Artigo

Sem política?

Atualizada em 11/10/2022 às 12h29

Tornou-se popular entre os varões de Plutarco de internet propor ao eleitor brasileiro a adoção de estratégias supostamente adequadas à realização de uma limpeza ética no país. Uma delas é negar voto a candidatos já detentores de mandato, desse modo impedindo a reeleição deles e renovando o Congresso Nacional inteiro de uma só vez. Tal estratégia tornaria a sociedade brasileira referência em honestidade na visão dos habitantes aqui da Terra e dos improváveis moradores das esferas celestiais.

Parece fácil adotá-la e cumprir o nobre objetivo de regeneração do homo brasiliensis e da mulher brasiliensis (latim de Dilma). Mas só o fará quem percebe a natureza humana como exemplo de honestidade e mansidão congênitas, como Rousseau pensava ser a natureza do bom selvagem. Este, dr. Pangloss deduziria, matava seus irmãos da selva, abrindo-lhes o crânio a golpes de tacapes, apenas porque precisava eliminar um concorrente do momento na luta pela sobrevivência. Fora isso, era de natureza pacífica.

Essa estratégia apela ao comum espírito de manada do ser humano, ao pedir a milhões de pessoas o voto em marinheiros de primeira viagem no mar da política. Se funcionasse, o total das cadeiras do Congresso, ao ser aberta a próxima legislatura, teria novos e castos ocupantes, por quem, certamente, os idealizadores do movimento regenerador colocariam as mãos no fogo. Mas com certeza não lhes ocorreria que, com o passar do tempo, as muitas tentações aumentariam e a carne fraquejaria quase sempre. Uma compensação se poderia ter, pelo menos, pois seria possível dizer ao povo brasileiro a mesma coisa dita aos potenciais consumidores dos produtos das Organizações Tabajaras: “Seus problemas acabaram. Corrupção nunca mais”. A manada acreditaria.

Implícita nesse modo de raciocinar, está a ideia de que novo é sinônimo de honesto, melhor, moderno e outras qualidades exigidas na condução do país a sua era de ouro. Se isso, todavia, fosse verdade, poderíamos extrair dessa frágil proposta as consequências abaixo.

O Congresso purificado, com o avançar do tempo, veria seus jovens transformarem-se em honestos e idosos parlamentares, não só pelo avançar da idade, mas também pelo tempo de permanência no Legislativo, porquanto, sendo eles incorruptíveis, não haveria razão para tirá-los das casas legislativas, lugar onde permaneceriam para sempre.

Ora, como se queria demonstrar, os idosos também podem ser honestos. Afinal, por que só os do futuro o seriam, se a natureza humana é a mesma hoje e amanhã? Qual a razão, então, de se ter de esperar anos para chegar, na prática, a uma conclusão que acabo de sugerir, a custo zero, ao Brasil?

Deixei de fora até aqui a possibilidade de nem todos os novos serem modelos de honestidade. Nem todos o são, é fato, como acontece em qualquer agrupamento humano: economistas, promotores, juízes, médicos, advogados, políticos, etc. Não se pode classificar os políticos em conjunto como desonestos. Generalizar tal conceito à classe política inteira é um erro de consequências muito ruins para o país, pois sem política não há democracia. Melhor é não confiar inteiramente na natureza humana, que é boa e ruim simultaneamente, e se concentrar na construção de instituições sólidas de combate à desonestidade, sem demonizar grupo nenhum.

Lino Raposo Moreira

PhD, economista, membro da Academia Maranhense de Letras

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