Teatro

Um deleite com Cora Coralina

Atriz maranhense Lilia Diniz apresenta neste sábado, 25, e domingo, 26, no Cine Teatro da Cidade, o espetáculo “Cora dentro de mim - plantando roseiras & fazendo doces" em celebração ao Dia Internacional do Teatro

Carla Melo / Da equipe de O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h40
Espetáculo traz a essência da poesia de Cora Coralina
Espetáculo traz a essência da poesia de Cora Coralina

A ideia da atriz maranhense Lilia Diniz é fazer com que a plateia se sinta na cozinha de Cora Coralina que, preparando guloseimas, também adoça a alma de quem tem contato com sua obra. Assim, o espetáculo cênico-poético-musical "Cora dentro de mim - plantando roseiras & fazendo doces", chega aos palcos de São Luís neste sábado, 25, às 20h, e domingo, 26, às 19h, no Cine Teatro da Cidade (Centro), com entrada gratuita e classificação de 14 anos. A exibição marca o Dia Internacional do Teatro, celebrado em 27 de março.

A montagem, idealizada e interpretada por Lilia Diniz, está há 17 anos em cartaz e aborda os pensamentos da doceira e escritora Cora Coralina, por meio de seus versos e contos. Premiado pela Funarte com o Myriam Muniz 2014, já foi assistido por mais de 10 mil pessoas. A peça terá tradução em Libras e audiodescrição, permitindo que cegos e deficientes visuais possam participar.

Para dar um toque especial, os doces - que são normalmente servidos à plateia nas apresentações – em São Luís ficarão sob a responsabilidade do chef maranhense Thiago Brito, da Casa d'Arte – Centro de Cultura, que é um dos apoiadores do evento.

A atriz

Lilia Diniz é atriz, escritora, cantora, produtora e brincante. Autora de cinco livros de poesias, dentre os quais se destacam "Miolo de Pote da Cacimba de Beber", "Sertanejares" e "Mundo de Mundim", a artista tem forte atuação no Distrito Federal e em outros estados brasileiros e é reconhecida pelo seu atrelamento às raízes nordestinas, à cultura da poesia popular e é também considerada por críticos e escritores como uma das mais atuantes e conceituadas poetas do Distrito Federal. É ainda membro da Academia Imperatrizense de Letras e da Academia de Letras do Brasil/Seção Brasília.

Filha de pais analfabetos, a intérprete/autora foi estimulada desde cedo a se debruçar sobre os livretos da literatura de cordel e, aos 6 anos, já lia e cantava os romances para os adultos nas rodas que se formavam à noite no pequeno povoado onde cresceu, no município de Tuntum (MA). Em entrevista exclusiva a O Estado, Lilia Diniz fala da montagem, carreira e planos para o futuro.

Atriz Lilia Diniz está em cartaz há 17 anos com o espetáculo
Atriz Lilia Diniz está em cartaz há 17 anos com o espetáculo

Você é maranhense, mas sua carreira foi construída fora do estado. Fale um pouco sobre sua relação com o Maranhão: onde nasceu? quais as influências do estado no seu trabalho? Porque saiu? E como é se apresentar em seu estado natal?

Nasci no povoado de Creoli do Bina, em Tuntum e vivi até os sete anos no povoado de Alto Alegre dos Padres (Barra do Corda), vindo para Imperatriz quando aquela área foi demarcada e devolvida aos indígenas. Minhas influências e inspirações são o próprio povo do Maranhão, em especial o povo dos interiores representado nas quebradeiras de coco, nos trabalhadores rurais e povos ribeirinhos. Saí do Maranhão por uma necessidade de tratamento de saúde de minha filha caçula e lá no Distrito Federal me formei em Artes Cênicas e pude perceber o quanto a força das minhas memórias eram latentes e o quanto a minha identidade cultural me fortalecia nas atividades nas quais fui me envolvendo. Nunca perdi o contato com a região e procurei sempre ressaltar as belezas da região na qual vivi por meio da poesia e da minha carreira artística. Procurando, ainda, desenvolver ações de formações, projetos culturais e artísticos na região por meio da Associação Casa das Artes.

“Cora dentro de mim” está há 17 anos em cartaz. Como é fazer um espetáculo por tanto tempo e o que a fascina na feitura deste espetáculo?

Quando li o primeiro poema de Cora Coralina, “Todas as vidas”, em 1996 fui arrebatada. De lá até aqui tenho sido arrebatada continuamente com novas descobertas nas releituras que faço. A simplicidade que autora usa em sua escrita para falar de questões profundas foi o que me fascinou, o otimismo e a superação dessa mulher que atravessou dois séculos enfrentando muitas dificuldades e preconceitos, sabendo transformar, com a alquimia da poesia, seu sofrimento em poesia. Ao falar do seu cotidiano na pequena Cidade de Goiás ela fala de um Brasil interior e seus costumes, é historiadora, é poeta, contista, mulher anciã e menina mulher. Gosto de pensá-la como rapadura: doce para as necessidades do espírito e dura com o que precisa ser denunciado, dito!

Fale sobre sua relação com o trabalho de Cora Coralina.

Cora é para mim uma referência para pesquisa, para deleite e para novos aprendizados a cada releitura. Me coloco sempre como aprendiz nesse trabalho e provavelmente por isso venha se renovando sempre. A primeira vez que apresentei esse trabalho foi em Ribeirão Preto, no ano 2000, ainda em formato perfomático e fiquei impressionada com a receptividade, as declarações de amor à Cora que aquelas pessoas faziam. Em todos os lugares que apresentei tem sempre uma história, na Oficina Teatro do Perdiz, quando estreei aqui no DF, dois depoimentos me chamaram a atenção: um em relação à duração do espetáculo, quando a pessoa me perguntou como eu conseguia ficar tanto tempo em cena, para ela durou duas horas e ela ainda queria mais. O outro foi um moço de Cabo Verde ao falar que foi e voltou 10 vezes ao terreiro de sua mãe Rita, lá na África, que para ele aquelas histórias eram as histórias de sua avó. E seis meses depois eu o encontrei, ele me abraçou e sussurrou ao meu ouvido: “Rio vermelho meu avozinho dá sua benção pra mim”. Que é um poema que eu musiquei e canto no espetáculo. No ano de 2006 apresentei pela primeira vez naquele quintal do Museu Casa Velha da Ponte. Cora nasceu naquela casa e voltou no tarde da vida quando se tornou conhecida e tornou conhecida a cidade que tanto amou. Não existe nada que eu fale que seja capaz de descrever as sensações nascidas dessa experiência. Em 2007 apresentei Cora dentro de Mim em minha terra, Imperatriz minha cidade mãe adotiva, no Teatro Ferreira Gullar e lá encontrei uma pessoa que havia morado na Cidade de Goiás que fez um depoimento emocionante, dizendo que havia se transportado para a velha cidade, sentido o cheiro das ruas e que havida lembrado e visto sua mãe sentada na calçada contado histórias durante o espetáculo.

Para a atriz, o cenário é cheio de ancestralidade
Para a atriz, o cenário é cheio de ancestralidade

E o cenário, figurinos...

Eu concluo que o espetáculo é cheio de ancestralidades, porque a Cora traz isso na sua escrita. É ainda cheio de delicadezas no cenário. Temos três bonecas de pano, sendo uma feita pela avó paterna da minha filha caçula, outra que a minha mãe fez para a minha neta, ambas doaram as bonecas para o espetáculo e outra feita pela minha irmã que é artesã. Temos duas cadeiras de couro e uma mala de cedro feitas pelo pai, que é carpinteiro. O doce de banana, que é feito em cena, é receita da minha mãe, além de ser, minha mãe, parte da inspiração para a composição da minha personagem. O atual figurino é um vestido feito por pessoas em situação de cárcere no presídio da Cidade de Goiás que fazem parte do Projeto Cabocla – Bordando Cidadania, coordenado pela artesã Milena Curado.

Qual a trajetória da peça e por onde ela já circulou e ainda circulará?

Já estivemos em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Imperatriz, Distrito Federal e Piauí. Apresentando em teatros, eventos literários, casas de idosos, escolas, universidades, bares, cafés e tenho ânimo para continuar o trabalho por muito tempo ainda e o levarei aonde for possível.

Você se apresentou em Imperatriz antes de vir a São Luís. Como foi a receptividade do público? E por falar em público, plateia, a peça propõe uma interação com ele... como se dá esta troca entre a atriz/personagem e o espectador?

O teatro lotou e a repercussão foi muito positiva. Ao final fazemos sempre um bate papo e os depoimentos me emocionaram. Procuro estabelecer uma relação de “velhos conhecidos”, amigos que vieram tomar um cafezinho e trocar um dedo de prosa. Faço perguntas durante o trabalho, levo um pouco de doce para a plateia experimentar a medida do açúcar. Cora aproxima as pessoas, isso é inevitável. Não é à toa que foi ela a proponente do Dia Nacional do Vizinho e que o dia é comemorado no dia do seu nascimento, 20 de agosto. Sempre servimos doces ao longo desses anos, inclusive o que é feito em cena, que inevitavelmente as pessoas pedem para experimentar.

Você se apresenta em São Luís no Dia do Teatro. Em sua opinião como está o cenário no Brasil, em especial para atores que fazem trabalhos mais independentes, como me parece ser o teu caso...?

Os artistas no Brasil estão sempre reinventando as formas, dadas as dificuldades que enfrentamos e a necessidade de compartilhar nossas inquietações e leituras de mundos. Vivemos nos últimos 12 anos mudanças na política pública para a cultura que nos possibilitou experimentar, por meio de editais com subvenção do governo, uma maior produção e circulação dos trabalhos artísticos, houve um aumento no fluxo da cadeia produtiva da produção teatral. O caminho, para além dos editais que tem tido uma baixa nesses últimos anos, é a coragem de enfrentar uma produção bancada pelos próprios esforços e recursos financeiros vindos da bilheteria e de apoios de amigos e comerciantes. Há que ser ter muito desprendimento e coragem para enfrentar as dificuldades que parecem não existir quando recebemos o aplauso, a resposta positiva, que é o que nos encoraja, alimenta e nos faz seguir.

Quais são seus projetos além da peça? O que podes adiantar?

Por enquanto estou com dois livros para serem publicados, sendo um de contos e outro de poemas quase eróticos (risos), continuar a divulgação dos livros já publicados – “Miolo de Pote”, “Sertanejares” e “Mundo de Mudim” - gravar um CD com poemas e músicas dos livros já publicados.

Queres acrescentar outras informações?

Faço esse trabalho desde o ano 2000, no início eu ficava preocupada em qual idade da Cora deveria representar no palco. Com o tempo fui percebendo que isso não teria importância para o que eu queria fazer no palco, que era contar suas histórias, falar poemas dentro de uma linguagem teatral. Então em 2008 decidi assumi que seria eu uma contadora de histórias e que caberia ao público visualizar no meu gestual, no texto interpretado qual a Cora ele gostaria de ver. E tem funcionado. Muita gente fala que a visualiza no trabalho em diferentes idades. Busquei nos poemas e contos, na primeira parte da pesquisa, desvendar as diversas personalidades que ela parecia trazer. Depois li o livro Cora Coragem, Cora Poesia! de autoria da Vicência Bretas, filha da Cora, e pude conhecer um pouco mais a mulher que a escritora. A mulher que precisou enfrentar preconceitos da sua época e muitas dificuldades para fazer delas a sua poesia, a obra que tanto nos encanta. “Ajuntei todas as pedras / Que vieram sobre mim/ Levantei uma escada muito alta/ E no alto subi/ Teci um tapete floreado/ E no sonho me perdi/ Uma estrada/ Um leito,/ Uma casa,/ Um companheiro,/ Tudo de pedra/ Entre pedras/ a minha poesia/ Minha vida.../ Quebrando pedras/ E plantando flores/ Entre pedras que me esmagavam/ Levantei a pedra rude dos meus versos”.

Serviço

O quê

"Cora Dentro de Mim - Plantando Roseiras & Fazendo Doces"

Onde

Cine Teatro da Cidade (Centro- São Luís)

Quando

Sábado, 25, às 20h e domingo, 26, às 19h

Entrada gratuita

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