Amanhã, às 19h, Arlete Nogueira da Cruz lançará seu livro mais recente, O rio, no Centro de Criatividade Odylo Costa, filho (Praia Grande). Escrito em 1967, após o falecimento de seu avô Paulo Antonio Simão e depois de uma viagem de canoa pelo Rio Itapecuru entre Cantanhede (sua terra natal) e Itapecuru-Mirim, o livro ficou esperando quase 50 anos para ser editado, merecendo a atenção de intelectuais como Hildeberto Barbosa Filho, Ivan Junqueira, Jorge Tufic, Mario Pontes, Marco Lucchesi, Cláudio Murilo Leal e Antonio Carlos Secchin.
O livro tem orelhas escritas pelo poeta e ensaísta Carlos Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Filosofia. "Arlete Nogueira da Cruz, escritora admirada, desde A parede [1961], Litania da velha [1996], Contos inocentes [2000], entre outros, debruça-se liricamente, como no eito do poeta Fernando Pessoa, sobre 'o rio de sua aldeia'. E principalmente a respeito do que vai além desse rio, com sua história, sua carga de paisagem e dor, sua pungente humanidade e geografia. Um rio de gerações e as gerações dos rios. Porque na palavra simples, concisa, límpida e densa de Arlete Nogueira da Cruz, o rio se torna fábula, numa força de poesia, com os seres que o povoam", afirmou Nejar.
A novela traz capa e ilustrações do artista plástico Péricles Rocha, que apreendeu o espírito do trabalho de Arlete, compondo belas imagens representativas da obra. O rio é o 12º livro de Arlete Nogueira da Cruz e mais um lançamento sob inteira responsabilidade da autora, editado no Rio de Janeiro pela Sermograf, com projeto gráfico de Élio Moraes, da AB Publicidade.
O rio, uma viagem de volta
Hildeberto Barbosa Filho*
Especial para o Alternativo
Creio que o rio constitui um tópico essencial à criação literária. Quer na ficção, quer na poesia, quer em gêneros outros, como as memórias, a crônica, o ensaio, o rio sempre aparece, com suas ressonâncias simbólicas, míticas e poéticas.
Desde Heráclito o rio corre filosoficamente, transmudando-se em metáfora do tempo e imagem do percurso sinuoso e delicado da própria existência humana. O rio Mississipi, de Mark Twain; o Sena, de Charles Baudelaire; o Tejo, de Fernando Pessoa, e o Capibaribe, recortando o agreste da poética cabralina, são exemplos de aproveitamento estético dessa antiga temática. Tanto nas dimensões reais e históricas do desenho geográfico quanto nas latitudes do imaginário, estes e outros rios têm tornado mais cristalinas e mais sedutoras as águas de que se compõe o texto literário.
Arlete Nogueira da Cruz, escritora maranhense, não é indiferente ao motivo do rio e aos seus apelos líricos e mágicos. O rio (São Luís, 2012) é seu livro mais recente, mesmo que tenha sido escrito há mais ou menos 45 anos, conforme esclarece a própria autora em detalhada apresentação.
Saindo de Chapadão das Várzeas, Pedro, personagem central, segue o curso do rio, numa viagem que é, ao mesmo tempo, geográfica e onírica, externa e interna, objetiva e subjetiva, como um rito de passagem. Seu intento é conseguir uma vida melhor. Nessa pequenina odisseia, Pedro enfrenta perigos reais e imaginários, vivendo a beleza e a crueldade da natureza, com sua fauna mágica e sua flora exuberante.
O tópico da viagem é reativado nesta novela com seus ingredientes originais, embora me pareçam pertinentes associações com as referências clássicas da partida e do regresso que as estratificam no Ulisses, que volta à Ítaca, no Enéias, que funda Roma, no Dante, que desce aos Infernos, atravessa o Purgatório e culmina no Paraíso. Quando Pedro, já exausto e abatido, encontra o velho pescador, tem nele uma espécie de guia final na sua viagem de volta, uma espécie de condutor e pedagogo que, à semelhança de Beatriz, no fluxo dos últimos cantos da Divina Comédia, trazendo luz e sabedoria para Dante no reino celestial, traz conforto e pertencimento para o pobre viajante.
É o rio, contudo, o Virgílio de Pedro, na sua viagem em busca de um novo lugar, mas, sobretudo, em busca de si mesmo. A narrativa é rica em componentes humanos e ecológicos, sem incidir, no entanto, em passagens manifestamente explícitas e programáticas de intenções "verdes" ou de conteúdo politicamente correto. Se pode pensar num público infanto-juvenil enquanto destinatário específico, a exemplo do que a escritora já fez com Contos inocentes (2000), as camadas linguísticas e o trato estético dos vocábulos elastecem a faixa desse público, pois a novela vale e contamina o gosto dos 9 aos 90 anos.
Arlete Nogueira da Cruz, trazendo à tona do espaço literário uma história calcada na tradição oral do saber de experiências feito, não sucumbe, como de hábito em escritores menores, ao fascínio da eficácia didática e moralista, porque, narrando, não deixa de privilegiar a substância lírica das motivações exploradas e, sobremaneira, a espessura poética da palavra, de resto, já percebida por Carlos Nejar, em breve nota de orelha.
Aliás, reforçando o texto verbal, em ampla dimensão criativa, deparam-se as cores, traços e manchas das ilustrações de Péricles Rocha, num verdadeiro diálogo intersemiótico entre signo e imagem, ativando, assim, a imaginação e a sensibilidade dos leitores que, ao passar das páginas, também navegam as águas encantadas desse rio mágico. Rio que representa, a bem dizer, a figura do protagonista, o eixo móvel e fixo de toda a engrenagem narrativa. Algumas passagens da apresentação e a escolha da epígrafe extraída do poema O rio, de Ivan Junqueira, sinalizam neste sentido.
Linguagem simples, porém tocada pela alquimia de um lirismo naturista; enredo linear, de começo, meio e fim, porém dotado da capacidade de atrair a atenção do leitor, personagens e episódios marcantes, com visíveis e inegáveis possibilidades empáticas, enfim, uma como que brisa poética soprando sempre ao sabor da correnteza das águas e das palavras responde pela efetividade literária dessa novela de juventude, publicada na maturidade.
O Maranhão é uma das fundações literárias da cultura brasileira. Odorico Mendes, Sotero dos Reis, Gonçalves Dias, João Francisco Lisboa, Sousândrade, Aluísio Azevedo, Graça Aranha, Humberto de Campos e, mais para cá, Bandeira Tribuzi, José Sarney, Ferreira Gullar, Nauro Machado, José Chagas, Lago Burnett, entre outros, garantem o selo da melhor tradição. Pela dedicação e esforço para com as ações culturais, e, principalmente, pela obra literária realizada, com títulos, a exemplo de A parede, Cartas da paixão, Compasso binário, Contos inocentes e Litania da velha, Arlete Nogueira da Cruz deve e merece integrar esta história.
* Ensaísta, poeta e professor-doutor da Universidade Federal da Paraíba.
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