Queda no mercado

Decadência: quantidade de bancas de revista em São Luís cai 45%

Setor, que continha 55 bancas, em 2017, registra atualmente 30 em toda a capital maranhense; apesar da ascensão das redes e aplicativos, empreendimentos tentam sobreviver comercializando até recarga para celular

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

[e-s001]Dados do “Movimento Vi­va as Bancas” - grupo criado para dar apoio e proteção às bancas de revistas - apontam que a quantidade de estabelecimentos deste gênero nem São Luís apresentou queda de 45%, em dois anos. Enquanto em 2017 eram 55 estabelecimentos do tipo, na cidade, em 2019, este número não passa de 30. Algumas de­las ainda sobrevivem à concorrência, à falta de políticas públicas e, principalmente, à perda do hábito da população de usufruir dos exemplares de jornais e revistas em estruturas que ainda abrigam vasta gama de conhecimentos. Iniciativas particulares ainda são registradas com o intuito de manter ativa a cultura da compra de jornal via banca.

O nascedouro do “Viva as Bancas” é o Ponto de Cultura JK, uma banca montada na Rua João Moreno, no João Paulo. Quem cuida do ponto é André Rios, um homem que acredita em seu trabalho em prol do desenvolvimento da cultura. Jornaleiro há pelo menos uma década e meia, ele conta que a decadência de empresas de distribuição de revistas contribuiu para a queda nas vendas. “Não recebemos mais a mesma carga de revistas e exemplares como era antigamente”, disse.

Ele cita que, em média, os donos de bancas registram queda de até 80% no faturamento mensal, em comparação com os percentuais dos últimos cinco anos. Um dos fatores também apontados foi a disseminação das redes sociais. “Hoje, a revista, o almanaque, ou outro exemplar, está no celular, no tablet, no site. Fica difícil concorrer assim”, afirmou.

Em plena tarde cinzenta comum na Ilha, André Rios aguardava o primeiro cliente. “Vocês foram os primeiros a conversar comigo”, disse. Ele tenta reverter o quadro desfavorável com ações de incentivo à leitura. “Há um canto ao lado de minha banca, no qual qualquer pessoa po­de pegar um livro para apreciar ou mesmo trocar por outro livro. É uma forma de manter a nossa banca ativa”, afirmou.

Sobre o projeto “Viva as Bancas”, o movimento realizou ações esporádicas nos últimos anos. Muito disso em virtude, em especial, da ausência de interesse do poder público em solucionar o caso.

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A banca “abençoada”: O canto do seu Inácio
Quem já passou pela Praça Nossa Senhora da Conceição, no Monte Castelo, certamente se deparou com uma banca muito conhecida e que recebe, diariamente, clientes em busca de vários serviços. O dono dela é Inácio de Jesus, que, há 22 anos, administra a banca de revista considerada uma das mais antigas da cidade.

Ele contou a O Estado durante uma tarde de poucos clientes, que adquiriu o estabelecimento para realizar um sonho. “Tinha muita vontade de trabalhar com revistas, em geral, mas nunca havia tido coragem para comprar uma banca”, disse.
Antes, o jornaleiro mexia com serviços em geral. Um dia, passou a investir no mercado. Seu Inácio relata como era o mercado editorial há alguns anos. “Antes recebíamos várias publicações, de diferentes gêneros e voltados para públicos específicos. Só que, de uns tempos para cá, isso mudou totalmente”, disse.

A mudança citada por ele, em especial, foi a ascensão das chamadas novas tecnologias. Atualmente, empresas de cunho publicitário oferecem conteúdos personificados e adaptados às plataformas diversas. Se antes era possível ler a revista preferida somente indo até a banca, atualmente o conteúdo está disponível nos celulares ou tablets.

Por ora, segundo o jornaleiro, não há solução aparente para que a função ganhe o status já obtido em outras décadas. “Difícil acreditar que teremos aqueles tempos de procura intensa por conteúdos somente vistos nas bancas”, lamentou Inácio.

[e-s001]​Os clientes ainda fiéis
Mesmo com a queda de mercado e faturamento, clientes ainda se mantém fiéis ao velho hábito de se deliciar com a leitura de um livro, jornal ou revista em uma das poucas bancas fixadas na cidade. Cliente há mais de trinta anos, o funcionário público Francisco Froz exalta a importância para ele dos jornaleiros. “Para mim, não há outro ponto na cidade que disponha de tanto conteúdo ou cultura na cidade. São verdadeiras bibliotecas à disposição e que as pessoas não aproveitam”, afirmou.

Ele – que costuma comprar jornais e revistas diária e semanalmente na banca do Seu Inácio – enaltece o papel que os jornaleiros poderiam exercer na divulgação cultural da cidade. “Percorri outras cidades brasileiras e era visível nestes locais a valorização dada para as bancas. Seria tão caro assim incluí-las, por exemplo, em um projeto de divulgação da cultura local? Creio que não seria um investimento tão alto assim para a administração pública”, disse.

SAIBA MAIS

[e-s001]A HISTÓRIA DE SEU RIBA

O jornaleiro de quatro décadas, com lágrimas nos olhos: Quem passa pela rua do Outeiro, no Centro, ainda se depara com bancas cujos donos ainda aguardam definição pelo poder público acerca do retorno das estruturas ou não para a revitalizada Praça Deodoro. Um dos donos de bancas é José de Ribamar Campos. Conhecido entre clientes e familiares como “Seu Riba”, ele é um dos mais antigos da função na cidade e ainda carrega o mesmo amor e dedicação à função nobre, fundamental para a manutenção do bom jornalismo impresso.

“Seu Riba” começou desde os primeiros anos de vida a demonstrar o apego à distribuição das boas informações. Aos 15 anos, ele veio do município de Alcântara para tentar vencer na capital. “Cheguei aqui e fui trabalhar em uma distribuidora de exemplares”, disse.

Em pouco tempo, recebeu o convite de sua vida. “Seu Riba” foi contemplado com uma oferta inesperada. “Eu tinha um amigo que passou em um concurso em Manaus e me perguntou: ‘Riba, tu não quer trabalhar com revista?’. Aí, nesta época eu ainda era estagiário, mas em seguida decidi aceitar o convite e desde então estou trabalhando na função”, disse.

Esse convite aconteceu há 40 anos e, desde então, Seu Riba perdeu as contas de quantos papos bateu com clientes ou pessoas que se abrigavam em sua banca, ainda na Deodoro, apenas para passar o tempo. “Eu já perdi as contas de quantas vezes fiz isso na minha vida. Fiz amigos, conheci pessoas, soube de fatos particulares de pessoas que vinham aqui e se abriam comigo. Enfim, é uma profissão maravilhosa!”, disse.

Destes tempos maravilhosos de médicos e outras pessoas engravatadas lendo a última página do jornal extra do dia nos arredores, o jornaleiro ou dono de banca apenas se lamenta de estar vivendo os últimos dias da função. “Eu, com lágrimas nos olhos, digo a você que é uma pena isso estar acontecendo. Uma verdadeira tristeza!”, disse emocionado Seu Riba.
Com sua banca reformada – resultado de investimento particular na casa dos R$ 19 mil –, seu Riba aguarda com paciência e esperança o retorno à Deodoro.

[e-s001]A RETIRADA DAS ESTRUTURAS DA JOÃO LISBOA

O ato simbólico da decadência das bancas: Além da concorrência, outro fator da queda no mercado voltado para as bancas de revista foi a intervenção do poder público. Um caso simbólico foi registrado em 2015. Naquele ano, a Prefeitura de São Luís, em ação coordenada em conjunto pela Subprefeitura do Centro Histórico e pelas secretarias municipais de Governo (Semgov), Urbanismo e Habitação (Semurh), por meio da Blitz Urbana, e Fundação Municipal de Patrimônio Histórico (Fumph), retiraram as bancas dispostas, de acordo com o poder público, de “forma ilegal” no espaço do Largo do Carmo e na Praça João Lisboa. A iniciativa, na ocasião, fazia parte do “processo de reforma e requalificação urbanística do Largo, executado com recurso do Programa de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)”. À época, o Município também alegou que a retirada das bancas fazia parte de um projeto macro de reforma do Largo do Carmo e Praça João Lisboa.

Até o momento, as ações não foram executadas. Procurada, até o fechamento desta edição, a Prefeitura de São Luís não se manifestou sobre a promoção dos serviços no Largo e João Lisboa e tampouco sobre quando as bancas retornarão aos arredores da Igreja do Carmo.

Mesmo com a saída das bancas, antes fixadas no Largo, as lembranças das boas conversas e “altos papos” com os vendedores antigos de jornais que por ali se estabeleceram são várias. As histórias de Seu Moreira e Seu João, por exemplo, antigos vendedores de jornais da região não sairão da memória dos que conviveram com eles e outros profissionais do ramo. “As bancas já faziam parte da imagem desta parte da cidade”, disse o taxista Geraldo da Silva, que trabalha nos antigos abrigos da João Lisboa.

A BANCA ANFITRIÃ

O projeto que não saiu do papel: Em 2012, a gestão da Prefeitura anunciou a execução de um projeto que transformaria as bancas de revista em polos de divulgação e fomentação do segmento turístico. O projeto, que recebeu o nome de “Banca Anfitriã”, modernizaria as então estruturas fixadas no Centro e adjacências e as transformaria em unidades de divulgação das manifestações da cidade.

A recuperação da infraestrutura da banca seria associada a um treinamento a que seria submetido o jornaleiro para o atendimento ao público. Os participantes, inclusive, teriam a identificação de participação no projeto nas bancas e em camisas que seriam confeccionadas e distribuídas aos mesmos.

Atualmente, a gestão municipal não sinaliza com a retomada da ideia. Se fosse executada, provavelmente com parceria com a iniciativa privada.

[e-s001]INDEFINIÇÃO PERSISTE

As bancas do Renascença: No dia 23 deste mês, O Estado publicou reportagem que mostrou a indefinição quanto à permanência ou não das bancas de revista da Avenida Miércio Jorge, no Renascença. À época, os responsáveis pelas estruturas informaram que receberam uma notificação da Blitz Urbana – órgão da Prefeitura de São Luís – para que saíssem do trecho. A alegação, endossada pelo Ministério Público do Maranhão, era de que as bancas impossibilitam a visão plena de um estabelecimento de ensino superior situado ao lado das bancas.

Na sexta-feira (26), O Estado voltou para conferir o caso. As bancas ainda permaneciam, mas sem nenhuma perspectiva. Uma das proprietárias da banca é dona Leonete – conhecida como Santinha. “A própria Blitz Urbana nos autoriza, por meio dos alvarás. Todos os anos nós renovamos, mas o último que temos é o de 2018, porque, neste ano, não conseguimos tirar”, explicou.

A última notificação de retirada das bancas foi expedida no dia 12 deste mês sob a recomendação do promotor Fernando Barreto, do MP. Ele não foi encontrado, até o fechamento desta edição, para falar sobre o tema.

Dados da Lei número 3.253, de 29 de dezembro de 1992 – que dispõe sobre a ocupação do solo urbano e outras providências -, em seu artigo 239, apontam que “as novas edificações lindeiras às vias do Sistema Viário Básico da cidade de São Luís devem obedecer à faixa de área non edificandi estabelecida pela hierarquização deste sistema sem prejuízo dos recuos e afastamentos definidos nesta Lei. Para o MP, as bancas estariam enquadradas nesta regra.

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