Becos de São Luís

De nomes exóticos, muitos becos ainda são desconhecidos em SL

Até hoje há moradores do Centro que não sabem da existência de vias ou porque estão desabitadas ou porque têm diversas denominações; o Beco do Prego, por exemplo, é chamado Travessa do Jaú e Rua Corrêa da Silva

Jock Dean / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h57

Na Rua São João, centro de São Luís, há uma bifurcação cujos caminhos seguem para a Avenida Beira-Mar. Um sai em frente à sede do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). O outro em frente à administração da antiga Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA). Uma das vias, quase desabitada, é o Beco do Prego ou Travessa do Jaú ou Rua Corrêa da Silva. Assim, com vários nomes, como muitas das ruas da capital.

Por causa dos diversos nomes, a localização de muitos endereços do Centro é difícil, como é o caso do Beco do Prego. Até mesmo moradores antigos não sabiam da localização ou mesmo existência do logradouro. A única pista era a dada por Carlos de Lima em seu “Caminhos de São Luís” (2001). “Início: rua da Saavedra (Jânsen Matos); fim: avenida José Sarney, no antigo Cais da Sagração. Chamou-se de 1928 a 1954 Travessa do Jaú, quando passou a Corrêa da Silva, com a peculiaridade apontada por Domingos de que a Prefeitura até hoje não lhe apôs a placa da homenagem”.

A menção feita por Carlos de Lima é ao escritor Domingos Vieira Filho e sua “Breve História das Ruas de São Luís”. Publicado em 1962, o livro já apontava a falta de placas de identificação na via, o que não mudou 53 anos depois. Uma informação aqui, outra li, uma senhora que passava pela Rua da Saavedra à caminho de casa com algumas compras de mercearia indicou a bifurcação. Descendo a via, ninguém nas ruas, dois casarões abandonados e as pouquíssimas residências do local fechadas. Até que em uma portinhola o barulho de uma máquina de costura quebrava o silêncio. Nela, Raimundo Nonato Cantanhede concentrava-se ao fazer a barra de uma calça.

Com 74 anos e alfaiate desde 1967, foi ele quem confirmou que a via era o Beco do Prego, Travessa do Jaú ou Rua Corrêa da Silva. “Pelo que sei, chamam aqui de Beco do Prego porque havia um homem que tinha uma oficina aqui que se chamava Raimundo, mas todos os conheciam por Prego. Disso, pegou o nome do beco. É o que eu sempre ouvi falar”, comentou. Sobre a denominação Travessa do Jaú, Cantanhede, como o alfaiate é conhecido por todos, não soube dizer o porquê.

A calmaria do beco, segundo Cantanhede, só é quebrada em momentos específicos do dia. “Nos horários de entrada e saída dos alunos da Escola Modelo, que fica aqui próximo. Nesses horários, eles sobrem e descem o beco. Fora isso, um ou outro carro passa de vez em quando. Durante o fim de semana, então, é que não tem movimento no beco. Isso aqui parece um cemitério de tão silencioso”, contou. E é nesse cenário bucólico, que, segundo Cantanhede, em nada mudou desde sua chegada ao local, que ele acompanha o passar dos dias no centro da capital.

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O nome Rua Corrêa da Silva dado ao Beco do Prego é uma homenagem a Raimundo Feliciano Corrêa da Silva. Ele foi redator dos “Diários Associados”, revisor do “Diário Oficial” e bibliotecário da Biblioteca Pública do Estado. Jornalista e poeta modernista, integrou o Cenáculo Graça Aranha e foi titular da cadeira número 22 da Academia Maranhense de Letras (AML). Nasceu em Miritiba, hoje Humberto de Campos, interior do Maranhão, em 20 de maio de 1917 e morreu em São Luís, em 4 de julho de 1951. Deixou “Minha cidade de mirantes e azulejos”, “Gotas de sangue e suor” e “Vida de Gonçalves Dias para crianças”, inéditos.

Bosta e Caga Osso são alguns nomes de logradouros

Muitos dos nomes dados a becos na capital maranhense retratam o passado da via e ficaram assim conhecidos por iniciativa dos próprios moradores da cidade que para facilitar a localização usavam fatos pitorescos do cotidiano

O Centro Histórico de São Luís é recortado por dezenas de becos que têm nomes de origens variadas. Alguns nomes são peculiares, como o do Quebra Bunda. Outros soam poéticos ou líricos, como o Beco Feliz e o Beco Deserto. Mas qualquer que seja o nome do local, eles são sempre marcas da identidade sociocultural de uma capital com quatro séculos de história e tantas influências culturais. Entretanto, algumas vezes, os nomes são bem pitorescos, como os becos da Bosta e do Caga Osso.

Descendo da Praça Antônio Lobo, onde fica a Igreja de Santo Antônio, a Rua de Santo Antônio segue até a Rua do Egito, passando pela lateral da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Nesse percurso está o Beco da Bosta. O nome pouco agradável do logradouro contrasta com o local. Uma rua estreita, ventilada e silenciosa, mas diz muito sobre o passado da via. “O beco tem esse nome porque era o local por onde passavam os tigres ou cabungos, escravos que carregavam os tonéis com excrementos de seus senhores para serem despejados no mar”, explicou Luiz Phelipe Andrès, que é autor do Programa de Preservação e Revitalização do Centro Histórico de São Luís.

O beco parte da Rua de Santo Antônio e chega até a Avenida Beira-Mar, antigo Parque 15 de Novembro, que foi chamado ainda de Praia do Caju, na época da colonização da cidade. Área que era de maré antes dos aterramentos necessários à sua construção. O depósito dos excrementos diretamente na maré era a única forma de esgotamento sanitário existente aquela época em São Luís.

Hoje, o cenário em nada lembra o passado sujo da viela. Até lixo nas calçadas, já que o beco tem muitas residências, é algo raro de se ver. Mas essa limpeza do local tem um motivo, ou melhor, um responsável, Barrabás. Luís Carlos Barrabás Araújo é artesão e mora no beco há quase 10 anos, onde promove oficinas de tambor de crioula para turistas e jovens. “Eu educo as pessoas aqui para manterem o beco limpo, porque antes ele ainda era muito sujo. Hoje, os moradores varrem, cuidam da área”, afirmou.

Barrabás tem planos para revitalizar a área, fazendo pequenas intervenções na sua paisagem, como a colocação de plantas nos muros. “Aqui é uma área muito boa. Sempre rolam atividades culturais. Quando passa um turista, eu mostro como se fabrica um tambor, se ele quer, faço uma oficina e assim a gente vai melhorando aqui a área”, contou o morador.

Caga Osso - Mas o nome incomum do beco não é tão constrangedor quanto o Beco do Caga Osso. Pelas ruas do Centro Histórico, toda vez que alguém é perguntado pela localização da via a reação é sempre de espanto e de constrangimento. E nem mesmo os moradores da área sabiam que a rua tem essa denominação, pois ela é mais comumente conhecida como outro beco, da Lapa. O beco é uma via extensa que sobe da lateral do Convento das Mercês, cruza a Rua do Dique ou Rio de Janeiro, Rua da Palma, Rua Formosa ou Afonso Pena, Travessa do Portinho e chega até a Rua da Manga, onde uma placa em um casarão indica a construção de um cais em 1869. Portanto, o beco tinha a função de ligar duas áreas de maré na antiga São Luís.

A versão mais aceita da origem do nome conta que havia no local um italiano chamado Cagliostro, mas como o ludovicenses não conseguiam pronunciar seu nome, passaram a chamá-lo de “Caga Osso”. Se é verdade ou não, o fato é que entre os moradores da área as versões para o nome da rua tem essa mesma origem. “Eu moro aqui há 60 anos e o que sempre ouvi dizer é que tinha um português que morava aqui e que um dia comeu alguma coisa que não caiu bem e teve uma diarréia muito forte e toda hora ia ao beco. Então, as pessoas começaram a dizer que ele já estava era cagando osso. Disso pegou o nome da rua”, conta Dinair Campos Cutrim.

Nome incomum

O Beco da Bosta também é conhecido como Beco do Zé Coxo e Beco da Baronesa. Este último por causa do sobrado de esquina que serviu de moradia a Baronesa de São Bento. Hoje, no local, funciona o Centro de Artes Cênicas do Maranhão (CACEM). O outro nome da rua é Travessa 28 de Setembro, em homenagem à data em que foi sancionada a Lei do Ventre Livre, que foi promulgada em 1871, e considerava livre todos os filhos de mulheres escravas nascidos a partir da data da lei.

“Antigamente, muita gente ainda fazia suas necessidades do beco [da Bosta]. Mas agora nós que somos moradores mantemos a área limpa e de bosta, ele só tem mesmo o nome, porque os nomes que deram depois nunca se popularizaram”, Barrabás, morador do local

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