Guarda Revolucionária do Irã promete ''vingança mais dura''

Apesar do sobe e desce da retórica oficial iraniana, analistas não esperam novos ataques diretos contra os Estados Unidos

Ameaça

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21
O líder supremo Ali Khamenei cumprimenta o novo comandante das Forças Quds, Esmail Qaani
O líder supremo Ali Khamenei cumprimenta o novo comandante das Forças Quds, Esmail Qaani (Reuters)

TEERÃ — Um dia após o presidente americano rejeitar qualquer retaliação direta ao ataque do Irã contra bases que abrigam soldados americanos no Iraque, o tom das declarações oficiais iranianas sobre a crise no Oriente Médio voltou a subir. Um comandante iraniano declarou que a República Islâmica, em breve, realizará uma “vingança mais dura” contra os Estados Unidos em retaliação ao ataque aéreo ordenado pelo presidente Donald Trump que matou o general Qassem Soleimani, comandante das Forças Quds, unidade de elite das Forças Armadas responsável pela articulação de grupos pró-Irã em países como Síria e Iraque.

Em declarações para a agência de notícias oficial Tasnim, Abdollah Araghi, comandante sênior da Guarda Revolucionária, disse que Teerã “irá impor uma vingança mais dura ao inimigo em um futuro próximo”. Segundo a versão em língua inglesa do mesmo veículo, o vice-comandante da Guarda, Ali Fadavi, também jurou uma retaliação mais severa.

"A operação foi apenas mais uma manifestação de nossas capacidades. Nenhum país já fez um ato tão grande contra os Estados Unidos como nós. Nós jogamos dezenas de mísseis no coração da base dos EUA no Iraque e eles não puderam fazer coisa nenhuma", disse Fadavi.

Na noite de terça-feira, dia do ataque no Iraque, o tom do chanceler iraniano, Javad Zarif, foi bem diferente. No Twitter e em inglês, Zarif disse que o Irã havia "tomado e concluído medidas proporcionais de autodefesa" em represália à morte de Soleimani. O tom de Zarif e o fato de o ataque iraniano não ter matado soldados americanos — deliberadamente, segundo a avaliação de analistas e diplomatas — deram o gancho para Trump afirmar, na quarta-feira, que o Irã estava "recuando", e que por isso não haveria uma nova ação militar americana.

A diferença de tom entre autoridades iranianas é habitual, e muitas vezes depende de para quem se está falando — se para o público interno ou externo — e também da posição de quem fala no jogo político na República Islâmica, se no lado conservador ou reformista, este mais aberto a negociações com o Ocidente.

Comunicado

O novo comandante das Forças Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária, Esmail Ghaani, divulgou um comunicado na terça-feira,7, prometendo continuar a seguir a agenda regional traçada por Soleimani. Ele também reforçou declarações feitas previamente pelo aiatolá Ali Khamenei e pelo presidente Hassan Rouhani de que o objetivo final iraniano será expulsar as tropas americanas do Oriente Médio. No entanto, nem Khamenei nem Rouhani deram um prazo para que isso aconteça, mostrando que é uma meta de longo prazo.

As avaliações de que o Irã teria deliberadamente optado por não mirar alvos civis foram confirmadas nesta quinta-feira pelo chefe da Força Aérea da Guarda Revolucionária, Amirali Hajizadeh. À TV estatal, ele disse que o alvo do ataque não era os soldados dos EUA, mas sim a “máquina militar” americana.

Acostumados ao sobe e desce da retórica iraniana, especialistas afirmam que o Irã não busca uma guerra convencional com Washington. Pode haver em futuro próximo ataques por meio de milícias pró-Irã nos países vizinhos, mas ainda assim há indicativos de diretrizes vindas de Teerã para que os grupos evitem ações militares contra forças americanas.

" Eu não espero novos ataques diretos do Irã. É provável que nós vejamos respostas indiretas por meio de grupos aliados", disse Ali Alfoneh, pesquisador do Instituto de Estados do Golfo.

Cartas à ONU

Os Estados Unidos foram ao Conselho de Segurança da ONU, que se reunirá nesta quinta-feira, para se justificar pelo assassinato de Soleimani. Em uma carta, a embaixadora Kelly Craft afirmou que Washington agiu em autodefesa e prometeu tomar novas ações, “caso seja necessário”, para proteger os militares americanos na região.

“[O ataque] é uma resposta ao aumento, nos últimos meses, de uma série de ataques armados realizados pela República Islâmica do Irã e milícias pró-Irã contra forças e interesses americanos no Oriente Médio”, diz o documento. A operação, segundo a diplomata, justifica-se pelo Artigo 51 da Carta da ONU, que prevê o direito de resposta em caso de agressão.

A mesma cláusula, que já havia sido citada por Zarif, figura na carta do embaixador iraniano, Majid Takht-Ravanchi, à ONU, sobre o ataque às bases no Iraque. De acordo com o diplomata, a “operação foi precisa e com alvos militares, não deixando danos colaterais para civis ou instalações civis na região”.

O embaixador descartou a oferta de Trump de renegociar, sem condições prévias, o acordo nuclear de 2015, classificando-a como "inacreditável". Segundo Takht-Ravanchi, quaisquer negociações não terão significado se os EUA continuarem com seu "terrorismo econômico" de sanções contra Teerã. Em seu discurso de quarta-feira, Trump disse que aumentará ainda mais as sanções em vigor desde que Washington abandonou o pacto, em 2018, mas não deu maiores detalhes.

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Papa pede diálogo

Em paralelo, em seu primeiro pronunciamento direto sobre a crise, o papa Francisco pediu que Washington e Teerã “mantenham acesa a chama do diálogo e do autocontrole, em respeito completo ao direito internacional”. A questão foi abordada durante um discurso conhecido como “Estado do Mundo”, feito anualmente para mais de 180 embaixadores credenciados pelo Vaticano.

"Particularmente preocupantes são os sinais que vêm de toda a região após a escalada das tensões entre o Irã e os Estados Unidos", disse o papa. "[As tensões] arriscam comprometer o processo gradual de reconstruir o Iraque, além de criar espaço para um conflito maior que todos queremos evitar".

Tom similar foi adotado pelo importante clérigo xiita iraquiano Moqtada al-Sadr, que fez um apelo para que as milícias apoiadas pelo Irã atuem com paciência, não comecem ações militares e "desliguem as vozes extremistas de alguns elementos isolados". Ele, no entanto, defendeu que Bagdá deve acatar a decisão de seu Parlamento de expulsar as tropas americanas do Iraque.

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