Carnaval

Carnaval é da rua e dos blocos populares, a essência da festa

Nas cidades mais tradicionais e que popularizaram a festa, o "juntar-se" foi estimulado por pessoas que perpetuaram grupos marcantes por suas irreverências, seja no nome ou na dinâmica das atividades

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

[e-s001]O Carnaval é, em sua essência, a festa da espontaneidade e, por essa razão, inspira simpatizantes e foliões a montar grupos para que, juntos, possam curtir a festa que também suscita elementos de coletividade e agrupamento social. Nas cidades mais tradicionais e que popularizaram a festa, o “juntar-se” foi estimulado por pessoas que, além de valorizar a tradição mais popular do país no aspecto cultural, também perpetuou grupos que, por suas irreverências, seja no nome ou na dinâmica das atividades, são conhecidos por foliões e não-foliões.

Em São Luís, mais especificamente em bairros que respiram a cultura, como a Madre Deus, por exemplo, a cada esquina brotam estas manifestações que, nas décadas de 1970 e, principalmente, em 1980, nasceram e aos poucos receberam novos seguidores e simpatizantes. O Estado, nas últimas semanas, se aprofundou em pesquisas para conhecer alguns destes grupos que, sem eles, a festa de Carnaval.

Antes de saber das histórias de grupos, como Máquina de Descascar’Alho, Fuzileiros da Fuzarca, Os ritmistas, C. de asa, Acorda Maroca, Não Enrixiriza Malandro, Vagabundos do Jegue, Canto Quente, Cobra nas Estrelas, Bicho Terra, Banda do Galo, Rola Cansada e tantos outros que marcaram ou ainda fazem parte da rotina carnavalesca da capital maranhense, é necessário entender de quais fatores surgiu a necessidade de sair por aí curtindo a folia.

Até o fim da primeira metade do século XX, conforme citado pelo pesquisador cultural, Ananias Martins, o Carnaval da cidade estava inserido na temática dos cordões. Foi neste contexto, por exemplo, que surgiram os primeiros grupos do gênero mais popular. O mais representativo e em atividade é o Fuzileiros da Fuzarca. Nascido em 1936, a manifestação nascida e criada na madre divina consagrou nomes como Patativa e Zé Pivó.

Em seguida, conforme O Estado explicitou há algumas semanas, a folia de momo na cidade foi caracterizada pelas chamadas turmas. Foi aí que surgiram a Turma de Mangueira, a Turma do Quinto e tantas outras que, mais tarde, viraram agremiações carnavalescas com cunho mais organizado e inserido na programação oficial organizada pelo poder público.

Nas décadas de 1960 e 1970, no contexto da Madre Deus, desfilavam outros grupos com cunho popular, como “O Cruzeiro”, que passava pela Rua 1, situada ao lado do histórico Largo do Caroçudo (chamado assim devido a um grupo denominado Caroçudo que se destacou em determinado período no bairro famoso ludovicense).

Além de “O Cruzeiro”, outros dois grupos marchavam com alegria e irreverência com seus fiéis seguidores e admiradores da Madre Deus até o Canto da Viração (Praça Deodoro), passando pelas ruas de São Pantaleão e do Passeio. Neste contexto, surgiram compositores e nomes famosos, como “Sapinho” que, com suas canções famosas, mantinham a força da festa na região central da cidade.

Após o surgimento de blocos pós-carnaval dos cordões, nas décadas de 1970 (mais especificamente na segunda metade) e início da década de 1980, o carnaval passa por transformação, motivada pelo poder público.

[e-s001]A transformação: a volta dos blocos a partir da Máquina
Na década de 1980, com a inserção da programação carnavalesca de passarela e popularização dos clubes, como Jaguarema e Casino (na Beira-Mar), o carnaval de rua perdeu espaço. Era evidente o interesse dos foliões em saber como se daria o carnaval a ser brincado a partir de espaços internos ou admirando escolas de samba, com suas alegorias e adereços.

Foi neste cenário que surgiram iniciativas, como o Vagabundos do Jegue. Segundo moradores mais antigos da Madre Deus, trata-se de uma das primeiras formações de grupos organizados (ou nem tanto) montados para brincar o carnaval. Depois, surgiram nomes como Velozo, Joquinha, Aquiles, Amauri e Alan, do famoso grupo Regional 310 e das rodas de samba, aliados com outras pessoas, como Boscotô, por exemplo, que vez ou outra faziam um samba pelas ruas do Centro viram a necessidade de rememorar o carnaval de rua, na sua essência, não somente apegado à programação oficial. Antes da Máquina sair pelas vias, o Unidos de ÚItima Hora foi o nome dado inicalmente à brincadeira que surgiria depois.

Em 1984, o bloco saia da Madre Deus, sem hora acertada (manhã, tarde ou noite). Um ano depois, com o crescimento da manifestação e inserção de simpatizantes, pensou-se numa denominação diferente, que fugisse à “ÚItima Hora”.

Coube a Silvério Costa Júnior, conhecido por “Boscotô”, contar a O Estado como se deu o surgimento de um dos blocos recentes mais populares da cidade. “Como muita gente passou a se inserir na programação do então Última Hora, sugeriu-se um nome voltado para a bagunça, a inclusão de mais pessoas. E aí, alguém teve a ideia da Máquina. O Alho veio somente depois”, explicou.

Em 1º de janeiro de 1986, a Máquina começou a sair definitivamente com esta referência na rua. Sem qualquer propaganda (rede social ou cartaz ou outra forma de divulgação), a brincadeira ganhou adeptos por sua descentralização, ausência de preocupação com inserção em conteúdo oficial. O complemento do termo Máquina também se associa à irreverência da festa. “Depois de sair somente como Máquina, pensou-se em um complemento. Como a Máquina tinha que ter uma função, ela recebeu o alho, um alimento até então conhecido por ser afrodisíaco e, claro, pela associação com uma palavra pejorativa, que também marca o Carnaval, ou seja, a despreocupação com a formalidade”, frisou Boscotô.

Boscotô, no surgimento da Máquina, até então estava com 20 anos. Suas referências estão agregadas na década de 1970, com Turma do Quinto e Fuzileiros, que desfilavam com seu batuque consagrado pelas ruas. “Na década de 1970, mesmo com a queda do Carnaval de rua, internamente a Madre Deus ainda fervia com estas e outras manifestações que fizeram e ainda fazem parte da história do carnaval de rua da cidade”, afirmou.

A partir da década de 1990, com a inclusão dos circuitos de rua, incluindo o da Madre Deus, a Máquina de Descascar’Alho (já com esta referência), passou a ser referência também na programação oficial da cidade. No entanto, antes deste processo, por cinco anos, houve resistência a este processo. “Nosso bloco, antes de ser inserido na programação oficial, seguia na contramão dos outros blocos que estavam inseridos na apresentação do Governo do Maranhão e da Prefeitura de São Luís. Após isso, foi inevitável a inserção no Carnaval de Rua”, frisou Boscotô.

A cada 1º de janeiro, a Máquina dá a largada na programação do carnaval da capital maranhense. Em 2021, o ano será especial, já que a manifestação surgida genuinamente dos guetos da madre divina e sem qualquer preocupação com a padronização estética (a não ser pela presença do estandarte oficial) completará 35 anos de história.

Com suas músicas de duplo sentido históricas, o grupo permanece no repertório com as tradicionais músicas ou marchinhas de carnaval, valorizando as músicas da velha guarda e respeitando a orientação dos grandes boêmios da Madre Deus.

Carnaval é da rua e dos blocos populares, a essência da festa

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