Publicação

Secretários e vice de Trump negam autoria de artigo anônimo

Nas redes sociais, uso da palavra ''estrela-guia'' no texto que revela ''resistência interna'' é associada a Pence, o vice-presidente

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

WASHINGTON - O vice-presidente dos EUA, Mike Pence, e vários integrantes do governo de Donald Trump negaram peremptoriamente ontem ser os autores de um artigo anônimo publicado ontem no "New York Times", segundo o qual um grupo de funcionários de alto escalão integra "resistência" interna destinada a bloquear os "piores impulsos" do presidente.

Além de Pence, negaram publicamente a autoria o secretário de Estado, Mike Pompeo; Dan Coats, diretor da Inteligência Nacional; e Kirstjen Nielsen, secretária de Segurança Interna. O artigo levou o presidente a chamar de 'covardes' o jornal e o autor, que o qualificou de instável e inapto para ocupar a Presidência dos Estados Unidos.

A negativa do vice-presidente, feita no Twitter por seu assessor de imprensa, atraiu especialmente a atenção por causa do uso, no artigo, da palavra "lodestar" (estrela-guia), pouco usada pelos atuais falantes de inglês. Nas redes sociais, usuários encontraram essa palavra em pronunciamentos anteriores de Mike Pence.

O artigo sacudiu Washington e levou a especulações sobre se o autor trabalha na Casa Branca ou numa agência governamental, e se outras autoridades ainda podem se pronunciar, renunciar ou ser demitidas pelo presidente.

O secretário de Estado Pompeo, que antes serviu como diretor da CIA na gestão Trump, disse não ser o autor, e criticou o "NYT" por publicar o texto.

"Não é meu", assegurou Pompeo a repórteres durante uma viagem a Nova Délhi, na Índia. "Se for verdadeiro... eles não deveriam ter escolhido aceitar a palavra de um elemento ressentido, traiçoeiro e mal-intencionado e publicá-la em seu jornal".

O porta-voz do gabinete de Pence disse que ele não escreve colunas anônimas.

"O vice-presidente assina seu nome em seus artigos de opinião. O @nytimes deveria estar envergonhado, e também a pessoa que escreveu este artigo de opinião falso, ilógico e covarde. Nosso escritório está acima de ações amadoras como essa", disse o porta-voz Jarrod Agen no Twitter.

" Covarde"

Na quarta-feira,5, Trump classificou o autor anônimo de "covarde" e mencionou a possibilidade de uma traição, exortando o "NYT" a identificar a pessoa por razões de segurança nacional.

"O Estado profundo e a esquerda, e seu veículo, a mídia de notícias falsas, estão enlouquecendo — e não sabem o que fazer", tuitou Trump na manhã desta quinta-feira. "Estou drenando o pântano, e o pântano está tentando reagir. Não se preocupem, venceremos!", havia escrito ele mais cedo.

"O problema para Trump é que o autor pode ser tanta gente...", comentou um funcionário do governo ao "Washington Post", sob condição de anonimato. "Não dá para apontar uma pessoa só. Todo mundo está tentando, mas é impossível".

Nos smartphones dos políticos em Washington, aliados e adversários do presidente, começou a circular uma mensagem com a frase "as células adormecidas despertaram".

"E a gente se sente num filme de terror quando percebe que as mensagens estão vindo de dentro da própria Casa Branca", revelou um ex-funcionário que ainda tem contatos com seus colegas que trabalham na sede do governo americano.

A publicação do artigo é vista por observadores como um evento sem precedentes na História dos EUA. "É espantoso descobrir que alguém dentro da Casa Branca está dizendo "temos um grupo aqui fazendo a resistência, garantindo que o presidente dos Estados Unidos não faça coisas irracionais e perigosas", disse ao "Post" o historiador Douglas Brinkley.

Especulações

Assessores e confidentes de Trump estão buscando freneticamente o autor do texto, tanto dentro da Casa Branca quanto no entorno pessoal do presidente. Muitos já sugeriram dezenas de nomes diferentes e apontaram traidores em potencial. Um assessor disse que o autor seria um funcionário em busca de glória e secretamente desejando ser descoberto, enquanto outro apontava algum empregado de nível inferior numa agência periférica do governo. Outros ainda se perguntavam quem seria "uma autoridade sênior na administração Trump", expressão usada para designar quem escreveu o texto.

O presidente já vinha se sentindo vulnerável e um tanto paranoico nos últimos tempos, segundo um confidente, e a sensação só piorou depois da publicação do livro do jornalista Bob Woodward, "Medo: Trump na Casa Branca", em que ele é retratado de maneira devastadora.

O presidente ficou tão chateado por saber que várias pessoas de seu círculo haviam falado com Woodward que começou a bombardear funcionários com perguntas sobre quem seriam as fontes do repórter.

Outra autoridade contou ao "Post" que Trump já percebia que só podia confiar em muito poucas pessoas. E um amigo disse que, após saber do artigo, o presidente admitiu que só poderia contar com a confiança de seus filhos.

Aliados do presidente lamentaram que todas as narrativas envolvendo a administração Trump venham justamente das pessoas que trabalham para ele.

"Já devíamos ter percebido isso desde o primeiro dia do mandato", afirmou o senador republicano Bob Corker. "Temos que encorajar as boas pessoas em torno do presidente a ficarem".

Em seu artigo no NYT, o autor anônimo escreveu: "Dada a instabilidade que muitos testemunharam, já houve quem sussurrasse dentro do gabinete sobre a invocação da 25ª Emenda", mas a ideia teria sido descartada para evitar uma crise constitucional.

A 25ª Emenda da Constituição dos EUA trata sobre como proceder no caso de um presidente incapaz, visando a sucedê-lo. O comentário deve ressuscitar as conversas de alguns democratas sobre a possibilidade de pedir o impeachment do presidente caso a oposição assuma o controle da Câmara dos Deputados nas eleições de novembro.

O rei está nu

Para Brinkley, até hoje na história da Presidência dos EUA o maior exemplo de deslealdade demonstrada por funcionários ocorreu no último ano de mandato de Richard Nixon, que acabou renunciando após o escândalo Watergate. Na época, Nixon "dava ordens malucas" que ninguém obedecia.

"É o caso de aplicar o conto de Hans Christian Andersen, "O rei está nu", a essa síndrome em que a realidade do presidente é tão diferente daquela de seus principais conselheiros", diz o historiador.


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