Artigo

Doutor Penha - “In memoriam”

Atualizada em 11/10/2022 às 12h40

Altamente conceituado na cidade, numerosa clientela, tinha a fama de ser muito cauteloso nos atos cirúrgicos que praticava. Consta que, ao iniciar um procedimento dessa natureza, o fator tempo não estava no rol das suas maiores preocupações. Demorava, de fato, além do habitual. Longe, porém, de ser um indício de nervosismo ou imperícia, essa conduta - fácil perceber-se - revelava o extremo cuidado com que praticava as incisões, as hemostasias e toda a sequência de procedimentos, até se dar por satisfeito. Os seus cuidados eram, às vezes, quase exaustivos.

Ele se preocupava, também, com a aparência pessoal. Embora raramente fosse visto de paletó e gravata, andava sempre impecável no branco do seu traje de batalha em consultórios e hospitais. E mais: tinha a fama de sair das salas de cirurgia ou parto, após realizar mais um trabalho, com as vestes absolutamente limpas. Quem o visse não imaginava que, minutos atrás, ele estivera às voltas com fenômenos hemorrágicos, suores e, muitas vezes, lágrimas.

Formado pela Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, Rio de Janeiro, em 1949, José Benedito Penha era especialista em obstetrícia e ginecologia. Foi médico da Maternidade Benedito Leite no tempo de Clementino Moura e dava, aos plantões semanais, a mais completa cobertura. A qualquer solicitação, de dia ou de noite, lá estava ele, disponível e ativo, embora a sua clientela particular fosse, como dito acima, uma das mais numerosas da cidade.

Como professor da antiga Faculdade de Ciências Médicas, (semente da Universidade Federal) da qual foi um dos fundadores, as suas aulas eram sempre muito concorridas, não só pela riqueza de conteúdo, mas também pelo entusiasmo que conseguia transmitir.

A disciplina Ginecologia era ministrada, naquela época, para os alunos do quinto ano do curso de medicina. Como parte das atividades de rotina, o professor Penha determinou, certa vez, que eles elaborassem uma pesquisa bibliográfica sobre tumores dos ovários. O tema era único mas as apresentações seriam individuais. Forneceu a lista de publicações a serem consultadas e, sem prejuízo de outros afazeres, determinou uma data para a conclusão dos trabalhos e a discussão final.

Havia na turma, porém, um aluno que destoava dos demais. Ele não era estudante em tempo integral. Obrigado a lutar pela sobrevivência financeira, trabalhava e estudava. Levava uma vida turbulenta. Efetuar a pesquisa necessária para dar ao trabalho substancial riqueza de conteúdo, dentro do prazo, estava fora de cogitação. Ocorreu-lhe, então, uma solução que, embora fosse ética e honesta, não deixava de ser ardilosa: para compensar a fraca abordagem do tema, decidiu valer-se da sua vocação para o desenho e ilustrou as páginas com caprichados figuras. De tão esmeradas, elas ficaram mais vistosas que as fotos de onde foram copiadas.

Foi o suficiente para espicaçar a mania de perfeição do bravo professor Penha. Pródigo em elogios, ele se mostrou satisfeito e não hesitou em atribuir a nota máxima.

Anos depois, quando o ex-aluno e uma colega de turma, já engajados no meio médico de São Luís, foram pais pela primeira vez, tiveram do professor Benedito Penha a pronta, competente e necessária assistência obstétrica. Aconteceu numa madrugada chuvosa de fevereiro. Era um sábado de carnaval.

ALDIR PENHA COSTA FERREIRA

Médico, ex-professor da UFMA, membro da Academia e da Sociedade Maranhense de História da Medicina

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