Opinião

Ainda a Missa do Galo

Lino Raposo Moreira, PhD, economista, membro da Academia Maranhense de Letras

Atualizada em 11/10/2022 às 12h21

Na semana passada, no dia de Natal, publiquei aqui uma crônica, na qual eu falava do poema de Machado de Assis, “Um Soneto de Natal”. Ele tem como último e célebre verso este: “Mudaria o Natal ou mudei eu?” A pergunta representa o drama de um homem que, na noite de Natal, tenta compor um soneto de recordações de seus dias de menino, levando ao papel “As sensações da sua idade antiga”, mas fracassa na tentativa e faz, então, aquela pergunta famosa. É claro, para mim, a mudança no Natal ocorre o tempo todo. Aos poucos, mas ocorre na forma de comemorar, no menor ou maior apreço dado a ele pelas sucessivas gerações, no ardor relativo à figura de Jesus Cristo. Mas a ideia de um filho de Deus, de um único Deus, que enviou seu filho à Terra com o fim de padecer e morrer pela salvação dos homens não mudou neste mais de dois mil anos de cristianismo. Mencionei também “A Missa do Galo”, como o de minha preferência entre todos os de Machado, dotado da sutileza característica do grande escritor, presente ao longo de toda sua longa obra.

O extraordinário feito, segundo penso, de, a partir de um início humilde de um grupo de homens igualmente humildes até aquela célula inicial no Oriente Médio tornar-se em poucos séculos a religião do Império Romano e daí espalhar-se por quase o mundo todo, constitui realmente um milagre e não dos pequenos. Os crentes não duvidam disso. Foi milagre e é milagre em qualquer sentido a ele dado, mundano ou religioso.

Mas o que eu queria comentar com os leitores e quase me ia afastando de minha intenção inicial é o fato de, no mundo das redes sociais de internet, não se poder mais esquecer de nada. Dos aniversários dos amigos, por exemplo, mas principalmente das nossa próprias coisas, dos nossos escritos, nossas ideias atitudes e como elas sofreram ou não alterações; sutis, às vezes mal percebidas por nós mesmos. Se alguma coisa está na grande rede, suas pegadas só desaparecerão - fica-se com a sensação - com o desaparecimento do nosso planeta, mas sem a angústia daquele personagem de Woody Allen, um garoto que entrou em profunda depressão, após saber do fim da Terra daqui a milhões de anos.

Na segunda-feira passada estava eu dando uma olhada no facebook, quando salta de lá uma lembrança desenterrada por esse aplicativo de uma crônica que eu havia escrito em 2015, aqui mesmo em “O Estado do Maranhão”. Ora, a lembrança tinha deixado de sê-lo, pois dela não me recordava mais. O interessante, porém, era o texto mais antigo ser semelhante, em alguns pontos, ao de minha crônica da semana passada, acima mencionada, sem eu ter pensado na primeira. Eu dizia em 2015:

“Talvez por isso, mas não apenas por isso, o conto de Machado de Assis mais do meu agrado é A Missa do Galo, obra prima do conto sem enredo e de uma única situação concentrada, simultaneamente um clima de tranquilidade e tensão, no encontro entre um jovem que espera a Missa do Galo e uma jovem senhora infeliz no casamento. Mil sugestões emergem de um simples diálogo entre os dois. Sem o Natal, sem o clima do Natal, tal tesouro teria ficado por ser criado”. Muito parecido com o texto recente.

Aí, fui procurar em minhas anotações outras referências, nas minhas crônicas, à Missa do Galo e encontrei mais duas. Uma em 26 de dezembro de 2010, e outra em 24 de dezembro de 2000, suficientes à demonstração de minha constante admiração por Machado.

Feliz Ano Novo a todos.

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