Expansão

Histórias de quem viveu os tempos da obra da Barragem do Bacanga

O Estado conversou com pessoas que testemunharam ou que viveram os detalhes de uma das obras mais complexas nos últimos anos na capital maranhense

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19
Comportas da Barragem do Bacanga na atualidade, alvo de recuperação no valor de R$ 2,9 milhões
Comportas da Barragem do Bacanga na atualidade, alvo de recuperação no valor de R$ 2,9 milhões

SÃO LUÍS Considerada uma obra complexa, a Barragem do Bacanga foi considerada um dos marcos no desenvolvimento da capital maranhense, pois possibilitou a expansão da cidade para a região recém-criada portuária. Com isso, o poder público, no início da década de 1970, estimulou a ocupação de áreas no entorno do porto, cujo acesso fora facilitado com a construção da barragem, cuja pista construída facilitou o deslocamento populacional.

Antes da construção da barragem, foram discutidas outras possibilidades, como a implantação de uma usina de menor porte para aproveitamento do movimento das águas para a geração de energia. No entanto, concluiu-se na ocasião, de acordo com a equipe de engenharia da época, que sua execução não seria economicamente viável.

A O Estado, um dos integrantes da equipe que encabeçou a obra de construção da barragem, Vicente Fialho, citou outro projeto que contemplaria essa necessidade. “O governo à época percebeu que a execução de uma usina no local em que está atualmente a Barragem do Bacanga não seria rentável. E isso se confirmou com a chegada da energia na barragem de Boa Esperança, com produção abundante e, principalmente, com baixo custo”, disse.

A ideia de execução de uma usina foi posta pelo engenheiro e ex-diretor do DER, Haroldo Tavares. “Ele [Haroldo] havia feito um curso de pós-graduação na França, país esse que mostrou naquele período ao mundo algumas instalações para aproveitamento da energia por meio do movimento das marés”, disse Vicente.

Com a escolha recaindo sob a barragem, coube organizar a mobilização para o início das obras, em meados de 1968. Antes disso, a expectativa era grande na cidade. Registro do Jornal do Maranhão de 1967 aponta para a “ansiedade” do então governador do Estado, José Sarney, para o pontapé das obras.

Segundo o exemplar, em artigo intitulado “Sarney está deslumbrado”, as obras da “Barragem do Bacanga estavam para ser deflagradas por estes dias, reforçando na ocasião aos olhos atônitos da população um cada vez mais acentuado sentimento de satisfação íntima pela chegada do progresso”.

Esse era o sentimento da população que presenciou a construção ou participou diretamente da consolidação da barragem e da atual malha viária de acesso ao Itaqui-Bacanga.

Muitos pescadores tiram o sustento do ofício no lago da Barragem
Muitos pescadores tiram o sustento do ofício no lago da Barragem

A “saga” da reforma da Barragem do Bacanga

Desde 2017, O Estado acompanha as obras de recuperação executadas pelo Governo do Maranhão na Barragem do Bacanga. Descumprimento de prazos pelas empresas contratadas foi apontado pelo Executivo como fator para a demora na recuperação da estrutura.

Em março de 2018, a Secretaria de Estado de Infraestrutura (Sinfra) informou que os trabalhos de recuperação estavam orçados em aproximadamente R$ 7,5 milhões. Durante a primeira etapa dos serviços, de acordo com a Sinfra, foi feita a substituição das comportas, sendo uma do tipo vagão e duas comportas “stop logs” (necessárias para fazer bloqueios na vazão de fluidos), que servem de reforço para as pontes que interligam toda a estrutura.

Atualmente, de acordo com a pasta estadual - com base em nota encaminhada no dia 23 de julho deste ano - foram investidos R$ 2,9 milhões para a promoção de serviços na Barragem do Bacanga, referentes à reimplantação de uma comporta que, segundo o setor, estava “inoperante e obstruída”.

Outros serviços, ainda de acordo com a nota, foram executados, como a implantação de sistema de monitoramento e controle, implementação de procedimentos assistidos com referência técnica para regularização das comportas, de acordo com as tábuas de variação das marés.

Apesar dos reparos, pescadores da região por exemplo ainda reclamam dos impactos na cadeia pesqueira, com o mecanismo atual da Barragem do Bacanga. “Ainda não está correto, pois fica às vezes muito tempo com as comportas ainda fechadas. Passa governo e ninguém resolve”, afirmou seu João de Lima, pescador da região há mais de 30 anos.

Possíveis impactos

Estudos feitos por ambientalistas apontam que, gradativamente, devido ao processo de aceleração urbana e outros fatores, as reservas hidrográficas ligadas à Barragem do Bacanga, em especial, o Rio Bacanga está sofrendo diminuição na capacidade de armazenamento de água.

Em seu auge, há vários anos, a reserva chegou a armazenar até 8 milhões de metros cúbicos de água. Especialistas apontam para a gravidade do quadro nos próximos anos.

Nota da Sinfra

A Secretaria de Estado da Infraestrutura (Sinfra) informa que foram investidos cerca de R$ 2,9 milhões para a realização de serviços na Barragem do Bacanga, referentes à reimplantação de uma comporta que estava inoperante e obstruída.

Além disso, foi feita a recuperação das 6 comportas auxiliares (stop-log) que estavam inoperantes; execução da sala de controle, monitoramento e operação; recuperação estrutural de uma das pontes da barragem que oferecia maior comprometimento; implantação de sistema de monitoramento e controle (alarmes, CFTV, marégrafo, motores automatizados); implementação de procedimentos assistidos por ambientalista para regularização da operação das comportas segundo estudos de tábuas de variação de marés; urbanização da área interna de operação; e segurança e adaptação do pavimento para operações com guindastes na área.

Todos os serviços citados já foram concluídos.

Manoel Santos, hoje aposentado, foi operário na obra da barragem
Manoel Santos, hoje aposentado, foi operário na obra da barragem

O padeiro que carregou nas mãos o progresso a partir da Barragem

Em uma casa no bairro Sá Viana, mora há sete décadas o aposentado Manoel Santos. Conhecido popularmente por “Rosa Padeiro”, por ter sido proprietário de uma padaria no bairro, ele foi um dos muitos operários a trabalhar na construção da Barragem do Bacanga.

Sua função básica era, a partir de uma canoa, transportar pedras que seriam usadas no aterramento da via. “Buscava essas pedras no Bonfim, na Ponta do São Francisco e em outros locais. Era dia e noite trabalhando nesta obra. Muita gente se dedicou para fazer essa barragem”, disse.

Ao chegar com as pedras, Manoel Santos também carregava o material até o local em que seria juntado ao material de sustentação da pista e da barragem. “Nunca se viu para estas bandas um movimento de gente tão grande”, afirmou.

À época, “Rosa Padeiro” já morava no bairro Sá Viana que, na ocasião, registrava “apenas” 53 casas. “Uma delas era a minha, mas tinha pouca gente ainda. No entanto, a obra foi boa pois tirou a gente da lama e deu melhor condição de moradia”, disse.

“Padeiro” cita outras pessoas já falecidas e que ajudaram no erguimento desta importante obra, como “Sabino”, “Zé Baixinho”, “João Fama” e Manoel Costa. “Todos eles também foram guerreiros e auxiliaram na compactação do terreno. Dali, eles fizeram a estrutura toda para a passagem das marés”, disse “Padeiro”.

O aposentado lembrou ainda que os serviços sofreram modificação da empresa responsável. “Teve um período em que mudou a empresa e aí a obra parou por um tempo, depois sendo retomada. Consegui ganhar uma renda na ocasião boa”, afirmou.

Sobre a atual configuração da obra, “Rosa Padeiro” – que há alguns anos ainda continha saúde para exercer a atividade pesqueira no Rio das Bicas - disse que a Barragem não favorece ao crescimento da população de peixes. “Tem muito peixe bom que morre pois simplesmente não é feita corretamente a passagem da água, e aí os peixes que ficam do outro lado morrem sufocados”, afirmou.

Os problemas ambientais, aliás, são um problema no entorno da Barragem do Bacanga. Somada à perda de boa parte dos cardumes de diferentes espécies, estão a sujeira nas margens dos rios. O Estado flagrou lixo sendo despejado no entorno da Barragem do Bacanga. Apesar da coleta na região ser feita regularmente, a falta de conscientização das pessoas ainda gera o impacto na cadeia natural da região.

Amélia Ferreira, hoje aposentada
Amélia Ferreira, hoje aposentada

A costureira que “testemunhou” a obra de sua casa na madre divina

Em uma humilde casa na Madre Deus, mora uma simpática aposentada de 84 anos, dona Amélia Ferreira Mattos. Costureira por opção, ela foi uma das testemunhas da obra da Barragem do Bacanga.

Moradora do bairro há mais de cinco décadas, a aposentada ainda se lembra do grande volume de operários mobilizados nos serviços. “Daqui de cima, dava para ver eles aterrando tudo até a altura daqui da igreja [de São Pedro]. Era uma coisa que a gente não achava que iria dar no que deu”, afirmou.

Ela lembra da importância da barragem para o avanço à área Itaqui-Bacanga. “No Sá Viana, por exemplo, somente tinha uma casa. Era uma grande amiga que até veio a falecer. Antes da barragem, a gente passava para o outro lado do rio de casquinho, um barquinho pequeno que fazia barulho. Eu passei muitas vezes para o outro lado assim e com a barragem facilitou”, disse.

A aposentada lembra do esposo, seu Antônio (já falecido), e que também acompanhou os serviços. “Ele não chegou a trabalhar, mas adorava ver os trabalhos. E antes, atravessa de barco e nadava nestas águas”, disse dona Amélia.

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