Artigo

Beth II

Lino Raposo Moreira *

Atualizada em 11/10/2022 às 12h15

Um médico inglês sem compreensão do viver e ser feliz achou de dar um conselho de gente sem noção de coisa alguma à rainha Elizabeth II, do Reino Unido. Ela deveria parar de beber. Isso mesmo, parar de beber. Esperem aí. Eu não sabia que a simpática soberana britânica era dada a esse hábito tão plebeu e adotado com entusiasmo pela rude plebe nos “pubs” de Londres e de incontáveis cidades por todo o Reino.

Vieram-me logo à mente imagens de Beth, depois de tomar várias garrafas de algumas daquelas sofisticadas bebidas usadas por pessoas sofisticadas, sentindo no próprio corpo e na mente as consequências inevitáveis do consumo imoderado de álcool. Num daqueles imensos salões do Palácio de Buckingham eu vi então a rainha a quebrar taças de cristal da Bohemia e da Silésia, colocar os pés em seculares sofás, dar gritinhos no estilo ho-ho-ho de Papai Noel e, vergonha das vergonhas, soltar palavrões jamais ouvidos pelos outros membros da família, levando o minúsculo público à sua volta a se perguntar onde ela os havia aprendido. Na Segunda Guerra Mundial, quando a então jovem herdeira do trono serviu no Serviço Territorial Auxiliar das Mulheres e treinou como motorista e mecânica, quando então aprendeu a dirigir? Então devia ser verdade os rumores de que aquela unidade do exército tinha mesmo impresso um “Manual de Palavrões em Tempos de Guerra”, secretamente consultado diariamente por ela.

Harry, a eterna ovelha ruiva da família, gritava e era ouvido em todo o Palácio: “Minha avó bateu o recorde da rainha Vitória, em extensão de seu reinado. Foi a bebida, foi a bebida. Vai vovó, vai fundo. ‘Carpe Diem’. Essa é a velha Liz de meus verdíssimos anos”. Gargalhava sem parar. Nessa altura, voltei a este mundo real num segundo, quando uma taça caiu de sua mão e me despertou daquelas imagens.

Quem ouvisse os médicos recomendarem a ela moderação no beber, algo recomendável somente aos beberrões, pensaria nela como uma mulher de taverna inglesa. No entanto, ela bebia – e bebe– tão só uma única e inocente taça de martini antes de dormir e raramente é vista bebendo em público. Nada de cachaça, cerveja, rum, essas coisas do mundo lá fora. Seus súditos deram apoio incondicional à soberana e ainda chamaram seus médicos de aporrinhadores e importunos. A famosa revista “Vanity Fair” disse. “Não é realmente um grande problema para ela, ela não bebe muito, mas parece um pouco injusto que, nesta fase de sua vida, ela esteja tendo que desistir de um dos seus poucos prazeres”.

Uma pessoa de sua idade e com a disposição para suportar algumas chatérrimas cerimônias do protocolo real, durante várias horas, tem o direito inalienável de tomar quantas doses quiser, sem um médico a lhe dizer como viver. Abaixo a repressão. Fora a chatice. Eu, quando chegar à idade da rainha, vou começar a beber e a fumar, hábito que abandonei há mais de quarenta anos. Provarei os bons vinhos, lhes darei certificado de boa qualidade e indicarei os locais onde podem ser encontrados, nas boas casas do ramo vinícola. Vinte anos depois, voltarei ao pó feliz, satisfeito e conformado, por ter meus inocentes desejos satisfeitos.

Elizabeth é, em grande parte, responsável pela sobrevivência da monarquia britânica em meio às agitações capazes de derrubar no século XX quase todas as outras do continente europeu. Ainda bem, é símbolo de estabilidade política tão em falta, mas indispensável no Brasil de hoje.


PhD, Economista. Da Academia Maranhense de Letras

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