Burocracia para reformar

“Centro Histórico de São Luís está à venda”, afirmam proprietários de imóveis na área

Eles reclamam, principalmente, da burocracia por parte do Iphan e afirmam que a área está perdendo sua pujança econômica porque os empreendedores estão fechando suas portas.

Evandro Júnior / Imirante

Atualizada em 03/03/2023 às 11h39
Casarões com placas à venda no Centro Histórico de São Luís
Casarões com placas à venda no Centro Histórico de São Luís

SÃO LUÍS – As informações divulgadas pela Defesa Civil sobre a vistoria em 261 imóveis do Centro Histórico de São Luís e a afirmação de que, desse total, 50 correm risco iminente de desabamento, desencadearam uma outra problemática, relatada por proprietários de casarões naquela área.

Segundo eles, o incentivo quase inexistente para a conservação dos prédios e a rígida burocracia por parte de órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas também do Departamento de Patrimônio Histórico Artístico e Paisagístico do Maranhão (DPHP), são alguns entraves para que eles consigam manter a conservação dos mesmos e, em muitos casos, tocar seus empreendimentos para alavancar a pujança da economia na região.

Eles contam, entre outras coisas, que nada ou quase nada podem fazer em seus imóveis em razão da série de restrições e regras do tombamento federal. Pequenas ou grandes reformas estão sempre na mira, sob pena de aplicação de multas, embargo de obras e processos civis e criminais. Os projetos demoram a ser aprovados e eles não têm conhecimento de mão de obra especializada para assessorá-los, uma vez que as regras são muito rígidas.

Casarões localizados na Rua do Sol à venda
Casarões localizados na Rua do Sol à venda

Esvaziamento 

A área, aos poucos, vai esvaziando. Faltam restaurantes, bares, farmácias, pizzarias e pontos de entretenimento do setor privado no geral. Segundo os empreendedores, não há incentivo para estimular moradias por parte dos governos municipal, estadual e federal. A Rua Grande, por exemplo, antes um centro forte e referência do comércio local, perdeu muitas de suas lojas e já dá sinais de declínio. Realidade não muito diferente na Rua da Paz, na Rua do Sol, na Rua Afonso Pena e na Rua de Santana, esta última muito conhecida por agregar lojas do comércio varejista de armarinho.

Até sedes de órgãos públicos importantes devem deixar a área. Em janeiro deste ano, o desembargador Paulo Vélten, presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), anunciou que, em breve, o órgão terá um novo endereço. O mesmo acontecerá com a Câmara Municipal, ou seja, alterações que comprometerão ainda mais o cenário naquela região. Tudo isso desestimulará ainda mais as iniciativas de empreendedores que poderiam migrar para o Centro Histórico.

Os imóveis, segundo eles, são particularmente dispendiosos. O material utilizado nas construções originais, como madeira e barro, são sensíveis à ação de cupins e intempéries. A reposição, especialmente a madeira, demanda investimento alto e recorrente.

“Além disso, a necessidade de segurança patrimonial exige mais investimentos que normalmente se converteria, pois não é possível alterar os elementos característicos dos imóveis históricos, construídos em um contexto em que a violência urbana era insignificante”, afirma o advogado e historiador Diogo Guagliardo Neves, proprietário de dois imóveis na área.

Prédio na Rua do Sol está à venda
Prédio na Rua do Sol está à venda

Insustentabilidade

Segundo Diogo Neves, apesar dos investimentos públicos nos últimos anos, o Centro Histórico continua insustentável economicamente porque faltam políticas públicas específicas para investimento privado. Uma das soluções seria a redução da carga tributária local para empreendedores, simplificação dos procedimentos para aprovação de novos projetos, linhas de crédito específicas para aquisição, reforma de imóveis históricos e assessoramento técnico”, defende.

A maior parte dos empreendedores com negócios na região reluta e tenta seguir em frente, mas relata que a situação chegou ao seu ponto limite, principalmente depois dos problemas gerados pela pandemia do novo coronavírus, que levaram muitos ao desânimo ou, nos casos mais graves, à falência.

Simone Cioccolani, proprietário das pousadas Portas da Amazônia e Palmas Hostel, na Rua do Giz, cita, ainda, o problema da segurança e da limpeza da área, que deixa muito a desejar, afastando os turistas. Ele também aborda a questão dos tributos. “A isenção do IPTU para prédios históricos ocorre apenas na teoria, mas, na prática, é um processo muito burocrático”, considera.

Na Rua do Sol, vários imóveis estão à venda. Na Rua Afonso Pena, a tradicional Pousada Colonial está desativada e aguarda um futuro proprietário, pois também está à venda. O prédio onde funcionou a lanchonete Ferro de Engomar, na bifurcação entre a Magalhães de Almeida e a antiga Rua Formosa, hoje Afonso Pena, também está fechado. O prédio onde funcionava o Balé Olinda Saul também está à venda.

Prédio onde funcionava o Balé Olinda Saul, na Rua do Sol
Prédio onde funcionava o Balé Olinda Saul, na Rua do Sol

O resultado é que a região corre o risco de “fechar”, o que terá implicação no processo de revitalização, tão importante para a pujança da economia e para o turismo e que vem sendo tentado há anos. A região perdeu cerca de 70% do seu poder econômico. Até os empreendimentos do setor de turismo, como hotéis e pousadas, tornaram-se escassos, impedindo que turistas se hospedem e gastem dinheiro na área.

“São muitas exigências”, diz proprietário de vários imóveis 

Raimundo Florêncio Pinheiro, que tem cerca de dez imóveis distribuídos na Rua do Sol, Afonso Pena e Rua do Giz, afirma que a aprovação de um projeto pelo Iphan é uma via-crúcis e leva anos devido à rigidez do Decreto-Lei 25, de 30 de novembro de 1937. Um dos imóveis dele está à venda e outro sentenciado na justiça.

“Esse decreto-lei é importante, mas, na prática, vai às raias do absurdo. São muitas exigências e os técnicos do Iphan poderiam tem um diálogo melhor com os proprietários dos imóveis para que o resultado fluísse melhor. Falta humanidade”, diz ele, que ainda relatou que tem um projeto aguardando aprovação há nove anos.

Vários prédios estão com placa de venda no Centro Histórico de São Luís
Vários prédios estão com placa de venda no Centro Histórico de São Luís

Raimundo é da opinião de que os técnicos do Iphan poderiam tomar a iniciativa e abordar proprietários de imóveis, incentivando-os a fazer pequenos reparos mediante simples correspondência. “Garantindo manter a originalidade do imóvel. E é isso que eu defendo e sigo à risca”, frisa.

As dificuldades aumentaram a partir de 2017, tendo em vista uma série de anomalias na região, a começar pela escassez de estacionamentos e a falta de infraestrutura. 

Uma das mais constantes reclamações é a demora para aprovação de projetos, o que desanima os empreendedores. Eles defendem que o governo estadual poderia facilitar o processo credenciando profissionais para ajudar na aprovação dos projetos, reduzindo o tempo de espera, ou criando um departamento dentro de uma secretaria já existente para recebê-los e intermediar junto ao Iphan para acelerar a resposta às demandas.

Prédio da tradicional Pousada Colonial, na Rua Afonso Pena, também está à venda
Prédio da tradicional Pousada Colonial, na Rua Afonso Pena, também está à venda

Critérios técnicos

O Iphan, respondendo aos questionamentos do Imirante, ressaltou que todos os documentos técnicos emitidos pela instituição são balizados em critérios técnicos com fins de garantir a manutenção das características arquitetônicas, paisagísticas e urbanísticas das edificações, responsáveis pelo tombamento das mesmas a nível nacional, e que culminaram com a inscrição desse conjunto urbano na lista do Patrimônio Mundial da Unesco.

No que tange à cobrança de multas, ressaltamos que as mesmas só acontecem quando existe um dano a esse patrimônio cultural edificado tombado. Os procedimentos para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao patrimônio cultural edificado, a imposição de sanções, os meios de defesa, o sistema recursal e a forma de cobrança dos débitos decorrentes das infrações (multas), são regulamentados a nível nacional pela Portaria Iphan 187/2010.

“Diante das considerações supracitadas, informamos que todos os procedimentos para concessão de autorização para realização de intervenções em bens edificados tombados e nas respectivas áreas de entorno, bem como os procedimentos de fiscalização, seguem às determinações legais a nível nacional”, disse o órgão. 

O órgão reiterou que quem tem relação direta com o imóvel, ou seja, seu proprietário ou possuidor, deverá solicitar autorização para a realização de intervenções em bens edificados tombados e suas áreas de entorno. Neste sentido, a Portaria IPHAN 420/2010 regulamenta a nível nacional todo o processo de concessão de autorização para realização de intervenções em bens edificados tombados pelo Governo Federal e nas respectivas áreas de entorno (documentações necessárias, tipos de intervenções, prazos de análise, entre outras informações detalhadas ao cidadão).

O Iphan não informou o que pode ser feito para facilitar todo o processo e se tem equipe especializada para orientar os proprietários de imóveis, principalmente aqueles que estão com dificuldades para reformar. Também não abordou o que pode ser feito para reduzir a burocracia, aproximar melhor os técnicos, simplificar os procedimentos para aprovação dos novos projetos, assessoramento técnico e incentivo aos pequenos reparos.

A Associação Comercial do Maranhão (ACM) foi procurada pelo Imirante, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.


 

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