Artigo

A cidade em dois tempos

Antônio Augusto Ribeiro Brandão, Economista. Membro Honorário da ALL e da ACL. Filiado à IWA e ao Movimento ELOS Literários

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20

Costumo circular por Caxias tendo visões diferentes da cidade e esses olhares podem variar dependendo das circunstâncias. Se estiver pensando no passado e sentindo saudades de tudo e de todos, a visão é cheia de imagens coloridas e de pessoas com as quais convivi; se estiver no presente, enfrentando a realidade nua e crua do dia-a-dia, a visão é cheia de muitas imagens desgastadas e de algumas pessoas estranhas.

Depois que Antônio Brandão, meu saudoso pai, morreu, fiquei quase dez anos sem ver a cidade; acho que foi uma espécie de mágoa que me manteve fora dali por tanto tempo. É que ele, naqueles dias, estava exatamente cuidando da reforma de um bem que era nosso maior patrimônio: a casa situada à rua Benedito Leite, antiga rua do Cisco, nº 721, onde moramos desde 1946, bem próximos da que pertenceu ao pai e onde morou o poeta Antônio Gonçalves Dias.

A morte de meu pai foi um grande choque para todos nós; ele sempre dizia: “quero ser enterrado no solo em que morrer”, mas minha mãe não permitiu. Eu mesmo fui buscá-lo, numa manhã de janeiro daquele longínquo 1980, trazendo seu corpo para ser enterrado onde está, aqui, em São Luís, no cemitério do Gavião; até aquele ano podíamos ir a Caxias e quase todos ainda desfrutavam do aconchego daquela casa, da vizinhança, dos amigos de então.

Em alguns momentos, tenho ainda hoje uma visão romântica da cidade: penso que possa ainda ver o João Severo, no balcão da loja que leva o seu nome na fachada, no Largo da Cadeia; mais adiante consiga fazer compras no Mercado, no mesmo Largo; passando pelo Largo da Matriz, seja possível avistar membros das famílias Barbosa, Cruz, Pereira, Lobo, sentados à porta; subindo a rua Aarão Reis tenha a oportunidade de olhar o Zé Simão, o Gentil Menezes, meu pai no escritório da sua Casa Brandão (ainda hoje o nome está lá, gravado no chão da calçada, em letras de cimento branco que teimam em não desaparecer).

Passando pela Praça Gonçalves Dias não posso deixar de lembrar, de ‘ver’ moças e rapazes ‘rodando’; de ouvir o som dos alto-falantes; de presenciar o ir-e-vir ao (do) Cine Rex; de dançar nos bailes do antigo Cassino. Acreditem: sou capaz até de sacudir a argola da porta da nossa antiga casa querendo entrar e encontrar as pessoas que nela viveram.

Ninguém pode avaliar essa visão senão os mais velhos. É muita nostalgia, uma melancolia que teima em não sair de mim. É muito amor pela terra e sua gente.

A outra visão que tenho da minha cidade, do seu presente, é bem diferente. Tudo está no mesmo lugar: as casas, as ruas, as praças, as igrejas; o tempo, contudo, encarregou-se de desgastar essas imagens, de quase todas as coisas, de fazer desaparecer casas tradicionais, de modificar usos e costumes.

As pessoas são outras e não têm obrigação de conhecer os que vieram antes delas, nem sua história nem suas vitórias e derrotas; simplesmente vivem o presente, vieram depois, suas lembranças são de outros tempos, suas referências históricas mais recentes.

Para mim, Caxias continua sendo aquele espaço mágico da infância e da adolescência, da minha juventude: ouvíamos muito rádio, íamos muito ao cinema, ‘curtíamos’ muita e boa musica na voz dos grandes cantores nos alto-falantes, namorávamos ‘rodando’ na Praça.

De vez em quando essa cidade amanhece em brumas, como nos meus tempos de soldado, no TG 194, e de jogador de ‘peladas’, no campinho do Largo de Santa Luzia.

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