toneleros, em Copacabana, que precipitou a derrocada do presidente gaúcho.

José Louzeiro deixa uma grande lacuna numa escola de notáveis jornalistas, mas também e, talvez por isso mesmo, tenha conquistado um lugar à parte, na literatura, como um tipo de escritor que transita ente o real do cotidiano, muitas vezes tão surpreendente, e sua cristalização em obras que, no caso dele, se tornaram referências na literatura brasileira. Além das obras que o escritor deixou, também será possível conhecer um pouco mais da trajetória desse brilhante jornalista no curta-metragem “José Louzeiro: Depois da Luta”, que tem direção da cineasta Maria Thereza Soares, pesquisa e roteiro da jornalista Bruna Castelo Branco.

Natalino Salgado Filho

Médico, doutor em Nefrologia, ex-reitor da UFMA, membro da ANM, da AML, da AMM, Sobrames e do IHGMA

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