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A ação da OAB contra a COECV

Atualizada em 11/10/2022 às 12h17

A OAB/MA propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei Estadual no 10.246/2015, que instituiu a COECV - Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade, responsável pela mediação prévia ao cumprimento de mandados judiciais de reintegração de posse, propondo acordos para solucionar os conflitos.

A OAB alega que a lei ofende a Separação de Poderes, “impossibilitando o cumprimento de decisões judiciais”. Há pedido cautelar para suspensão das atividades da COECV. O pedido principal é pela retirada da lei do ordenamento estadual, o que dissolveria a COECV. É uma ação de interesse de grupos poderosos: imobiliárias, construtoras, ruralistas, grandes empreendimentos. Os afetados são milhares de famílias vulneráveis: coletividades em ocupações urbanas, camponeses, quilombolas, indígenas sem terras demarcadas, quebradeiras de coco. Ao interpor a ação, a OAB contradiz sua histórica atuação em prol dos direitos humanos.

O Maranhão tem o maior déficit habitacional proporcional do país, o maior número de conflitos fundiários no campo e maior quantidade de camponeses ameaçados de morte. Todos os incluídos no Programa Estadual de Proteção a Defensores de Direitos Humanos são vitimados em conflitos agrários. É um quadro assustador.

As ações possessórias são a forma como tais situações chegam, em regra, ao Judiciário. Há cerca de duas centenas de decisões de despejo para cumprimento no MA, afetando milhares de famílias pobres. É nesse âmbito que se dá a atuação da COECV.

Trata-se de órgão de Estado e não de Governo, composto por Secretarias, PMMA, ITERMA, Defensoria Pública, sociedade civil e participação do Ministério Público e da Corregedoria do TJMA. Desde o início das atividades, dezenas de casos foram resolvidos pela mediação, sem violência, evitando-se tragédias. O fluxo dos trabalhos segue cronologia de entrada dos mandados judiciais e os procedimentos adotados são devidamente informados nos processos judiciais. Antes da COECV, eram comuns despejos com grande violência, sem qualquer mitigação dos seus efeitos devastadores.

Em reintegração ocorrida em 2015, em S. José de Ribamar, Fagner Barros, 19 anos (sem passagem pela polícia) foi morto com um tiro na cabeça por um PM. A COECV estava sendo instalada, sua mediação poderia ter evitado aquela morte.

A lei - aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa - promove a cooperação entre Executivo e Judiciário (enfatizando a Harmonia entre os Poderes) para que os cumprimentos de decisões de despejo respeitem a dignidade humana, fundamento da ordem constitucional brasileira. A Lei nº 10.246/2015 é respaldada por tratados internacionais de direitos humanos. Em destaque, a Convenção 169 - OIT e o Pacto DHESC - ONU.

A OAB tem manifestado publicamente apoiar a existência da COECV e que o estabelecimento de prazos para os procedimentos sanaria sua reivindicação. Mas prazos não precisam ser previstos na lei, podem estar nas regulamentações administrativas (no caso, o Decreto nº 31.048/2015 e o Regimento Interno da COECV).

Ocorre que a OAB anexou aos autos da ADI a cópia de um Regimento Interno que não vigora mais (Portaria no 95/2016). O atual Regimento Interno da COECV prevê prazos. Informação que a OAB demonstra não ter obtido antes de propor a ação, em janeiro desse ano.

Consta no Diário Oficial do Estado de 18.12.2020, o novo Regimento Interno da COECV. O artigo 14, §1º prevê até 5 dias úteis para produção do Relatório de Triagem, que identifica se o caso é de atribuição da Comissão. O artigo 15, §4º estabelece 30 dias (prorrogáveis por mais 30) para que seja concluída a instrução dos casos para apreciação, em reunião aberta ao público. Isso já atenderia o pleito da OAB: prazos.

Pode-se, assim, chegar a um desfecho consensuado, via mediação entre OAB e Estado, que pode ser conduzida pela Defensoria Pública. A dificuldade processual é que ADIs não permitem desistência. A palavra final será o bom senso do TJMA.

Caso contrário, teremos enorme embate público e o agravamento da situação das coletividades mais fragilizadas: as que não têm chão seguro para viver.

Rafael Silva

Advogado popular

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