Artigo

Evangelho e Revolução

Fernando Coêlho Costa, Pastor, Mestre em Ciências das Religiões, Mestrando em História Social e Teólogo

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

Nos agitados anos de 1950 chegou ao Brasil um missionário estadunidense chamado Richard Shaull (1919-2002). Seu principal objetivo foi preparar estudantes e pastores evangélicos para ajudarem a sociedade brasileira a enfrentar os desafios éticos e políticos a partir da Bíblia. Até aí nenhuma novidade, já que, segundo o IBGE, o país é majoritariamente cristão. No entanto, a proposta de formação das lideranças dentro do movimento estudantil protestante, denominado União Cristã de Estudantes do Brasil, e dos seminaristas do Seminário Presbiteriano de Campinas apontou para uma nova concepção da relação entre Teologia e Política.

Shaull publicou, em 1953, o livro Cristianismo e Revolução Social trazendo a discussão da relação entre religião e política naqueles anos de efervescência cultural, sociopolítica e econômica no período do pós-guerra. Segundo ele, a melhor contribuição que os protestantes podiam dar diante da realidade sócio-histórica do Brasil era incentivar a completa mudança no sistema vigente. Acreditava ser importante que se promovesse uma crise na estrutura, que poderia ser o resultado da ação divina aliada ao comportamento dos cristãos: uma coincidência da luta revolucionária com a ação humanizante de Deus no mundo.

Enquanto alguns discursos evangélicos atualmente contribuem para a perpetuação do sistema vigente, apoiando políticas que incentivam a injustiça social e negociando seus valores éticos em troca de 30 moedas de prata, já houve uma teologia evangélica que apoiasse uma mudança radical do sistema que patrocina a acumulação irresponsável de riquezas e a coisificação dos mais pobres. Não soa estranho que alguns cristãos chamem Deus de Pai Nosso, mas não queiram dividir o Pão Nosso? É no mínimo confuso crer no criador e não cuidar de suas criaturas – plantas e pessoas.

Voltemos ao Cristianismo e Revolução Social. O livro trouxe as seguintes agendas: a) uma fé viva e uma teologia dinâmica podem e devem servir como motivação à promoção de mudanças fundamentais para o país; b) a participação de cristãos nos movimentos políticos em favor de uma sociedade mais justa e igualitária, na América Latina, implica no engajamento em movimentos políticos mais progressistas; c) os estudantes e profissionais cristãos devem engajar-se nessa luta com senso e vocação. A luta por essa mudança se tornou a causa propulsora de muitos seguidores de Shaull. Um deles foi Rubem Alves, que levou essa proposta à risca e engajou-se no cristianismo da libertação: identificação com os pobres, a participação em movimentos políticos e o uso da profissão a serviço do próximo e da promoção de estruturas sociais mais justas.

A Revolução viria, então, com cristãos comprometidos e engajados em movimentos políticos, delimitando sua atuação como uma terceira alternativa aos dois sistemas políticos econômicos que se apresentavam naquela década – capitalismo e socialismo. Essa Teologia da Revolução resgatava a fidelidade à herança bíblica da história de Israel. A história do encontro de um povo com seu Deus em meio às lutas sociais e políticas. Os profetas falavam mais do tempo em que viviam do que do futuro. Denunciavam as tramas dos reis e dos sacerdotes e apontavam o prejuízo e injustiça que recaía sobre viúvas, órfãos, migrantes, pequenos produtores, idosos e mais pobres. Teologia que não é feita no meio do povo e que não leva em consideração as situações concretas da realidade social não tem relação com a mensagem do Jesus encarnado.

Um testemunho cristão que fale da realidade atual de nosso país somente poderá vir através da plena participação do homem mediante a transformação dessas condições. Afinal, Jesus Cristo é a encarnação de Deus na situação real do homem no mundo, e sua mensagem – o Reino de Deus - tem um caráter tão político quanto profético. O homem novo – a nova criação - é o resultado da transformação desta substância concreta da vida cotidiana do homem na sociedade, uma verdadeira Revolução.

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