Artigo

Política homicida

Atualizada em 11/10/2022 às 12h23

A expressão não faz parte do dia a dia das pessoas; faz, do mundo jurídico: “excludente de ilicitude”, que está no art. 23º do Código Penal em vigor. Em linguagem não jurídica, é quando uma pessoa comete um crime, - assassinar alguém, por exemplo - mas não pode ser punido por ato tão extremo. Comete uma ilicitude e mesmo assim é excluído de punição.

De repente, essa frase apareceu em todos os lugares, após o assassinato da menina Aghata Vitória, do Rio de Janeiro. Ela estava numa kombi com seu avô, quando foi baleada e morta por um tiro de fuzil. De acordo com vários testemunhos, o autor do disparo foi um policial militar. Estabeleceu-se então uma compreensível e inevitável polêmica centrada na discussão da natureza da política de segurança pública do Rio de Janeiro, chamada pelo próprio governador fluminense de política de abate: vista de qualquer distância, portando um objeto parecido com uma arma, qualquer cidadão será fuzilado, pois a polícia está autorizada a tanto.

Um porta-voz da Polícia Militar do Estado disse que uma patrulha fora atacada por bandidos do Morro do Alemão e revidara. O tiro em Aghata teria sido disparado pelos marginais. O governador também fez declaração, reafirmando a continuidade da política atual.

Voltemos à atual legislação sobre o excludente. Em quais casos ele se aplica? Em três: 1) em legítima defesa (“matou, sim, ou morreria se não o fizesse”); 2) no estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito (“matou no cumprimento do dever”, como no caso de policiais, mas não só deles); 3) e em estado de necessidade (“matou porque só havia um lugar sobrando no bote salva-vidas, era um ou outro”). O parágrafo único, do art. 23º, do citado Código, como está hoje, diz, no entanto, que o agente "responderá pelo excesso" em todos esses casos.

Se a alteração propostas por Moro a esse art. 23º, § 2º, do Código Penal, já tivesse sido aprovada – torço por sua rejeição – o policial poderia invocar a mencionada alteração (“§ 2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.”), a fim de se livrar de qualquer punição. Hoje, não. Se ficar demonstrado que ele tinha a opção de não disparar, mas não a escolheu, assumindo os riscos de tal decisão, “abatendo” uma criança, como neste caso, mesmo não tendo a intenção de fazê-lo, então o policial responderá por seu ato.

Se assim é, se o policial poderá ser processado pela lei de agora, qual a razão da polêmica? É esta. A polícia do Rio, por incentivo do governador Wicksel, já atua como se a Lei tivesse sido alterada e ela tivesse essa verdadeira licença para matar. Prova é o elevado número de crianças e adultos, quase todos pobres e pretos, assassinados e feridos pela polícia este ano, em comparação com o ano passado. Isso vem do “pode abater”. Imaginem o que pode acontecer daqui para a frente.

O governador, na área de segurança, não se diferencia em nada da Lava Jato, na de corrupção. Morram todos ou prendam-se todos; empobreça-se a sociedade e destrua-se a política e, portanto, a democracia, mas que se pense que somos os únicos honestos e também firmes contra a bandidagem.

A política de abate é francamente homicida e, portanto, ilegal. No Brasil, quantos inocentes serão assassinados até se trucidarem todos os bandidos? Quantas prisões ilegais serão ainda comemoradas?

Lino Raposo Moreira

PhD, economista, membro da Academia Maranhense de Letras

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