Artigo

Os Donos do Poder

Lino Raposo Moreira, PhD, economista, membro da Academia Maranhense de Letras

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

A pandemia causada pelo novo corona vírus, provocou em muita gente, no Brasil e no mundo, mudanças em diversos aspectos de seu comportamento, antes tomados como imutáveis. Dessas transformações, algumas permanecerão sobre novas bases, outras voltarão a ser as mesmas de antes. Neste último aspecto, tivemos no último fim de semana, no Rio de Janeiro, um exemplo perfeito dos sérios danos que o patrimonialismo brasileiro, herdeiro do de Portugal e parente próximo do clientelismo, causa a uma sociedade cuja história se assenta em grande parte nesse pilar danoso à construção de uma nação próspera e de uma verdadeira República de cidadãos iguais em direitos e deveres.

Refiro-me a deplorável episódio ocorrido no Leblon, no Rio de Janeiro, quando, pela primeira vez desse o início da pandemia, voltaram a funcionar bares e restaurantes, sob o pressuposto do estrito cumprimento, pelos frequentadores desses estabelecimentos, das regras estabelecidas pelos governantes estaduais e municipais, mas não do governo federal. O desrespeito prevaleceu, com aglomerações imensas em bares.

O presidente Jair Bolsonaro incentiva a ocorrência de situações como essa, pois considera a covid 19 tão só uma gripezinha sem efeitos sérios na saúde dos infectados. Tanto é assim, que ele acaba de vetar diversos artigos da lei 14.019, aprovada pelo Congresso, prevendo o uso obrigatório de máscara em órgãos e entidades públicas, bem como em estabelecimentos comerciais, industriais, templos religiosos, instituições de ensino e locais fechados durante reuniões. A taxa de contaminação poderá aumentar bastante, se o Congresso não derrubar o veto. Isso é feito exatamente por ocasião da divulgação de um documento de cientistas de vários países com recomendação de mais rigor na exigência, pelas autoridades, do uso da máscara, pois estudo recente mostrou, além da já comprovada existência das gotículas, a presença em ambientes fechados de uma nuvem de aerossol capaz de permanecer em suspenso por várias horas, cheias de colônias de vírus, como ocorre em penitenciárias, isentas também do uso de máscara, pelo presidente.

Tinha muita gente no Leblon clamando pelo direito de ir e vir. Ora, todos nós podemos e devemos exercê-lo livremente, se o seu exercício não interferir no direito alheio nem implique o descumprimento das leis. Se os participantes de aglomerações desejam contaminar apenas a si mesmos, se isso for possível, devem ir em frente e realizar o desejo mórbido. Mas não é assim. Eles contaminam muitos outros, numa cadeia de contágio. Portanto, nessa circunstância, o direito deles desaparece ante o da sociedade.

O máximo do espetáculo de boçalidade, porém, foi a agressão verbal de um casal a um fiscal da prefeitura na porta de um restaurante. Quando ele se dirigiu ao homem, usando o termo cidadão, teve esta resposta da mulher: Cidadão não, engenheiro civil, melhor do que você”. Essa é atitude típica de uma certa classe média, não de toda ela, é evidente, que julga ter o poder se apropriar das instituições estatais, para uso próprio, da guarda municipal neste episódio. Acontece em todas as áreas da vida pública, produto, creio, do patrimonialismo nacional, capaz de deletar a linha divisória entre os assuntos públicos e os privados. Todo mundo diz obedecer às leis, menos se estas prejudicarem pretensos donos do poder. É a nossa sociedade.

É preciso voltar a “Os donos do poder”, de Raymundo Faoro.


Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.