Acordo de paz

Negociador das Farc: ''Foi ingênuo entregar armas logo''

Em carta, ex-membro da guerrilha disse que acordo de paz falhou ao começar pela deposição de armas, sem prever a reintegração social dos ex-guerrilheiros

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28

BOGOTÁ - O ex-negociador chefe das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) , cujo paradeiro é desconhecido há semanas, denunciou em carta a traição do acordo de paz firmado com governo da Colômbia em 2016, e lamentou o que considera sua ingenuidade de depor as armas antes dos demais pontos do acordo terem sido concretizados.

"As modificações do texto original do pacto transformaram o Acordo de Havana em um Frankenstein horripilante", disse na carta Iván Márquez, principal representante dos rebeldes nos diálogos com o governo do ex-presidente Juan Manuel Santos. "(As mudanças no pacto) Aconteceram depois da entrega das armas. Isso é armadilha, trapaça. Foi mal feito. Não se pode trair a paz dessa maneira. Os acordos, que foram oficialmente assinados, devem ser cumpridos", acrescentou.

A carta, com data de 22 de setembro e divulgada nesta terça-feira pela imprensa colombiana, também foi assinada por Óscar Montero, conhecido como Hernán Velásquez ou "El Paisa", um temido ex-líder guerrilheiro cujo paradeiro também é desconhecido.

"Ingenuamente acreditamos na palavra e na boa fé do governo, embora Manuel Marulanda Vélez (fundador e membro das Farc até a morte, em 2008, por aparentes causas naturais) sempre nos tenha alertado de que as armas eram a única garantia do cumprimento de eventuais acordos", diz o texto.

Na carta, enviada à Comissão de Paz do Senado, Márquez e "El Paisa" fazem uma forte autocrítica: o acordo "teve uma falha estrutural, que pesa como uma pirâmide egípcia, que foi a assinatura, primeiro, da deposição das armas, sem ter acordado antes os termos de reintegração econômica e social dos guerrilheiros".

Entre as "armadilhas", os ex-comandantes denunciaram modificações no acordo feitas no Congresso quanto ao sistema de Justiça para julgar ex-guerrilheiros e membros das forças de segurança por crimes cometidos durante os 50 anos de guerra civil na Colômbia.

Eles também alertaram para o descumprimento da reintegração e a "insegurança jurídica" dos 7.000 ex-combatentes que depuseram armas no ano passado - entre eles, o ex-líder rebelde Jesús Santrich, preso e com pedido de extradição feito pelos Estados Unidos por tráfico de drogas, em um processo que os ex-integrantes da guerrilha consideram uma "montagem judicial".

Mesmo assim, asseguram que seu "sonho ainda é a paz na Colômbia", apesar de o acordo para superar meio século de conflitos armados ter sido "destruído por predadores sem alma".

Governo pede clareza

Uma vez que a carta se tornou pública, o alto comissário para a Paz, Miguel Ceballos, disse que o governo mantém duas "interrogações" sobre ambos os rebeldes: "se permanecem ou não no acordo" e "se ainda pertencem ao partido das Farc", uma referência à Força Alternativa Revolucionária do Comum, a legenda criada pela antiga liderança guerrilheira para atuar na política institucional.

"Se essas pessoas estão dispostas a continuar com os acordos, que elas apareçam, e não apareçam apenas com uma carta", disse Ceballos em entrevista de rádio.

Ceballos reiterou que o governo do direitista Iván Duque cumprirá sua promessa de campanha de modificar artigos do acordo negociado em Cuba, por considerá-los indulgentes em relação aos rebeldes.

E ele disse esperar que Márquez e "El Paisa" não se juntem a grupos dissidentes da antiga guerrilha que continuaram armados, muitas vezes atuando na criminalidade comum. "Se eles se aproximarem ou se juntarem à dissidência, estão quebrando não apenas um acordo, mas toda a estrutura de um novo partido político, que é a Farc", completou Ceballos.

Márquez, que foi o segundo homem da ex-guerrilha, renunciou em julho ao cargo de senador, que lhe fora concedido pelo acordo, alegando "descaracterização" do pacto, e se mudou para uma área de floresta no Sul do país. Desde então, sua localização é incerta.

Duque, que assumiu a Presidência há dois meses, pediu explicações ao atual partido Farc, liderado por Rodrigo Londoño ("Timochenko"), sobre a ausência de vários de seus líderes, incluindo Márquez e "El Paisa". Os dois ex-guerrilheiros deixaram pelo menos um mês atrás os esquemas de segurança que lhes foram atribuídos pelo Estado, segundo o presidente.

A Jurisdição Especial pela Paz (JEP), que julga os crimes cometidos durante a conflagração, pediu em 13 de setembro a ex-líderes guerrilheiros para reiterar seu compromisso com o pacto após o desaparecimento de vários deles.

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