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COLUNA

Joaquim Haickel
Joaquim Haickel é cineasta, analista político e foi deputado constituinte em 1988.
Coluna do Joaquim

Releituras

A diferença entre uma boa versão e o assassinato de clássicos consagrados.

Joaquim Haickel

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38

 

Vila de Trancoso
Vila de Trancoso

 

Já faz muito tempo que eu tenho vontade de tratar sobre um assunto que acredito atormentar pessoas que, como eu, ama versões originais, sejam elas de músicas ou filmes.

Recentemente estivemos em um pequeno paraíso onde uma alameda iluminada por luzes amarelas pipocavam nas árvores formando cachopas de lâmpadas que pendiam em diferentes alturas, iluminando duas dúzias de restaurantes típicos e gourmets num povoado de meio milênio de idade.

Estávamos em Trancoso, passando pequenas férias em família. Passávamos os dias ao redor da piscina, numa casa dos sonhos, e as noites íamos para o “Quadrado”, o centro do povoado, onde ficam os restaurantes e uma grande quantidade de lojinhas de marcas nacionais e internacionais, além de muitas barraquinhas de vendedores locais de artesanato e utensílios.

Até aí, tudo bem. O problema começava quando nos dirigíamos aos restaurantes e os cantores de cada um deles, em volumes elevados tentavam mostrar suas habilidades.

Pior mesmo foi quando escolhemos um lugar para jantar. Sentamos, uma simpática moça trouxe os cardápios... Foi aí que observamos - ouvimos - um rapaz, sentado ao fundo, dedilhando um violão, interpretando músicas de renomados compositores.

Nem vou comentar sobre o que comemos naquela noite. Em Trancoso não achamos nenhum lugar onde a comida fosse ruim. É verdade que existem lugares bem melhores que outros, mas ruim não conhecemos nenhum. O foco de meu texto de hoje é as apresentações musicais, ao vivo dos restaurantes que frequentamos.

Naquela noite especificamente, o rapaz que lá cantava era até esforçado, tinha iniciativa, mas ao constatar isso lembrei do que dizia Napoleão sobre os tipos de soldados que existiam em seu tempo e que ainda hoje devem povoar os exércitos pelo mundo.

Bonaparte dizia que havia quatro tipos de soldados: Os inteligentes com iniciativa; os inteligentes sem iniciativa; os burros sem iniciativa; e os burros com iniciativa.

Os inteligentes com iniciativa eram feitos seus comandantes. Os inteligentes sem iniciativa serviam como seus oficiais superiores, aqueles que recebiam ordens e as cumpriam correta e fielmente. Já os burros sem iniciativa eram colocados na frente de batalha, eram os buchas de canhão. Já os burros com iniciativa, esses Napoleão odiava e não os queria em seus exércitos, pois eram capazes de cometerem as maiores loucuras em nome da crença que serem bons no que fazem, sendo que não o são, pelo contrário.

A mesma coisa se pode dizer em relação a alguns artistas, músicos, escritores, pintores, diretores de cinema e até a artistas da política, já que este universo também tem a ver comigo.

O fato é que o cantor que se apresentava naquele restaurante resolveu fazer releituras de todas as músicas que apresentava e assassinava a todas as composições de deuses da musica baiana e nacional.

Assassinou músicas de Gil, Caetano, Ivete. Assassinou composições de Dorival Caymi e de Os Novos Baianos.

Não satisfeito o rapaz seguiu destruindo as músicas que cantava. Jogou no lixo Adoniran Barbosa, Martinho da Vila, Cartola, Wilson Simonal, Jorge Benjor e até de Pixinguinha e Noel Rosa.

O certo é que a releitura das músicas, a revisitação atabalhoada das melodias, dos compassos, dos andamentos, das entonações,  e até das letras, fazia com que clássicos da nossa música se tornassem sabujos, exclusivamente pela vontade do “artista” querer “inovar”.

Ao ouvir a tentativa desastrosa do rapaz, lembrei das tentativas igualmente desastrosas de refilmagens de clássicos do cinema, como “Ben-Hur”, “Spartacus”, “A fantástica fábrica de chocolate”, “O grande Gatsby” e tantos outros.

Releituras trazem em si o peso da necessidade de pelo menos se igualar ao sucesso conseguido pelos gênios que criaram o produto original, que só é passível de releitura porque foi, em seu tempo um grande sucesso de crítica e de público, e isso é muito, muito, muito difícil de ser conseguido.

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