“Centro Histórico de São Luís está à venda”, afirmam proprietários de imóveis na área
Eles reclamam, principalmente, da burocracia por parte do Iphan e afirmam que a área está perdendo sua pujança econômica porque os empreendedores estão fechando suas portas.
SÃO LUÍS – As informações divulgadas pela Defesa Civil sobre a vistoria em 261 imóveis do Centro Histórico de São Luís e a afirmação de que, desse total, 50 correm risco iminente de desabamento, desencadearam uma outra problemática, relatada por proprietários de casarões naquela área.
Segundo eles, o incentivo quase inexistente para a conservação dos prédios e a rígida burocracia por parte de órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mas também do Departamento de Patrimônio Histórico Artístico e Paisagístico do Maranhão (DPHP), são alguns entraves para que eles consigam manter a conservação dos mesmos e, em muitos casos, tocar seus empreendimentos para alavancar a pujança da economia na região.
Eles contam, entre outras coisas, que nada ou quase nada podem fazer em seus imóveis em razão da série de restrições e regras do tombamento federal. Pequenas ou grandes reformas estão sempre na mira, sob pena de aplicação de multas, embargo de obras e processos civis e criminais. Os projetos demoram a ser aprovados e eles não têm conhecimento de mão de obra especializada para assessorá-los, uma vez que as regras são muito rígidas.
Esvaziamento
A área, aos poucos, vai esvaziando. Faltam restaurantes, bares, farmácias, pizzarias e pontos de entretenimento do setor privado no geral. Segundo os empreendedores, não há incentivo para estimular moradias por parte dos governos municipal, estadual e federal. A Rua Grande, por exemplo, antes um centro forte e referência do comércio local, perdeu muitas de suas lojas e já dá sinais de declínio. Realidade não muito diferente na Rua da Paz, na Rua do Sol, na Rua Afonso Pena e na Rua de Santana, esta última muito conhecida por agregar lojas do comércio varejista de armarinho.
Até sedes de órgãos públicos importantes devem deixar a área. Em janeiro deste ano, o desembargador Paulo Vélten, presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), anunciou que, em breve, o órgão terá um novo endereço. O mesmo acontecerá com a Câmara Municipal, ou seja, alterações que comprometerão ainda mais o cenário naquela região. Tudo isso desestimulará ainda mais as iniciativas de empreendedores que poderiam migrar para o Centro Histórico.
Os imóveis, segundo eles, são particularmente dispendiosos. O material utilizado nas construções originais, como madeira e barro, são sensíveis à ação de cupins e intempéries. A reposição, especialmente a madeira, demanda investimento alto e recorrente.
“Além disso, a necessidade de segurança patrimonial exige mais investimentos que normalmente se converteria, pois não é possível alterar os elementos característicos dos imóveis históricos, construídos em um contexto em que a violência urbana era insignificante”, afirma o advogado e historiador Diogo Guagliardo Neves, proprietário de dois imóveis na área.
Insustentabilidade
Segundo Diogo Neves, apesar dos investimentos públicos nos últimos anos, o Centro Histórico continua insustentável economicamente porque faltam políticas públicas específicas para investimento privado. Uma das soluções seria a redução da carga tributária local para empreendedores, simplificação dos procedimentos para aprovação de novos projetos, linhas de crédito específicas para aquisição, reforma de imóveis históricos e assessoramento técnico”, defende.
A maior parte dos empreendedores com negócios na região reluta e tenta seguir em frente, mas relata que a situação chegou ao seu ponto limite, principalmente depois dos problemas gerados pela pandemia do novo coronavírus, que levaram muitos ao desânimo ou, nos casos mais graves, à falência.
Simone Cioccolani, proprietário das pousadas Portas da Amazônia e Palmas Hostel, na Rua do Giz, cita, ainda, o problema da segurança e da limpeza da área, que deixa muito a desejar, afastando os turistas. Ele também aborda a questão dos tributos. “A isenção do IPTU para prédios históricos ocorre apenas na teoria, mas, na prática, é um processo muito burocrático”, considera.
Na Rua do Sol, vários imóveis estão à venda. Na Rua Afonso Pena, a tradicional Pousada Colonial está desativada e aguarda um futuro proprietário, pois também está à venda. O prédio onde funcionou a lanchonete Ferro de Engomar, na bifurcação entre a Magalhães de Almeida e a antiga Rua Formosa, hoje Afonso Pena, também está fechado. O prédio onde funcionava o Balé Olinda Saul também está à venda.
O resultado é que a região corre o risco de “fechar”, o que terá implicação no processo de revitalização, tão importante para a pujança da economia e para o turismo e que vem sendo tentado há anos. A região perdeu cerca de 70% do seu poder econômico. Até os empreendimentos do setor de turismo, como hotéis e pousadas, tornaram-se escassos, impedindo que turistas se hospedem e gastem dinheiro na área.
“São muitas exigências”, diz proprietário de vários imóveis
Raimundo Florêncio Pinheiro, que tem cerca de dez imóveis distribuídos na Rua do Sol, Afonso Pena e Rua do Giz, afirma que a aprovação de um projeto pelo Iphan é uma via-crúcis e leva anos devido à rigidez do Decreto-Lei 25, de 30 de novembro de 1937. Um dos imóveis dele está à venda e outro sentenciado na justiça.
“Esse decreto-lei é importante, mas, na prática, vai às raias do absurdo. São muitas exigências e os técnicos do Iphan poderiam tem um diálogo melhor com os proprietários dos imóveis para que o resultado fluísse melhor. Falta humanidade”, diz ele, que ainda relatou que tem um projeto aguardando aprovação há nove anos.
Raimundo é da opinião de que os técnicos do Iphan poderiam tomar a iniciativa e abordar proprietários de imóveis, incentivando-os a fazer pequenos reparos mediante simples correspondência. “Garantindo manter a originalidade do imóvel. E é isso que eu defendo e sigo à risca”, frisa.
As dificuldades aumentaram a partir de 2017, tendo em vista uma série de anomalias na região, a começar pela escassez de estacionamentos e a falta de infraestrutura.
Uma das mais constantes reclamações é a demora para aprovação de projetos, o que desanima os empreendedores. Eles defendem que o governo estadual poderia facilitar o processo credenciando profissionais para ajudar na aprovação dos projetos, reduzindo o tempo de espera, ou criando um departamento dentro de uma secretaria já existente para recebê-los e intermediar junto ao Iphan para acelerar a resposta às demandas.
Critérios técnicos
O Iphan, respondendo aos questionamentos do Imirante, ressaltou que todos os documentos técnicos emitidos pela instituição são balizados em critérios técnicos com fins de garantir a manutenção das características arquitetônicas, paisagísticas e urbanísticas das edificações, responsáveis pelo tombamento das mesmas a nível nacional, e que culminaram com a inscrição desse conjunto urbano na lista do Patrimônio Mundial da Unesco.
No que tange à cobrança de multas, ressaltamos que as mesmas só acontecem quando existe um dano a esse patrimônio cultural edificado tombado. Os procedimentos para apuração de infrações administrativas por condutas e atividades lesivas ao patrimônio cultural edificado, a imposição de sanções, os meios de defesa, o sistema recursal e a forma de cobrança dos débitos decorrentes das infrações (multas), são regulamentados a nível nacional pela Portaria Iphan 187/2010.
“Diante das considerações supracitadas, informamos que todos os procedimentos para concessão de autorização para realização de intervenções em bens edificados tombados e nas respectivas áreas de entorno, bem como os procedimentos de fiscalização, seguem às determinações legais a nível nacional”, disse o órgão.
O órgão reiterou que quem tem relação direta com o imóvel, ou seja, seu proprietário ou possuidor, deverá solicitar autorização para a realização de intervenções em bens edificados tombados e suas áreas de entorno. Neste sentido, a Portaria IPHAN 420/2010 regulamenta a nível nacional todo o processo de concessão de autorização para realização de intervenções em bens edificados tombados pelo Governo Federal e nas respectivas áreas de entorno (documentações necessárias, tipos de intervenções, prazos de análise, entre outras informações detalhadas ao cidadão).
O Iphan não informou o que pode ser feito para facilitar todo o processo e se tem equipe especializada para orientar os proprietários de imóveis, principalmente aqueles que estão com dificuldades para reformar. Também não abordou o que pode ser feito para reduzir a burocracia, aproximar melhor os técnicos, simplificar os procedimentos para aprovação dos novos projetos, assessoramento técnico e incentivo aos pequenos reparos.
A Associação Comercial do Maranhão (ACM) foi procurada pelo Imirante, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
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