Representatividade

“O prazer de pensar”

A quantidade traduz-se em qualidade da democracia?

Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro - Juíza de Direito e-mail: sonia.amaral@globo.com

Atualizada em 11/10/2022 às 12h37

Tomei emprestado de um dos livros de Theodore Dalrymple, escritor e psiquiatra inglês, o título do presente artigo. No livro homônimo, Dalrymple aborda, de forma brilhante, vários assuntos, sob o pretexto de analisar as dedicatórias existentes nos livros que adquiriu de segunda mão.
Pois bem, resolvi também me dar ao luxo de pensar sobre alguns temas.

Tempos atrás, conversando com um amigo que foi vereador em São Luís, manifestei os seguintes pontos de vista: de que há número excessivo de parlamentares no Brasil, notadamente de deputados estaduais e vereadores, e de que os vereadores de pequenas cidades não deviam ser remunerados, como foi durante 10 anos (1965-1975).

De pronto, esse meu amigo retrucou, afirmando que a democracia era algo muito importante, logo, o cidadão tinha de pagar o preço. Na sua concepção, quanto mais parlamentares e, preferencialmente, remunerados, mais democracia.

Na ocasião, retraí-me; busquei refletir melhor sobre o assunto e hoje vejo que a proposta não é nenhum absurdo, como meu amigo indicava.

O recém-eleito presidente da França, Emmanoel Macron, está propondo a redução do número de parlamentares, com o apoio maciço da população.

O Brasil tem, entre deputados federais e senadores, 594 parlamentares federais, 1.059 deputados estaduais e quase 58 mil vereadores.

Será que precisamos disso tudo mesmo? Será que a qualidade do Poder Legislativo se faz em números?
O Poder Legislativo cubano, com uma população de pouco mais de 11 milhões de pessoas, tem 614 membros, enquanto os Estados Unidos, com uma população de quase 320 milhões de pessoas, tem 535 parlamentares.

Se compararmos o número de habitantes pela quantidade de representantes nos parlamentos, por certo chegaríamos à conclusão de que em Cuba o povo tem maior representatividade. Mas será que essa quantidade traduz-se em qualidade da democracia? É possível, a partir desse parâmetro, concluir que Cuba é mais democrática que os Estados Unidos?

Sejamos sinceros: ninguém, por mais fiel (no sentido religioso mesmo) ao regime cubano, terá coragem de dizer que em Cuba vigora uma democracia.

É a qualidade, e não a quantidade, que faz a diferença. Nesse contexto, é essencial mudar a forma de escolha dos parlamentares.

Outra reflexão: um dos deputados apoiadores do presidente Temer afirmou que o pagamento de emendas parlamentares, acontecidas recentemente, é um instrumento natural do governo para fazer valer seus desejos.

Legal e natural até pode ser – não sou ingênua, sei que muitos já fizeram igual para se segurar na cadeira –, mas será que é moralmente defensável, num Brasil em que falta dinheiro para segurança, saúde, educação e que as contas não fecham?

Não venham dizer que o pagamento das emendas é impositivo, ou seja, o Executivo deve pagar por força de lei, pois a mesma lei permite o retardamento ou não execução de despesas previstas no orçamento (contingenciamento), assim como do pagamento das emendas, na mesma proporção do corte de despesas pelo executivo.

Em resumo: o presidente é denunciado e quem paga a conta, altíssima por sinal, é o contribuinte. É o meu, o seu, o nosso rico dinheirinho que está pagando essa conta. Se o presidente estivesse tirando do próprio bolso... vai lá.

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