Artigo

O São João nunca vai acabar

Steffano Nunes, Médico veterinário e estudante de Economia

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

Junho chegou e pela primeira vez, com ele, não chega o São João. Este ano não teremos as festas juninas porque a pandemia chegou antes e teima em ocupar no calendário um espaço que não lhe pertence. Alguém precisa dizer ao novo coronavírus que aqui no Nordeste e no nosso querido Maranhão o sexto mês do ano pertence aos festejos comandados por Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal.

O contagiante tambor de crioula, o cacuriá, a beleza da dança do laço, a graciosa dança portuguesa, a quadrilha da roça com seus “anavantús”, “anarriês” e as hilárias histórias contadas no momento do casamento retratando a vida caipira. O nosso Bumba meu boi é o ponto alto. A saga de Pai Francisco e Catirina na busca pela língua do boi. Um teatro popular ao ar livre que reúne negros, brancos e índios em uma bela história retratada também nas nossas músicas populares como as cantadas pelo saudoso Papete: “Catirina que só quer comer da língua do boi...”. Papete e sua voz são a cara do nosso São João.

Os sotaques de matraca, zabumba, da baixada, o raro costa de mão e de orquestra fazem parte da nossa vida, assim como os caboclos de fita, as índias guerreiras, os cazumbás e os bois dançando através dos seus “miolos”. Os “cantadores” puxando os refrões das “toadas” como as do meu querido boi de Axixá, comandado pela incansável amiga Leila Nava: “quando eu me lembro da minha bela mocidade...”. Isso tudo nos revigora e reforça os laços com a nossa terra e a nossa cultura. É uma emoção que necessitamos renovar ano a ano.

As nossas comidas típicas são outro capítulo. É a época de juntarmos arroz de cuxá e vatapá com torta de camarão; arroz maria Isabel com torta de caranguejo e farofa; mingau de milho, milho assado e milho cozido na espiga. É a época da canjica e da nossa pamonha que é única, feita com milho, coco e enrolada na casca da bananeira.

São João também é importante para a nossa economia. Muitos turistas nos visitam neste período. A nossa rede hoteleira respira um pouco mais aliviada. Os armarinhos, as costureiras, os restaurantes e os pipoqueiros nas portas dos arraiais e das escolas, que também fazem suas festas de São João. Muita gente, de certa forma obtém renda que se associa aos festejos juninos.

Óbvio que o sentimento de nostalgia não pode esconder a dureza da realidade. Temos uma doença grave que se dissemina com rapidez e é fatal. O momento é de salvar vidas. Essa é a prioridade. Travamos uma dura batalha que nos priva de momentos que queríamos continuar tendo, mas infelizmente não podemos e compreendemos que isso agora não vai ser possível.

Quando eu disse pra minha filha Mariana que este ano não teríamos São João, ela reagiu assustada: “Como assim, não vai ter São João?”. Depois caiu em si e lembrou que já estamos em junho, que existe uma pandemia e que já não temos tempo de reverter a situação para este mês. Enquanto conversávamos surgiu uma ideia. Pensamos em um meio-termo. Se a pandemia recuar até setembro, podemos pensar em uma espécie de São João Fora de Época.

Ainda teríamos a dor da perda de muitos parentes e amigos, e não conseguiremos fazer da mesma forma de antes, é verdade, mas pelo menos teremos uma maneira de homenagear a todos que se foram e que amavam essa festa. Mesmo que seja no final do ano, a partir de outubro, novembro ou mesmo dezembro, poderíamos ter as nossas festas juninas de 2020 e deixar registrado para todo o mundo e para a nossa história que aqui no Maranhão o São João NUNCA vai acabar.

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais Twitter, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.