Pedrinhas

Divulgação de relatório reacende debate sobre “pacto” entre governo e facções

Em depoimentos, presos exigem cumprimento de suposto acordo com o sistema penitenciário

Gilberto Léda

Atualizada em 11/10/2022 às 12h50

SÃO LUÍS - A divulgação de um relatório da entidade de direitos humanos Conectas, sobre vistorias realizadas no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, reacendeu o debate sobre a existência de um suposto acordo entre o Governo do Maranhão e facções criminosas para a garantia da tranquilidade no sistema penitenciário estadual.

Os depoimentos dos presos, fotos e vídeos que compõem o documento oficial divulgado na terça-feira, 1º, estão compilados no relatório “Violação Continuada: Dois Anos da Crise em Pedrinhas”, e referem-se, segundo a entidade, a inspeções feitas nos anos de 2014 e 2015.

A mais recente visita ocorreu em novembro do ano passado, segundo a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), que também participou da vistoria.

Foi durante essa passagem por Pedrinhas que detentos entrevistados por membros da Conectas, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Maranhão (OAB-MA), da ONG Justiça Global e da SMDH, falaram até em “leis” criadas pelas facções que controlam os presídios maranhenses para acabar com a série de mortes dentro do sistema.

Eles reclamam, no entanto, que mesmo assim a administração penitenciária diminuiu o “bandeco” e tirou “nossas coisas”.

“Eles falaram que eles tiraram nossas coisas por causa dessa briga que tava tendo, dessa guerra doida aí, entendeu? Não tá tendo mais isso aí, não, entendeu?”, disse um dos presos, em vídeo disponibilizado pela Conectas.

“Todo mundo aqui é unido, não tem mais esse negócio, não. Não rolou mais morte. Tá todo mundo puxando sua cadeia aí de boa”, completou outro.

Um terceiro detento, então, fala de supostas “leis” impostas pelo crime dentro do sistema prisional, e cobra pelo cumprimento de um suposto acordo.

“Por que eles não colocam nossas coisas de volta? Tá todo mundo de boa aí. Nós mesmo botamos uma lei que não ia haver mais isso no sistema e agora eles estão oprimindo nós mais ainda”, afirmou.

Concessões - Os relatos sugerem, pela primeira vez, existência do que entidades de Direitos Humanos classificaram, no início do ano, de “pacto” entre Governo do Maranhão e facções criminosas para conter a onda violência em Pedrinhas.

Em janeiro, o ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA e agora presidente do PSol no Maranhão, advogado Luis Antonio Pedrosa, afirmou que o governo fez concessões às facções.

“Desafio qualquer pessoa a visitar os presídios e reafirmar isso publicamente. As mortes do sistema foram controladas na base das concessões a facções criminosas e aos setores mais retrógrados do sistema. A sociedade paga um preço muito alto com isso aqui fora, com a diversificação das ações criminosas, onde as facções operam os assaltos a ônibus, os latrocínios e as explosões de banco com muito maior intensidade”, declarou.

MAIS

Outro lado

Por meio de nota, o Governo do Maranhão, através da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Sejap), não chegou a comentar diretamente o relatório da Conectas, mas informou que, “pautado na aplicação da Lei de Execuções Penais (LEP), alcançou, em 14 meses de gestão, [...] resultados nunca antes registrados em toda a história do sistema prisional maranhense”. A lista de “resultados” inclui 13 itens, dentre os quais destacam-se “expressiva diminuição no número de homicídios (-76,47%) e fugas (-72,16%), no Complexo Penitenciário de Pedrinhas” e nenhum registro de motins ou rebeliões em 2015.

Triagem é alvo de disputa de facções, aponta advogado

O advogado Luis Antonio Pedrosa (PSol), ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MA e militante da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), acredita que o método de divisão de presos por facções tem criado um novo nicho de disputa entre os criminosos apenados.

Segundo ele, já na triagem as organizações criminosas tentam cooptar os internos, o que tem gerado novos conflitos.

“Hoje a triagem é um espaço de disputa entre facções que concorrem em busca de novos filiados. O preso neutro é ameaçado e intimidado a escolher um lado”, pontuou Pedrosa, para quem esse sistema está fortalecendo as facções.

“A separação dos presos por facções ocorreu no segundo semestre de 214. Era poara ser medida de transição, sob pena de fortalecer o recrutamento pelas facções. O governo atual institucionalizou e defende esse sistema como medida permanente”, completou.

Ao portal de notícias Uol, o historiador e presidente do conselho diretor da SMDH Wagner Cabral também aponta a separação como “um agravante”.

"Assim que entram na penitenciária, os presos têm, forçosamente, que escolher de qual facção irão fazer parte, mesmo que nunca tenha pertencido a qualquer quadrilha. O que foi uma atitude necessária em um primeiro momento tornou-se um agravante da situação e favorece o recrutamento pelas facções", disse.

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