Venezuela

Denunciadas manobras de Maduro contra opositores

De acordo com especialistas, pedidos de impugnações de deputados seriam para tirar poder do novo Parlamento;para Vicente Léon, do instituto de pesquisa Datanálisis, a base fundamental da estratégia do governo é o TSJ

Atualizada em 11/10/2022 às 12h52
Maduro tenta obstruir a maioria qualificada na Assembleia Nacional
Maduro tenta obstruir a maioria qualificada na Assembleia Nacional (Maduro tenta obstruir a maioria qualificada na Assembleia Nacional)

Caracas - A tentativa de impugnar oito deputados da coalizão Mesa de Unidade Democrática (MUD) — que chegaram a nove com um novo pedido de recurso do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) — foi classificada por juristas venezuelanos como inconstitucional. Opositores também falaram de uma “manobra” do governo de Nicolás Maduro para tentar obstruir a maioria qualificada na Assembleia Nacional, pela primeira vez nas mãos da oposição, durante os 16 anos de chavismo.

Os pedidos, feitos na terça e quarta-feira, durante recesso do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), foram baseados na alta quantidade de votos nulos em algumas circunscrições, como a dos estados de Amazonas, Yaracuy e Aragua. Em sua página na internet, o TSJ divulgou ontem o pedido de um “recurso contencioso eleitoral conjuntamente com amparo cautelar e medida de suspensão de efeitos contra a votação das eleições parlamentares do estado do Amazonas”. A medida prejudicaria o deputado Julio Ygarza, o nono da MUD que poderia ser impugnado.

“O PSUV usa o argumento de que há muitos votos nulos, ou seja, mais do que a diferença entre o ganhador e o perdedor, para tentar impugnar os deputados eleitos pela oposição em alguns estados. Mas não existe qualquer lei válida para esse caso. É totalmente inconstitucional”, Blanca Rosa Mármol de León, ex-magistrada do TSJ.

A MUD conseguiu 112 dos 167 assentos na Assembleia Nacional. Se os nove candidatos eleitos não puderem assumir enquanto o recurso é examinado, a oposição não será capaz de reunir a maioria qualificada de dois terços — que lhe garante poder para remover funcionários e até tentar uma saída antecipada de Nicolás Maduro, além de aprovar reformas econômicas e anistiar presos políticos.

‘País sem poder judicial’

Além disso, dois dos três magistrados que decidirão sobre os casos — Fanny Márquez e Christian Zerpa — foram nomeados no último dia 23 pela Assembleia Nacional, ainda de maioria chavista, quando o governo designou 13 novos juízes para a Corte Suprema.

Agora, cabe à Sala Eleitoral do TSJ decidir se admite ou não o julgamento dos recursos apresentados pelo partido oficialista. Somente após essa etapa, o órgão deverá se pronunciar sobre as medidas cautelares de suspensão dos deputados.

“A Sala Eleitoral poderia tentar anular a eleição desses nove deputados da MUD, que não poderiam ser incorporados à nova Assembleia Nacional. Mas seria um excesso, já que medidas cautelares só podem ser aplicadas quando há algum prejuízo irreparável para o resultado das eleições, o que não é o caso. Uma eventual decisão neste sentido seria um claro abuso de poder — defende José Ignacio Hernández, professor de Direito da Universidade Central da Venezuela.

Na terça-feira, sem se referir diretamente às impugnações, Maduro afirmou que está sendo realizada uma investigação sobre supostas irregularidades nas eleições, como “compras de votos e controle dos funcionários das seções eleitorais”. Como parte de um processo de “renovação do chavismo”, o presidente também anunciou a convocação de um Congresso Popular na segunda quinzena de janeiro, sem dar detalhes sobre a nova instância. Para juristas, seria uma tentativa de fazer um contrapeso e até tentar anular o novo Parlamento.

“O chamado Congresso do Povo não tem nada a ver com a Assembleia Nacional como instituição. Seria uma espécie de assembleia de comunas, o que também não está na Constituição. É absolutamente inválido e poderia ser anulado pela nova Assembleia (que assume dia 5 de janeiro). Trata-se de uma tentativa de golpe de Estado constitucional. A Venezuela é um país sem poder judicial — denunciou Blanca.

Surpreso

O ex-deputado equatoriano Fernando Flores, um dos observadores internacionais que acompanharam as votações no dia 6 de dezembro — justamente no estado de Aragua, de onde saíram a maior parte dos recursos - afirmou estar surpreso com as impugnações:

“No total, cinco autoridades de Equador, Uruguai e México foram testemunhas em Aragua do processo eleitoral. Não há motivos para as impugnações”, escreveu no Twitter. “A tentativa do PSUV de impugnar as eleições sem nenhum motivo real demonstra o desespero para tirar a maioria qualificada da oposição”.

Para Vicente Léon, do instituto de pesquisa Datanálisis, a base fundamental da estratégia do governo é o TSJ, onde tem mais possibilidades de manobra.

“O Parlamento comunal faz mais parte de um show. As ações são parte da blindagem institucional do chavismo”, afirmou. “Mas à medida que o governo impeça totalmente o trabalho da Assembleia, aumentará lamentavelmente a probabilidade de conflito e radicalização”.

Analistas também advertem que a tensão política pode provocar uma crise ainda maior que a de 2015, ano que será encerrado com uma inflação de 200%, e queda do PIB de 20%, de acordo com dados privados — o governo não divulga esses números.

MUD pede presença da Unasul

A MUD denunciou as medidas como um “golpe judicial” a organizações internacionais. Terça-feira, membros da coalizão convidaram uma comissão da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) a visitar o país no dia 5 de janeiro, quando o novo Parlamento toma posse. Jesús Torrealba, secretário-geral da MUD, também pediu à população para acompanhar a juramentação dos legisladores e içar bandeiras em suas casas. O oficialismo, por sua vez, convocou uma grande manifestação nas ruas.

Mais

Quarta-feira, 30, após dois dias consecutivos de reuniões para tentar se chegar a um consenso sobre o presidente da nova Assembleia, Torrealba afirmou que uma nova votação secreta será realizada no dia 3 de janeiro, com os 112 deputados eleitos.

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