Artigo

Havan x cultura?

Lino Raposo Moreira *

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15

Poucos dias atrás, um amigo quis saber minha opinião sobre a polêmica da Estátua da Liberdade. – A de Nova York, perguntei. – Não, a de São Luís. Era brincadeira, pensei. – De São Luís? Me explica “isso daí”. Me corrigi. – Desculpe. Me explica essa história. O amigo então me contou que a Havan é uma loja de departamentos com origem em Santa Catarina.

Em todas as suas lojas pelo país, há uma réplica da Estátua da Liberdade, continuou meu amigo, cujo tamanho, vai de 57 metros de altura, em Santa Catarina, a 35 metros em outras localidades. Pequena embora quando comparada à estátua original, ela é grande o bastante nos locais onde as lojas estão, geralmente margens de rodovias. As pessoas passam, veem as estátuas e param para fotos, acabando por entrar na loja com a intenção de fazer umas “comprinhas”. A estátua funciona da mesma forma daqueles imensos símbolos, pelo mundo todo, das redes MacDonald, Pizza Hut e muitas outras, até na China.

Um grupo de pessoas aqui de São Luís achou conflitos entre a estátua aqui da cidade, da loja a ser inaugurada em breve, e os valores da cultura tradicional do Maranhão, e parece ter a intenção de manter esta numa redoma. Não alcancei bem a compreensão de qual seria a natureza desse choque entre culturas. Em um campo, o econômico, pode-se ver uma empresa atuando num mercado de uma economia capitalista de mercado. As únicas restrições que, em princípio, podem ser invocadas contra sua livre atuação, em concorrência com outras empresas, são as das leis regulatórias dos mercados a que, como regra geral, empresas estão sujeitas, sob a vigilância das agências reguladoras. Nem controle de preço há no Brasil, embora o governo Flávio Dino, tenha tentado controlar o da gasolina utilizando o Procon-MA.

Em outro campo, o legal, os documentos pertinentes à outorga do título de Patrimônio Cultural da Humanidade a São Luís, delimitam com clareza a área assim considerada. É a esta área a que se faz referência, quando se diz “São Luís é Patrimônio da Humanidade”, não toda a área do município. Nesta última, um número imenso de atividades econômicas pode ser exercida sem exigências específicas, mas não na outra justamente por ser ela Patrimônio e na qual projetos como da Havan em nada interferem, pois não são implantados na área sob tombamento histórico. Existe, parece-me, mistura de ideologia com política cultural, sem consideração da necessidade de geração de empregos para o povo pobre. Eu também não gosto das ações do dono da Havan, pois ele financia a formação de grupos ativos contra a democracia. Não misturo, porém, fatos com minha visão sobre a bandidagem adepta de Bolsonaro.

Há um ar brega na estátua da Havan como também nos bonecos de Ronald MacDonalds, nos outdoors da Pizza Hut e outros. Mas não há na legislação tipificação de breguice como crime de lesa-cultura. Se assim fosse teríamos de limpar São Luís de muita cafonice e rejeitar manifestações culturais hoje consideradas legitimamente maranhenses, sem o terem sido na origem, como o reggae, o Carnaval, o Natal, o futebol. Passaram a ser. Eu já disse aqui no jornal mais de uma vez que uma cultura com a capacidade de se alimentar de outra e digeri-la legitimamente, como parte da sua, é viva.

A cafonália da qual as cidades brasileiras estão cheias, deveriam ser banidas por ameaçarem a “cultura pura”? A cultura pura pode acabar morrendo por endogamia exacerbada. Só quem não muda são os mortos.

* PhD, Economista. Da Academia Maranhense de Letras

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