Organização criminosa

MP-MA denuncia 14 pessoas por desvio de emendas parlamentares em São Luís

Segundo o Ministério Público do Maranhão, entre os crimes praticados está o de organização criminosa.

Divulgação/MP-MA

Atualizada em 27/03/2022 às 11h01
Denúncia foi feita pelo Ministério Público do Maranhão.
Denúncia foi feita pelo Ministério Público do Maranhão. ( Foto: Divulgação / MP-MA)

SÃO LUÍS - O Ministério Público do Maranhão, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) e da 1ª e 2ª Promotorias de Justiça Criminais de São Luís, protocolou Denúncia contra 14 pessoas por conta de irregularidades na aplicação de emendas parlamentares de vereadores de São Luís. A Denúncia foi aceita pela 1ª Vara Criminal de São Luís em 9 de agosto.

Foram denunciados: Luís Carlos Ramos, presidente da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém; Rafaela Duarte Fernandes, tesoureira da entidade; Ney Almeida Duarte, Roberto Fabiano Veiga da Silva, Aldo Carneiro Pinheiro, Paulo César Ferreira Silva e Marcelo de Jesus Machado, funcionários da Câmara Municipal de São Luís; Rommeo Pinheiro Amin Castro, ex-secretário municipal de Esportes e Lazer, e os servidores da Secretaria Jorge Luís Castro Fonseca, José Rogério Sena e Silva, Domingos Ferreira da Silva e Adriana de Guimarães Silva. Também foram denunciados o ex-vereador Antônio Isaías Pereira Filho, conhecido como Pereirinha, e o contador Paulo Roberto Barros Gomes.

A apuração do Gaeco foi iniciada em 2019, a partir de comunicação da 2ª Promotoria de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social de São Luís a respeito da abertura de procedimento para apurar a veracidade de Atestado de Existência e Regular Funcionamento, supostamente emitido pelo próprio Ministério Público em favor da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém.

As investigações apontaram que a Associação tinha recebido R$ 1.258.852,49 da Prefeitura de São Luís no período de 1º de janeiro de 2014 a 30 de outubro de 2019. Verificou-se também que uma organização criminosa utilizava-se da falsificação de documentos públicos em projetos apresentados a órgãos municipais para liberação de dinheiro proveniente de emendas parlamentares de vereadores de São Luís.

Em 2019, quatro termos de fomento foram firmados pela Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém com a Secretaria Municipal de Desportos e Lazer (Semdel), para a realização dos projetos “Circuito Esportivo e Recreativo”, “Passagem Social”, “Esporte para todos” e “Praticando cidadania”, com repasse de R$ 100 mil em cada um deles.

Entre os crimes praticados está o de organização criminosa. De acordo com a Denúncia, os envolvidos constituíram e integraram uma organização estruturalmente ordenada, caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obterem vantagens mediante a prática de infrações penais.

Segundo as investigações, a documentação para que os projetos fossem apresentados à Semdel ficava a cargo do contador Paulo Roberto Barros Gomes. Ele receberia 6% da arrecadação da associação ou dos convênios assinados. De acordo com Luís Carlos Ramos, a Associação receberia 5% do valor das emendas parlamentares e 15% seriam destinados ao também contador Ney Duarte Almeida. Ele seria o responsável pela elaboração dos projetos e encarregado das prestações de contas.

O presidente da Associação explicou que, ao receber os recursos públicos, entregava a Ney Duarte Almeida cheques em branco da entidade, assinados por ele e pela tesoureira Rafaela Fernandes, que eram sacados. Dos R$ 100 mil, R$ 5 mil eram entregues, em espécie, a Luís Carlos Ramos.

Semdel

Outro núcleo da organização criminosa atuava na Secretaria Municipal de Desportos e Lazer. O chefe da Assessoria Técnica da Semdel, Jorge Luís de Castro Fonseca, emitiu pareceres técnicos em todos os processos da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém. Neles, foi atestado o atendimento das exigências legais sem que existisse efetiva comprovação formalizada nos processos.

Nos quatro termos de fomento assinados com a Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém foram emitidos pareceres idênticos, nos quais eram alterados apenas dados como nome do projeto e data. Em todos os pareceres estavam juntadas cópias de Atestados de Existência e Regular Funcionamento falsificadas.

“Jorge Luís de Castro Fonseca emitiu pareceres idênticos em favor de diversas outras entidades que também receberam verbas de emendas parlamentares e participaram do esquema de desvio e apropriação de valores, situação que indica que ele ocupava o cargo com essa finalidade e se valia da condição de funcionário público para a prática de infração penal”, aponta a Denúncia.

Situação semelhante era a de José Rogério Sena e Silva, que emitia pareceres jurídicos padronizados confirmando o cumprimento das exigências legais e opinando pela celebração dos termos de fomento. Já o superintendente administrativo-financeiro da Semdel, Domingos Ferreira Silva, após o parecer jurídico, atestava a existência de disponibilidade financeira e providenciava o empenho da verba.

O então secretário Rommeo Pinheiro Amin Castro também trabalharia em favor da organização criminosa assinando o empenho e o termo de fomento. Ouvido pelo Ministério Público, o ex-secretário teria afirmado que a Secretaria fazia uma fiscalização in loco para verificar a existência das entidades. Também haveria a fiscalização da execução dos projetos.

Para os promotores de justiça, essas informações são inverídicas, visto que não consta dos autos a fiscalização dos projetos e, se tivessem ido ao local, os servidores da Semdel verificariam que no endereço da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém existe um imóvel abandonado.

De acordo com portarias assinadas pelo ex-titular da Semdel, o acompanhamento e fiscalização da execução dos projetos caberia aos servidores Adriana Guimarães Silva e Jorge Luís Fonseca. Ouvidos pelo MPMA, os dois afirmaram que a fiscalização não existia na prática, pois nunca estiveram na Associação ou nos projetos supostamente executados. Eles se limitavam a analisar a documentação apresentada.

“Mesmo ausente qualquer fiscalização da parceria e confirmação de que os eventos efetivamente ocorreram, as prestações de contas eram aprovadas exclusivamente com base em documentos apresentados pela entidade, permitindo que a Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém firmasse novos instrumentos e fomentando a manutenção da organização criminosa”, concluiu a Denúncia.

Saques

Os cheques emitidos pela Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém e entregues a Ney Duarte Almeida eram sacados por outros integrantes da organização. Roberto Fabiano Veiga da Silva (servidor da Secretaria Municipal de Cultura à disposição da Câmara Municipal), Aldo Carneiro Pinheiro (segurança da Câmara), Paulo César Ferreira Silva e Marcelo de Jesus Machado (também funcionários do Legislativo municipal) sacaram mais de R$ 700 mil em cheques.

“Os acusados a quem competia a tarefa de sacar cheques, detinham como vantagem a remuneração decorrente dos cargos comissionados que ocupavam na Câmara Municipal de São Luís”, explicaram os promotores de justiça.

Pelo menos dois dos responsáveis pelos saques, além de Luís Carlos Ramos, afirmaram perante os promotores de justiça do Gaeco que levaram o dinheiro sacado diretamente à casa do ex-vereador Pereirinha. De acordo com as investigações, o parlamentar era um dos beneficiários finais dos recursos públicos “sob a justificativa de que seriam empregados em atividades de interesse social”.

Falsificação

Para ter acesso aos recursos públicos das emendas parlamentares, as entidades envolvidas no esquema criminoso precisavam apresentar uma série de documentos, entre os quais o Atestado de Existência e Regular Funcionamento, emitido pelas Promotorias de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse Social.

No caso da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém, o Atestado datado de 29 de março de 2019, supostamente assinado pela promotora de justiça Doracy Moreira Reis Santos, foi encaminhado para perícia do Instituto de Criminalística que comprovou a irregularidade. A assinatura da promotora de justiça era, na verdade, a impressão de uma imagem. Foi descoberto, ainda, que a mesma imagem foi utilizada em outro Atestado da mesma entidade, datado de 21 de dezembro de 2018, e em documento que atestava a regularidade do Clube de Mães do Ipem São Cristóvão.

A tesoureira do Clube de Mães negou a veracidade do documento, afirmando que o último Atestado de Existência e Regular Funcionamento da entidade teria sido emitido em 2016. Ela confirmou, no entanto, que Paulo Roberto Gomes lhes prestava assessoria contábil.

As duas Promotorias de Fundações e Entidades de Interesse Social de São Luís disponibilizaram as listas de entidades que receberam o Atestado de Existência e Regular Funcionamento no período de 2017 a 2019, não figurando em nenhuma delas a Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém nem o Clube de Mães do Ipem São Cristóvão. Além disso, os atestados tinham como emissora a 2ª Promotoria de Justiça enquanto as supostas assinaturas eram da titular da 1ª Promotoria de Fundações e Entidades de Interesse Social.

Uma operação de busca e apreensão realizada no endereço residencial e na empresa de Paulo Roberto Gomes encontrou uma série de documentos de entidades de interesse social. Entre eles estavam três atestados relativos à Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém, dos anos de 2015, 2016 e 2018.

“Paulo Roberto Barros Gomes se valia da mesma assinatura digitalizada da promotora de justiça Doracy Moreira Santos para falsificar atestados para várias entidades”, explicaram os promotores de justiça autores da Denúncia.

Além do crime de falsificação de documento público (art. 297 do Código Penal), praticado por Paulo Roberto Gomes, os envolvidos Luís Carlos Ramos e Ney Duarte Almeida também praticaram o de uso de documento falso (art. 304 do Código Penal).

Já Jorge Luís de Castro Fonseca, chefe da Assessoria Técnica da Semdel, praticou o crime de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) por ter atestado falsamente a adequação dos procedimentos à legislação, com o objetivo de garantir a liberação da verba pública.

Entre as irregularidades encontradas estão as designações de “gestor de parceria” e “comissão de monitoramento”, a indicação de existência de dotação orçamentária e a aprovação do plano de trabalho pela comissão de monitoramento, quando nenhum destes itens constavam do processo na data do parecer.

“O parecer técnico constante nos procedimentos trata-se de documento materialmente verdadeiro, no entanto, as declarações contidas nele é que não correspondem à verdade”, apontou a Denúncia.

Peculato

Todos os envolvidos incorreram no crime de peculato (art. 312 do Código Penal), por terem se beneficiado, mesmo que indiretamente, do desvio de recursos públicos. Um dos pontos que reforça a tese é o fato de que parte dos acusados aparece como beneficiários dos recursos, mas não constavam nas planilhas de execução orçamentária da verba constantes dos projetos.

O cruzamento de dados bancários com as declarações de Imposto de Renda de Ney Duarte e Paulo Roberto Gomes, por exemplo, deixaram clara a incompatibilidade entre os ganhos e as informações prestadas à Receita Federal.

No caso de Ney Duarte, não foram encontrados imóveis ou outro tipo de patrimônio em seu nome. A operação de busca e apreensão realizada em seus endereços, no entanto, encontrou cópias de escrituras públicas de imóveis e contratos de cessão de direitos sobre imóvel em seu nome e do de sua esposa. Também havia recibos de pagamento relativos a imóveis no nome dos dois, com elevados valores.

Embaraço a investigação

Luís Carlos Ramos, que além de presidente da Associação dos Moradores do Conjunto Sacavém também trabalhava na segurança da Câmara Municipal de São Luís, afirmou ao Ministério Público do Maranhão que vinha sofrendo pressão de Ney Almeida Duarte para que permanecesse calado durante seu interrogatório no Gaeco.

Ele teria sido levado a um escritório de advocacia em São Luís, no qual o advogado teria orientado para que não falasse nada que comprometesse algum vereador ou Ney Duarte. Ele também não deveria se preocupar em arrumar um advogado ou com o pagamento do profissional.

Ligações de Ney Duarte, Paulo Roberto Gomes e de pessoas ligadas a vereadores estariam sendo constantes. Além disso, Luís Carlos Ramos e Aldo Pinheiro foram afastados dos cargos de chefe de equipe de segurança da Câmara de Vereadores após comparecerem para depor no Ministério Público. “A situação indica possível represália, praticada por outros integrantes da organização criminosa, em razão das repercussões da investigação”, observam os promotores de justiça.

Crimes

Luís Carlos Ramos foi denunciado pelo crime de peculato-apropriação (reclusão, de dois a doze anos, e multa). Por ter firmado acordo de colaboração premiada homologado pela Justiça, ele teve excluído os crimes de organização criminosa (condicionado à reparação do dano) e garantir a redução da pena privativa de liberdade em dois terços em todos os crimes que possa ser condenado.

Ney Almeida Duarte e Paulo Roberto Barros Gomes também foram denunciados por peculato-apropriação, além de organização criminosa em associação com funcionário público e por embaraço à investigação (reclusão, de três a oito anos, além de multa, podendo ser aumentada de acordo com o caso).

Já Rafaela Duarte Fernandes, Rommeo Pinheiro Amin Castro, Jorge Luís de Castro Fonseca, José Rogério Sena e Silva, Domingos Ferreira da Silva, Adriana de Guimarães Silva, Roberto Fabiano Veiga da Silva, Aldo Carneiro Pinheiro, Paulo César Ferreira da Silva, Marcelo de Jesus Machado e Antônio Isaías Pereira Filho foram denunciados por organização criminosa em associação com funcionário público e por peculato-desvio.

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