Artigo

Codinome Clemente em debate na ABI

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22

A Associação Brasileira de Imprensa, sediada no Rio de Janeiro, convidou-me a reabrir o cine ABI, no próximo dia 28 de novembro às 18h30, com uma projeção do filme Codinome Clemente, para convidados, seguida de debate sobre esse personagem que, nas palavras do jornalista Franklin Martins, seu contemporâneo de clandestinidade, foi o mais ferozmente cassado pela ditadura militar. Jamais foi capturado. Se houvesse sido lançado há cerca de três anos, este filme representaria um resgate da História recente do país - foi com essa intenção que iniciei sua produção ao perceber a dimensão do personagem a quem a roteirista, Duba Elia, me apresentou em 2004.

Impressionou-me seu talento como escritor no livro “Viagem à Luta Armada”, publicado nos anos 80. Somando-se a tudo isso: personalidades rebeldes, que tentam combater desigualdades sociais, sempre despertaram a minha admiração. Os heróis da minha adolescência, não foram os Beatles e os Rolling Stones: foram os padres da Igreja progressista, tais como: D. Pedro Casaldáliga, D. Luciano Mendes, D. Helder Câmara e todos eles se dedicaram à luta pelo restabelecimento do Estado de direito no país. Era um mundo brutalmente dividido entre dois lados e Carlos Eugênio Paz escolheu combater a repressão e defender o Socialismo. O filme ajuda a entender esse contexto social, a ver que continuamos vivendo de golpe em golpe: uma realidade não só brasileira, mas, latino-americana.

Em todo filme que realizo busco personagens que nos ajudem a decifrar o ser humano e suas circunstâncias. Os mais interessantes são singulares, originais e representativos. Para além de tudo, despertam controvérsia. Há outros ex-guerrilheiros, sobreviventes da ditadura militar, com vivências tão marcantes quanto teve o Carlos Eugênio Paz - o Clemente, cuja vida confunde-se com a História do país. Mas ele era um excelente narrador de sua própria trajetória e estava pronto a se revelar. Trouxe uma paleta de emoções muito rica para a nossa narrativa, ancorando o espectador em seus dilemas existenciais.

Codinome Clemente começou a ser realizado em 2009, com a intenção de resgatar um passado histórico recente, que estava sendo revolvido pela Comissão da Verdade, tendo esse militante da resistência à ditadura, disposto a revelar os bastidores da luta armada. Um grande personagem ainda não inteiramente conhecido, que parecia excluído da ascensão da Esquerda ao poder, pois voltou ao Brasil quando todos já estavam inseridos na vida pública. Realizei esta cinebiografia para reconhecer o contexto sociopolítico em que cresci como cidadã. Mas, como observadora de sua vida conturbada, eu preferi filmar sua subjetividade e não a minha. Jamais pretendi deificar, enaltecer ou julgar Carlos Eugênio Paz, mas, através de sua história pessoal desvendar os valores e certezas vividas por sua geração em busca da edificação de um mundo mais justo, mais humano que parece cada vez mais distante. A princípio fui captando entrevistas com recursos próprios. Em algumas sequências eu mesma operei a câmera e fui acumulando mais de 100 horas de material gravado, já contando com Kátia Coelho, na direção de fotografia além de uma equipe de 7 profissionais. A produção foi concluída com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual - um fundo originado pela própria atividade que chegou a movimentar, até 2018, mais recursos que a indústria do Turismo - algo em torno de R$ 2,1 bilhões por ano, segundo SICAV - Sindicato da Indústria do Audiovisual.

Chegamos ao final, desse projeto, com uma ANCINE paralisada por questões políticas e administrativas. Decidimos abrir uma campanha de “crowd funding”, como estratégia. alternativa com vistas ao financiamento da distribuição. Pelo link: Codinome Clemente Distribuição http://vaka.me/758706

Antes de falecer, vítima de câncer, em junho deste ano, em Ribeirão Preto, onde vivia com a historiadora Maria Cláudia Ribeiro, Carlos Eugênio Paz despediu-se, por telefone. declarou-se grato pelo meu trabalho frente ao Codinome Clemente afirmando que não há mais lugar no mundo para homens como ele. Mas, como declarou Oliver Stone, sobre a luta de classes: enquanto houver humanidade haverá resistência.

Isa Albuquerque

Cineasta

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