Artigo

O mundo a um clique?

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22

Houve um tempo em que o mundo parecia bem maior do que realmente é.

As informações e as encomendas demoravam a chegar e muitas vezes vinham montadas no lombo de animais de carga. Naquela época, o carteiro era uma das figuras mais esperadas do bairro. Sua chegada era capaz de abrir sorrisos ou de fazer alguém derramar-se em lágrimas.

Naquele tempo, a paciência era uma necessidade. As famílias mais aquinhoadas, nas datas comemorativas, tinham em mãos uma máquina fotográfica e um rolo de filmes com espaço para 12, 24 ou 36 fotos. As poses eram quase sempre formais e era remota a possibilidade de um clique aleatório. O resultado só era visto muito depois, quando os rolos eram levados para uma casa especializada, e as fotos eram reveladas... As imagens nem sempre eram das melhores!

Os tempos passaram... as chamadas inovações disruptivas mostraram-nos um mundo bem diferente daquele conhecido pelas gerações anteriores. Hoje as notícias chegam praticamente em tempo real, fotos são compartilhadas com um mínimo esforço, e os carteiros mais entregam contas do que propriamente cartas.

Com tantas inovações e com a popularização do acesso às tecnologias, temos a impressão de que tudo está a um clique e que todos têm as mesmas oportunidades de acesso às informações. Mas não é bem assim…

Mesmo com a aparente quebra de muitas barreiras, com os avanços tecnológicos e com os progressos em vários níveis da sociedade, os cliques nos mouses, os toques nas telas supermodernas e os inúmeros aplicativos não conseguiram amenizar alguns problemas que merecerem uma atenção maior.

Nas relações de afeto, por exemplo, as pessoas vivem cercadas de meios de comunicação, mas se isolam para o mundo. O celular e o computador servem de intermediários para esconder uma solidão crescente. Embora o ícone de alegria ou tristeza possa ser enviado em um breve movimento de dedos, está cada vez mais difícil encontrar alguém para um bate-papo cara a cara, com belas risadas e sem preocupação com o tempo. A mesma pessoa que é tão generosa em elogios nas redes sociais parece ter medo de expandir seus sentimentos quando encontra o amigo virtual ao vivo no elevador, na escada ou no meio da rua.

Ao mesmo tempo fora do alcance dos cliques, mas muitas vezes causados por eles, estão os novos tipos de polarização que se espalham por aí. De um lado estão os que podem ter acesso às diversas formas de mídias de alta velocidade; do outro, ficam os que têm pouco ou nenhum acesso às modernas formas de comunicação. Enquanto uns se sentem bem exibindo aparelhos de última geração, outros parecem sentir vergonha do que não têm.

Em segundos, podemos fazer um passeio virtual por diversos países, visitar museus, entrar no acervo das mais importantes bibliotecas e conversar com pessoas com as quais jamais teremos contato físico. Mas não depende apenas de nossa vontade ou de um simples e mágico toque acabar com problemas como fome, preconceitos, doenças, desigualdades sociais, prostituição infantil, violência…

Hoje as informações chegam aos nossos olhos e ouvidos em grande velocidade, mas parece que nada se fixa na memória por muito tempo. A história parece composta de frames que perdem a importância no momento seguinte. Os fragmentos de vida são expostos na internet ou guardados nos esquecimentos dos inúmeros arquivos de pen-drives, cartões ou nas nuvens. Enquanto isso o tempo passa e nós ficamos à espera de novas tecnologias que talvez expliquem nossa solidão.

É... estamos vivendo em uma época em que o mundo parece bem menor do que realmente é. Ele ainda não cabe em um chip ou em um clique. Mas quem sabe não possa caber em um sorriso, abraço ou olhar?

José Neres

Professor, membro da AML e da Sobrames

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