Opinião

O direito de propriedade

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Atualizada em 11/10/2022 às 12h54

Semana passada estava assistindo ao jornal televisivo, pela manhã, quando divulgaram uma matéria sobre os guardadores de veículos nas ruas de Belo Horizonte.

O negócio era espantoso, pelos seguintes aspectos: primeiro, cada ponto tinha seu dono, que inclusive locava a terceiros; segundo, é algo de grande rentabilidade.

“Cada dono” dispõe de cavaletes, em plena via pública, para marcar seu feudo e, na maioria das vezes, loca o espaço a terceiros e “ai” de quem discordar: há risco de agressão.

Na reportagem, sem saber que estava sendo gravado, apareceu um desses “donos do espaço público”, que tem, pasmem, um carrão. Isso mesmo, não é um carro popular como têm alguns microempresários, que penam para pagar as contas no final do mês: é um carrão, uma caminhonete estalando de nova.

Resposta do poder público a esse absurdo: um eloquente silêncio.

Nada acontece, quiçá como ocorre em São Luís; talvez até ganhem um colete escrito “guardador de carros” e continuem a extorquir os que possuem um veículo e têm a ousadia de estacionar na via pública e não pagar o tal guardador.

Inverte-se tudo nesse país: o que é certo vira errado, e o que é errado vira certo. As pessoas, por sinal, acabam naturalizando e incorporando o que é errado, de tal forma que não ousam questionar e, por vezes, até acham bom.

Quer ver um exemplo dessa inversão, no mesmo contexto do que ora se traz à reflexão e que as pessoas aplaudem?
Tramita na Câmara Federal um projeto de lei que institui a gratuidade de 30% das vagas dos estacionamentos em centros comerciais, supermercados, hipermercados, hospitais, clínicas, rodoviárias, aeroportos e outros estabelecimentos comerciais; estende para 1 hora a gratuidade do estacionamento para todos; e autoriza o estabelecimento a promover a gratuidade com base no consumo do cliente no estabelecimento.

“Ah, que maravilha!” – exclamam alguns. Afinal, todo mundo gosta de uma gratuidade, não é mesmo? Analisando, por outros ângulos, penso que a coisa não é bem assim.

Quando você paga por um estacionamento, o dono do estabelecimento utiliza parte desse valor para pagar um seguro, pois qualquer coisa que aconteça com esse veículo é da responsabilidade do proprietário do comércio.

De fato, mesmo quando o estabelecimento não cobra pelo estacionamento, a sua responsabilidade persiste, razão pela qual, provavelmente, esse risco ou o custo do seguro deve estar embutido no preço dos produtos comercializados.

Outros estabelecimentos, como hospitais, clínicas, rodoviárias e aeroportos, terceirizam o serviço, pois não se trata de atividade fim, logo aquele que explora os serviços haverá de ter um ganho, que justifique o empreendimento.

Se passar essa proposta, a administração do shopping vai repassar os custos aos donos das lojas, que, de sua feita, repassarão aos consumidores. E então, o pobre que não tem carro, e anda de ônibus, estará financiando os “com carro”, que, presumivelmente, têm mais condições financeiras de arcar com os custos de um estacionamento, uma vez que, para que o estacionamento seja gratuito, o custo será acrescido aos produtos comercializados e pago por todos.

Esse repasse, por certo, acontecerá em todos os estabelecimentos que exploram direta ou indiretamente os chamados “parking”, cobrando pelo tempo de uso. Não existe almoço de graça. Alguém vai ter de pagar e, nesse caso, “o alguém” é justamente o mais pobre, que não tem carro, mas vai ao shopping e faz compras.

Tenho perguntado insistentemente para mim mesma se a classe política desse país é sabedora de que a Constituição Federal estabeleceu como princípio fundamental a livre iniciativa e, como direito fundamental, o respeito à propriedade privada.

A gratuidade ou pagamento do estacionamento, ou ainda o desconto do estacionamento com base no consumo, é ferramenta de gestão do empresário, faz parte do jogo da concorrência de mercado. Assim funciona em outros países, onde existe respeito à livre iniciativa e os consumidores têm uma vida muito melhor que a nossa.

Perguntem aos donos dos estabelecimentos que cobram estacionamento quanto eles pagam de imposto por esse serviço e, depois, perguntem ao Estado se ele abre mão dos impostos recolhidos sobre esse serviço. A resposta à segunda indagação, com certeza, será negativa, mas, se aprovado esse absurdo, de imediato o Executivo sancionará, sem abrir mão dos impostos.

Com que direito o parlamento pode estabelecer gratuidade sobre os empreendimentos privados? Isso é uma afronta ao direito de propriedade. Vou repetir uma frase que disse em outros artigos: ser empreendedor formal no Brasil, e, portanto, gerando emprego, renda e riquezas, é cansativo. É coisa para herói.

Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro
Juíza de Direito.
sonia.amaral@globo.com

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