Longe da meta

Cai número de crianças em creches no governo do presidente Bolsonaro

Só 17% dos municípios têm ao menos metade das crianças de 0 a 3 anos na escola; objetivo é que este índice seja alcançado em todo o país até 2024

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15
A educação na primeira infância provoca efeito positivo no desenvolvimento das crianças
A educação na primeira infância provoca efeito positivo no desenvolvimento das crianças (crianças em creche)

BRASÍLIA - A proporção de crianças matriculadas em creches recuou em 2020 sob o governo Jair Bolsonaro mesmo antes da pandemia. Assim, fica ainda mais remota a chance de o país alcançar a meta de ter metade das crianças de até 3 anos na escola até 2024.

Cálculo com base em dados de 2020 mostra que nem um terço (31%) das crianças de 0 a 3 anos estava em creche no ano passado. Em 2019, eram 32%, e o leve recuo interrompe um ritmo de avanço dos últimos anos.

Mas a média nacional esconde profundas desigualdades pelo país: só 17% dos municípios conseguem ter vagas em creches para ao menos metade das crianças da faixa etária.

A maior parte dessas cidades está nas regiões Sul e Sudeste. Enquanto 37% dos municípios do Sul alcançaram essa meta, somente 3% das cidades do Norte registraram esse patamar.

Por outro lado, 45% das cidades não superam a média nacional de 31% das crianças na creche. Estão nessa situação quase 80% dos municípios do Norte e mais da metade do Nordeste.

Sob Bolsonaro, o MEC (Ministério da Educação) reduziu os investimentos para apoiar redes municipais na oferta de educação infantil. O número de matrículas em creches teve, em 2020, antes do fechamento das escolas, a primeira retração em duas décadas. Questionado, o MEC não se pronunciou.

A matrícula em creches (de 0 a 3 anos) não é obrigatória, mas a lei do PNE (Plano Nacional de Educação) estipula que, até 2024, metade das crianças da faixa etária esteja na escola. O país ainda precisa incluir nos bancos escolares 2,2 milhões de crianças para alcançar a meta.

Evidências internacionais apontam que a educação na primeira infância provoca efeito positivo no desenvolvimento das crianças, na redução de desigualdades e na vida adulta.

Os dados obtidos pela Folha foram calculados pelo Comitê Técnico de Educação do IRB (Instituto Rui Barbosa). A entidade é ligada aos TCEs (Tribunais de Contas dos Estados).

As projeções levam em conta o Censo Escolar de 2020, estimativas populacionais calculadas pelo TCE-SC com base no Censo Populacional 2010, estimativas municipais anuais do IBGE e informações de nascidos vivos e mortalidade do Ministério da Saúde.

O cancelamento do Censo em 2020 prejudica cálculos mais atualizados. Outra projeção recente, do Movimento Todos Pela Educação, tem outra metodologia —levando em conta a Pnad 2019— e indica uma cobertura de creche maior naquele ano, de 37%.

O esforço do IRB foi obter dados para alcançar a realidade de todas as cidades. O levantamento foi encaminhado a todos os Tribunais de Contas do país com o objetivo de subsidiar ações de fiscalização dos órgãos direcionadas aos municípios.

"A meta do PNE é a soma de metas dos 5.570 municípios do Brasil", diz o presidente do Comitê de Educação do IRB, Cezar Miola. "Há cidades em que, mantida as taxas atuais verificadas, nem os netos dos bebês que estão nascendo hoje terão vagas em creche."

Na pré-escola, cuja matrícula é obrigatória, a taxa de cobertura em 2020 é de 81% entre os que têm 4 e 5 anos. O IRB calcula que 1,2 milhão de crianças dessa faixa etária estão fora da escola.

Os percentuais levam em conta matrículas em escolas públicas e privadas. Mas 73% dos alunos da educação infantil estão nas redes municipais.

Cruzamento de informações feito pela Folha mostra que cidades com populações menores concentram melhores taxas de inclusão. Dos 974 municípios que garantem metade das crianças em creches, 80% têm até 20 mil habitantes —o país em 68% das cidades com esse porte.

Somente dois municípios com mais de 500 mil habitantes alcançaram a meta do PNE para as creches: São Paulo e São José dos Campos, no interior paulista.

Há correlação positiva entre a média do gasto por aluno anual dos municípios com a proporção de matriculados. A reportagem levou em conta informações de gastos por aluno referentes a 2015, atualizados para 2020, extraídos pela Consultoria de Orçamento da Câmara.

Nas cidades com até 31% de alunos na creche, o gasto médio por aluno anual é de R$ 5.238,15. Já no grupo de municípios que alcançaram metade das crianças, o valor é de R$ 6.704,67.

Dados do Todos pela Educação mostram que a exclusão atinge os mais pobres: enquanto mais da metade das crianças do grupo dos 25% mais ricos estão na creche, essa cobertura não chega a um terço no quartil de menor renda.

Esvaziamento

Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime (que reúne os secretários municipais de Educação), diz que o quadro é reflexo do esvaziamento dos investimentos federais.

"Os dados demonstram que houve paralisia no investimento. Programas federais foram paralisados e não conseguimos avançar", diz. "A pandemia distanciou as crianças das escolas e, com o retorno agora, a demanda por creche vai se intensificar."

A pandemia e a crise econômica já provocaram transferências de alunos da rede privada para a pública. O que pode pressionar ainda mais as redes de ensino.

No retorno das atividades presenciais o Espaço ekoa, escola no Butantã, bairro na zona oeste da capital paulista, priorizou o brincar e as a Ana Paula Alcântara/DivulgaçãoMAIS

Os gastos federais com construção de creches nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro somaram R$ 403,7 milhões. Não chegam a metade do gasto em 2015 e 2016, início da gestão passada, mesmo em valores nominais.

Mas, em 2020, os gastos municipais com educação também caíram: 6%, segundo o Anuário Brasileiro da Educação Básica, do Todos pela Educação.

Segundo Garcia, a maior dificuldade para os municípios hoje seria o volume de obras paradas e os entraves jurídicos para retomá-las. A Folha mostrou, em fevereiro, que 1.931 obras de creche tiveram a construção cancelada mesmo tendo recebido recursos federais.

Na gestão do ex-ministro Abraham Weintraub, o MEC deixou de gastar R$ 1 bilhão recuperado pela operação Lava Jato e direcionado para educação. Na ocasião, Weintraub disse que não houve execução pois não havia projeto pronto no MEC para educação infantil —o dinheiro acabou transferido para as ações da pandemia.

Cezar Miola, do IRB afirma que o novo Fundeb traz maior otimismo ao cenário. Principal mecanismo de financiamento da educação básica, o fundo foi renovado no ano passado com a previsão de ampliação do papel da União —metade de novos recursos que integrarão o fundo deverão ser direcionados para a educação infantil. A ideia para a inclusão desse direcionamento saiu do governo federal.

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