Antigas boates

Baladas e os locais de curtição que marcaram época na capital

Os locais que, anteriormente, apresentavam um grau de sofisticação e estavam concentrados na área central da capital, migraram para outros bairros

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16
Marinho da Tucanus, Walter Júnior e o DJ Trajic, do ‘Melô do Peixe’
Marinho da Tucanus, Walter Júnior e o DJ Trajic, do ‘Melô do Peixe’

São Luís - Após o surgimento das primeiras boates e discotecas, entre as décadas de 1960 e 1980, a era disco da capital entra numa outra vertente. Os locais que, anteriormente, apresentavam um grau específico de sofisticação e estavam concentrados em regiões específicas da cidade, ou seja, no eixo central da capital, migraram para outras partes da cidade.

Este processo começou preliminarmente a partir do sucesso da Zig Zag e montagem de outras, como Esfinge (de Zé Cirilo, no Centro, nas proximidades da Praça Deodoro) e Le Cage e passou a ser pautado com a instalação de locais como PH83 (após a Ponte do São Francisco) e outras casas de festa do gênero. Antes da PH83, ainda estão registradas a Ganf e a 707.

No início da década de 1980, antes da migração das boates para outros pontos da cidade, a casa Apocalipse aglutinou fãs e teve seus momentos de glória na cidade. Situado no antigo Hotel Vila Rica, segundo pesquisa de O Estado, entre 1982 e 1986, a Boate Apocalipse era mais “sofisticada”, com público cujos trajes refletiam um tom mais formal ao estabelecimento.

Apesar de pouco tempo de funcionamento, em comparação a outras boates do gênero foi, sem dúvida, uma boate de destaque na história da capital. Outras boates também se destacaram a partir da segunda metade da década de 1980 e que disponibilizaram ambientes. Algumas delas notoriamente de destaque.

A inesquecível Boate Genesis

Em 12 de abril de 1986, um quarteto sonhador e cheio de gás para vencer na vida – Salim Lauande, Ricardo Pacífico, Arsênio Filho e Álvaro Carneiro – ousou e mexeu com a noite da Ilha com a abertura de uma casa, cujo diferencial era a localização e o pioneirismo de jovens. A Boate Genesis – em contraponto à então “moda” da época, a Boate Apocalipse – foi uma marca vanguardista que abriu caminho para uma nova era de boates nas décadas de 1980 e 1990.

Com inovações nos equipamentos de som e iluminação, a Boate Genesis – de acordo com os ex-proprietários – foi a primeira a ter telão, neon, camarotes e outros equipamentos considerados de ponta para aquela época. “Montamos uma casa que foi evoluindo e tornou-se uma referência aqui na região norte-nordeste, realmente é com muito orgulho que comemoramos estes anos e as pessoas aqui em São Luís que nos prestigiam e que viveram aquela história”, disse a O Estado o empresário Salim Lauande, autor da ideia.

O empresário foi fundamental para a abertura da casa. “Falar da boate Genesis é falar de um sonho, de um sonho realizado. De proporções nunca imaginadas para mim. Quando a Genesis inaugurou em 1986 ainda existia a Apocalipse, fomos concorrentes por poucos meses, no máximo três meses”, disse Salim Lauande.

De “restaurante falido” para o point da cidade

O local onde funcionava a Genesis – em um conhecido imóvel da avenida dos Holandeses, próximo ao comando geral da Polícia Militar – mudou a logística de um ponto comercial cujos negócios anteriores eram considerados fracassados. Antes da Genesis, por exemplo, no prédio funcionava um antigo restaurante (D´Ángelis) que acabou falindo.

O antigo dono do restaurante e Walter Pimentel (tio de Salim) trabalhavam juntos e a “coincidência” viabilizou a aquisição do espaço para os donos da Genesis. Algumas pessoas foram fundamentais neste processo, como Arsênio Pacífico de Sousa, José Mário Lauaude e José Max Teixeira Júnior. “Foram pessoas fundamentais, pois houve o convencimento do antigo dono em ceder, para um grupo de jovens sem tantos recursos, mas querendo vencer na vida”, disse Salim.

A Genesis foi a primeira boate considerada em uma região cujos empreendimentos voltados ao entretenimento eram raros. Até a primeira metade da década de 1980, as boates eram concentradas na Região Central e adjacências da Ilha.

Pergentino Holanda, Salim Lauande, Rogério Gama e Adriana na Genesis, que reunia personalidades
Pergentino Holanda, Salim Lauande, Rogério Gama e Adriana na Genesis, que reunia personalidades

Inauguração

No dia da primeira inauguração, em 11 de abril de 1986 (uma sexta-feira), os aparelhos de ar condicionado do local não funcionaram. Dos 4 instalados, apenas dois estiveram ativos. Mesmo sob forte calor, a inauguração primeira teve peso, porém a marca de entrega e programação pioneira da casa ganhou mais força no dia seguinte. “Apesar da inauguração ser considerada nesta data, mas somente a entrega aconteceu de fato na noite seguinte, quando estávamos melhor organizados”, afirmou.

No dia seguinte, ou seja, na data de 12 de abril de 1986 (primeiro sábado em que a Genesis funcionou), de acordo com relatos, mais de mil pessoas acompanharam a primeira festa no local. A casa, aos poucos, foi atraindo a atenção a uma região da cidade com – até aquele momento – baixo índice de empreendimentos no entorno. “A marca foi se consolidando e caindo no gosto da galera. Conseguimos fidelizar uma boa clientela que ia às festas na casa com frequência”, disse Salim.

Inovações e marcas da Genesis

Além da ousadia de jovens empreendedores que, até então, desbravavam um ponto comercial da capital sem qualquer potencial de desenvolvimento, a Boate Genesis formou uma geração sedenta por diversão – entre jovens de classes média alta e classe alta em especial – e ainda adultos que, porventura, gostavam da pegada dance ou de outros estilos musicais, até então, contemporâneos.

Uma das prioridades da casa, além de uma sistemática interessante para os tempos de glória das boates, que transformou jovens DJs em empreendedores (responsáveis por cuidarem de todos os detalhes de um negócio que crescia na cidade) era a catalogação dos discos e inclusão de novidades.

Uma delas foi a chamada “pista giratória”, usada nas matinês e pelos gatinhos e gatinhas na paquera noturna dentro da casa. A ideia de trazer o novo equipamento surgiu a partir de uma viagem dos empreendedores para conhecerem outros negócios semelhantes. “Quando vimos aquela ideia, partimos para trazê-la para nossa casa”, disse Salim Lauande.

A Genesis foi a primeira casa do gênero a ter em solo maranhense o equipamento, visto em uma casa chamada “Manequins” nos Estados Unidos. Para a instalação da nova pista, foi necessária a reestruturação da área física da boate. No entanto, assim que foi concluída, a pista recebeu vários eventos.

Um dos mais comuns na Genesis era a “pipoca dançante”, uma espécie de matinê com crianças de escolas, em especial, da rede particular de ensino. Desta forma, além das crianças – que se divertiam ao som dos “Hilariês” da vida – os adultos também pintavam na pista, que era uma atração à parte. “A gente percebia que as crianças iam, mas na verdade os pais também curtiam bastante o espaço. Tornou-se um evento conjunto, ou seja, para crianças e adultos”, explicou Salim.

Outra sacada interessante dos tempos de Genesis era o “Garoto Zerado”, ou seja, o boy que não conseguia pegar ninguém em plena noite de curtição na boate. A especificação gerou até mesmo um concurso, para escolher o melhor “Garoto Zerado” da noite. Aliás, concursos não faltaram na Genesis.

A Miss Genesis

A badalação e a fama da Genesis ganharam corpo rapidamente. Tanto que ser um frequentador ou mesmo alguém com o selo da boate era um status. Pensando nisso, os organizadores adotaram – além da recepção da casa para vários concursos de beleza – também o próprio concurso. No início da década de 1992, surgiu o concurso Miss Genesis.

Registro com base nos arquivos dos antigos donos da boate aponta o concurso Miss Genesis de 1992, em que Laissa Maciel foi a vencedora. Este foi considerado um dos concursos mais marcantes da cidade.

No DVD que rememorou as histórias da Genesis, Laissa Maciel contou o que fez com o prêmio do concurso. “Eu tinha o sonho de ir para a Disney e nesta época o prêmio do Miss Genesis era justamente uma viagem para lá. Como antes de ganhar, a minha mãe tinha guardado um valor que seria para o pagamento das despesas, quando ganhei o concurso, os valores que eram para as despesas básicas foram para as compras. Voltei com muita coisa de lá da viagem”, disse.

As produções das candidatas eram dignas dos grandes concursos de beleza da cidade. “Você ser garota Miss Genesis passou a ser um selo de fama por toda a São Luís”, disse Salim Lauande.

A casa Genesis funcionou bem até meados de 1997. Depois, a concorrência minou o funcionamento do local, que chegou a abrir temporariamente por seis meses no atual Marcus Center, no Renascença, porém sem o mesmo sucesso de antes.

Uma possível volta da Genesis? Em tempos de pandemia, impossível. Quem sabe, depois que tudo isso passar...

Outra boate marcante: Tucanus e suas matinês e outras festas

A Boate Tucanus, na Curva do 90, foi um dos pontos mais procurados pelo público da capital no início da década de 1990. Segundo pesquisa de O Estado, o local representava uma iniciativa do empresário Sérgio Linhares. Mas quem não esquece daquela festa dos 10 anos da Tucanus? O Estado cobriu aquele evento no caderno Galera com a assinatura de Ribeiro Júnior e com reportagem intitulada “Matinê em Ritmo de Aniversário”.

A pauta contou com nomes como Marinho, Flávio Pastel e Claudinho Polary. Eles foram os condutores de uma festa que, para quem esteve, inesquecível. Segundo relato jornalístico, a festa contou com hits marcantes e o “balanço” que só a galera dos bairros mais populares de São Luís curtia na pista da Tucanus.

Aliás, a Tucanus permaneceu até o fim da década de 1990, porém o antigo letreiro da entrada da boate permaneceu visível nas antigas instalações até anos atrás. Depois, retirou-se para abertura de outro estabelecimento comercial.

O acesso à Tucanus (várias linhas de ônibus até hoje passam pela Curva do 90) e o valor do ingresso (mais barato) tornou a boate bastante popular. No entanto, apesar de estarem ativos praticamente no mesmo período (Genesis e Tucanus), carregavam a princípio perfis de clientes diferentes, o que contribuiu para a permanência das casas aberta por bom período.

Fim da década de 1990: Extravagance, Studio 7 e outras...

Inaugurada em dezembro de 1997, a boate Extravagance (instalada na Avenida dos Holandeses), além de receber grandes nomes da mesa DJ, sediou concursos, entrega de prêmios e, claro, muitas baladas. Por iniciativa dos empresários Álvaro Carneiro e Evandro Santos, sob a arquitetura assinada pela competência da dupla Cíntia Klamt e Fernando Motta, a casa gerou forte expectativa desde antes da inauguração até o seu fim.

Grandes nomes tocaram na Extravagance, como Henrique Carvalho, Claudinho Polary, Mauro Dj, Zeca Pinheiro e Paulo Duarte. Turmas como Zé Pedro (de fora) e outros também sacudiram a pista da boate famosa.

A O Estado, o empresário Álvaro Carneiro (que trabalhou ainda na PH83 e na Le Cage, no São Francisco) falou sobre a época de gerência do espaço. “Na época da Extravagance, não era para ser este espaço todo. À medida que estruturamos, ficamos com uma casa enorme. Demorou dois anos para ficar pronta”, afirmou.

Ele veio de outras experiências no setor. “Quando eu era sócio na boate Genesis, chegamos a comprar um terreno, sendo quatro lotes na Avenida dos Holandeses e iniciar o projeto de uma casa noturna que não ficaria a dever nada a qualquer outra no Brasil. Em 1995 a Extravagance, à época sem nome definido, começou a nascer”, disse Carneiro.

Nos seis primeiros meses, nas sextas e nos sábados, a casa recebia, em média, 1,5 mil pessoas. “Era uma vibe, muito conhecida. Vinha gente de longe para acompanhar as atrações trazidas pela Extravagance. Que tinha vários ambientes, erguida tijolo a tijolo a base de muito sacrifício”, afirmou.

A partir de 1999, a mesma boate passa a se chamar Studio 7, com aparentemente sucesso similar à antiga Extravagance. Antes do surgimento da Extravagance, por pouco não houve uma fusão dela com a Genesis. “Na época em que eu estava construindo a Extravagance, tentei comprar aquele ponto da Genesis, mas não deu certo”, disse Álvaro Carneiro.

Com o passar dos anos, já como Studio 7, a manutenção do espaço tornou-se inviável. “Além de cara a manutenção, ela não passou a ser mais rentável. Bandas queriam tocar por lá com suas formações inteiras e isso tinha um custo”, disse o empresário e antigo dono da Extravagance.

Álvaro Carneiro ressalta ainda que o setor de promoção de festas foi o mais afetado durante a pandemia. “Sem dúvida, pois bares e outros segmentos, ainda que parcialmente, estão abertos. E nós? ”, disse.

O empresário, pós Extravagance, montou ainda a Fábrica Live (na antiga Duvel), a Red Club na Lagoa, e Music Hall, atualmente também na Lagoa da Jansen.

Mais boates

Além das conhecidas e citadas nesta reportagem, outras boates merecem menção, como a Flamingo (na Ponta d´Areia, ao lado do Rio Poty Hotel), e as vistas em clubes, como a “Jaguar”, mais antiga no clube Jaguarema e outras como a “Caixa Alta”, na Associação da Caixa e a Boate do Lítero, do Grêmio Lítero Recreativo Português.

Quem passou pelo auge das boates em São Luís

Seu Djalma Mendonça passou vários anos de sua vida trabalhando e ajudando a fazer a vida de boates na capital. Ele trabalhou na boate PH 83 e na Genesis (de 1986 a 1992). “Comecei com seu Cláudio Vaz, depois fui para a PH 83 quando nos mudamos para o São Francisco. Aí fui para Genesis, trabalhei por seis anos por lá”, disse.

Após rodar por boates, rememorar histórias (de pessoas que viravam a noite curtindo uma boa balada), seu Djalma partiu para o bar “O Luar”, outra casa de grande sucesso na capital, em especial nos fins de semana, de 1993 a 1998. Em uma época sem coletivos e com avenida Litorânea, onde ficava a casa, ainda incompleta, a casa também fez história. “Era muito movimentada e muita gente vinha de longe somente para curtir as músicas por lá”, disse.

DJ The Paul e as famosas baladas

O famoso DJ The Paul, que assinou várias festas na Ilha, é um dos personagens mais marcantes da flash dance e dos tempos de boates. Ele passou por Apocalipse, Genesis e Caixa Alta, posteriormente foi para as danceterias, Flash Dance, do Casino, Raio Laser. “Trabalhei com Salim, Ricardo e depois ainda fui para outras casas, como Studio 7, quando o Álvaro havia passado para outro dono, e ainda a Fábrica Live”, disse The Paul a O Estado.

Ele se lembra dos tempos áureos de casas cheias na capital. “Toda noite era lotado, seja em qual casa. Realmente era um tempo em que a noite da Ilha fervia”, disse.

Atualmente, como promotor de eventos, em meio à pandemia, The Paul se divide com outras atividades. “Difícil nós voltarmos aos tempos de boates na capital. Hoje nós temos bares com bandas e dificilmente os DJs são as atrações principais. Mesmo no pós-pandemia, não acredito na volta das boates”, disse.

Mais

Alguns DJs importantes que passaram por casas (boates) e discotecas

DJ Paulo Duarte (DJ The Paul)

DJ Carlos Élber

Zé Gaiola (empresário e frequentador)

Paulo Pirulito

Salim Lauande (com mais de 40 anos de pista. Começou no Studio Ganf, depois Apocalipse do Hotel Vila Rica, em seguida Caixa Alta na APCEF e Flashdance no Casino. Por fim, inaugurou a Genesis)

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.