Artigo

A falta que o Censo faz

Luiz Eduardo Neves dos Santos* Yuri Costa**

Atualizada em 11/10/2022 às 12h16

Com grande atraso, o Governo Federal aprovou o orçamento para 2021 no último dia 22 de abril. Nele há cortes financeiros substanciais, que, dentre outras coisas, inviabiliza a realização do Censo Demográfico previsto para este ano. É importante lembrar que em 2019 a atual administração federal, por meio do Ministério da Economia, já havia proposto uma supressão de 25% nos recursos para a produção do recenseamento, originalmente orçado em R$ 3,2 bilhões, provocando grande mal estar entre os técnicos do IBGE, forçados a readequar métodos de coleta, como a diminuição drástica de perguntas nos questionários da pesquisa, aplicados nos mais de 70 milhões de domicílios do país.

A retirada de perguntas nos questionários em comparação a recenseamentos passados – o básico em 2010 teve 34 questões, agora possui 26; o de amostragem, na pesquisa anterior, tinha 112 quesitos, na proposta atual apenas 76 pontos – evidencia grave retrocesso no que tange às informações de variáveis coletadas, já que ocasionará uma ruptura das séries históricas, gerando grandes obstáculos na formulação de políticas públicas e na produção científica de um modo geral. A tendência é que apareçam verdadeiros pontos-cegos estatísticos, dificultando a interpretação e compreensão de fenômenos da realidade nacional.

O Censo Demográfico é o mais extenso, minucioso e completo levantamento de coleta de dados sobre os habitantes que residem no território brasileiro. Dele resultam importantes informações, expressas em forma de textos, gráficos, tabelas, quadros e mapas. O Censo traça um perfil socioeconômico da população, para que o poder público tenha à sua disposição os meios necessários para fomentar políticas destinadas a diversos setores, como os da saúde, educação, segurança, trabalho, habitação, direitos humanos, infraestrutura, assistência social e cultura.

É um trabalho de grandes proporções e envolve uma diversidade de cientistas em sua elaboração. Estatísticos, geógrafos, cartógrafos, economistas, sociólogos e historiadores são alguns dos especialistas que se debruçam sobre dados e informações múltiplas, como mortalidade, idade, renda, esperança de vida, escolarização, fecundidade, migrações, religião e etnia. A cada nova coleta, com periodicidade decenal desde 1940, foi possível perceber as muitas transformações do Brasil, algo viável graças ao aperfeiçoamento de métodos e técnicas de coleta e análise.

A atual gestão pública federal é adepta da racionalidade neoliberal, baseada no discurso da eficiência, liberdade e “enxugamento” do Estado, definidos agora por novas técnicas e competências com vistas na consolidação e expansão de formas mais avançadas do capitalismo no Brasil, reveladas através das políticas de austeridade, da retirada de direitos dos trabalhadores, do avanço do agronegócio em direção à Amazônia e da venda do patrimônio nacional a preços módicos para grandes empresas internacionais, sejam elas do ramo petrolífero, energético e/ou logístico, tudo em detrimento do interesse público e do bem estar da população.

Por isso, testemunha-se hoje uma ofensiva sem precedentes contra intelectuais vinculados ao pensamento crítico, como professores e cientistas, aqueles que produzem conhecimentos, fazem denúncias e buscam a verdade. Não verdades absolutas, mas aquelas passíveis de debates, críticas e, sobretudo, comprovação. O imenso quantitativo de dados gerados pelo Censo Demográfico é uma poderosa ferramenta para pesquisadores, pois auxilia na busca da compreensão e transformação da realidade brasileira, frequentemente camuflada, distorcida e manipulada por uma ideologia hegemônica, que comanda e interfere sistematicamente nos processos de subjetivação de variados grupos sociais.

A não realização do Censo em 2021 e a baixíssima expectativa de que ele aconteça no ano vindouro constituem um duro golpe na já debilitada afirmação da cidadania no Brasil. Dito de outra forma, sem o Censo é impossível construir proposições que almejem combater problemas estruturais inerentes à sociedade brasileira, como as desigualdades socioeconômicas, expressas pela concentração de renda, agravamento da fome, aumento do desemprego e da informalidade, expansão de habitações precárias e da violência no campo e na cidade.

* Geógrafo e professor da UFMA

** Historiador, Defensor Público Federal e professor da UEMA

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