Artigo

A pandemia e as arestas da humanidade

Pe. Jânio Carvalho dos Reis, Pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus - Bequimão; Psicólogo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

É possível tirarmos lição da hecatombe que estamos a viver? Estamos dispostos a construir uma nova humanidade pautada na cooperação, ternura, razão cordial? Não sabemos, pois, já tivemos outras oportunidades tão trágicas e desumanas e não o fizemos, não mudamos de rumo. Quando Hernán Cortés, em 1519, chega ao planalto de Anahuac (México), acadêmicos estimam que ali havia 25 milhões de habitantes; depois de 76 anos, em 1595 restavam apenas 1. 375.000 hab, ou seja, a presença do colonizador e sua espada mortífera tinha ceifado de 25 para 1.

A Segunda Guerra Mundial dizimou 85 milhões de seres humanos, dos quais 50 milhões eram civis. Essas barbáries infelizmente não foram suficientes para nos ajudar na construção de uma civilização com respeito ao diferente, da valorização da vida, além de continuar em nossas veias o DNA e o instinto genocida dos nossos colonizadores. A indústria da carnificina em nada serviu para nos sensibilizar, continuamos indiferentes, insensíveis, mumificados. Apostando na força bélica, da virulência para apaziguar as disparidades sociais. Será que esse novo hecatombe que se anuncia, nos levará a uma mudança de rumo? De postura? De comportamento?

Mas deixemos o pessimismo para dias melhores, como diz o poeta. Estamos diante de algo completamente novo. Toda a humanidade está em risco e poderá ser sucumbida por um inimigo invisível, como invisíveis também são aqueles que foram gerados por políticas que sobrepõem às cifras econômicas em detrimento dos valores da vida, não apenas humana, mas de todo o ecossistema planetário. Enfim, precisamos sair da pandemia dispostos a construir um novo paradigma, agora alicerçado verdadeiramente na corresponsabilidade, sensibilidade humana, compromisso social, sobretudo, com a Casa Comum.

Insensíveis como somos, nada fazemos, sempre o problema é no outro e do outro, nunca meu. Mas não podemos nos dar o luxo da esquiva, da “postura do avestruz”, podemos e devemos fazer algo na esfera religiosa, como faríamos um bem enorme se trocássemos a teologia da prosperidade pela do cuidado; na esfera econômica: da voracidade do lucro e concentração de renda para a distribuição equitativa; na política: da má gestão administrativa/burocrática, para a responsabilidade e eficiência não só de arrecadar tributos mas de utilizá-los; na ciência, descermos do pedestal autossuficiência, arrogância intelectual, para valorização de outras fontes de saber e de conhecimento.

A crise não é apenas do Covid-19, esse pode não ser como ingenuamente pensamos, o elemento causador, mas simplesmente, demonstra ser o sintoma de algo mais grave e profundo que está acontecendo – a terra como um superorganismo vivo está perdendo sua capacidade de se autorregular, os acadêmicos estão cada vez mais convencidos de que os tsunamis, maremotos e secas..., enfermidades atuais como: dengue, ebola, chikungunya e o próprio Covid-19..., apontam para o esgotamento autorregulador da própria terra. “Nunca maltratamos e ferimos nossa Casa Comum como nos últimos dois séculos”, afirma o papa Francisco. A agressão é tão truculenta que a cada ano varre-se da face da terra mais de mil espécies de seres vivos. Não estamos vivendo aquilo que J. Lovelock nominou como “a vingança da Gaia”?

A solução da crise de proporção planetária, seria apenas encontrar a tão desejada e esperada vacina? Possivelmente, não! a mãe terra jamais se contentará com migalhas, sua ferida visceral é tamanha que seu clamor urge por atitudes, comportamentos capazes de respeitar seus limites e ritmos, posturas que nos faça filhos e filhas e não algozes, nefastos, geocidas. Sob pena de não mais nos querer sobre a sua face. A terra demonstra ser a grande profetisa que em tempo de escuridão existencial pronuncia seu oráculo: “Ela não precisa de nós. Nós precisamos dela”. É possível que estejamos diante da última oportunidade que ela nos oferece para recomeçarmos a repensar e mudar as nossas atitudes ecocidas, construindo um novo paradigma humano e civilizatório.

Email: janioreis16@yahoo.com

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